“A música cumpre ali o seu papel mais nobre” diz criador do Notas para a Vida
Usar a música como forma de terapia em hospitais do Paraná e Santa Catarina. Essa é a intenção do projeto Notas Para a Vida, criado pelo músico Jair Marcelo Petry. E, durante a última semana, hospitais da região tiveram a oportunidade de receber o projeto, que passou por União da Vitória, São Mateus do Sul, General Carneiro e Bituruna. Na terça-feira, 03, dia em que esteve no Vale do Iguaçu, Jair aproveitou a oportunidade para conversar com a reportagem de O Comércio sobre o projeto. Confira:
Jornal O Comércio (JOC): Como surgiu o projeto?
Jair Marcelo Petry (JMP): O projeto nasceu de uma ideia de uma contrapartida social, um projeto em Curitiba, em 2016, onde eu toquei para algumas crianças numa creche municipal na periferia. Levei o piano para lá e durante 45 minutos as crianças ficaram sentadas ao redor do piano em absoluto silêncio. O que para crianças pequenas é muito raro. Tanto que a diretora do local já falava “tu não vai conseguir tocar aqui porque tá todo mundo agitado” e eu falei calma deixa a música cumprir seu papel. Então nasceu dessa pequena ideia, onde eu comecei a pensar na música não só como entretenimento, mas como o bem-estar emocional, bem-estar físico.
Hoje já é comprovado que a musicoterapia atua em diversos sistemas do organismo e é capaz sim de auxiliar nos processos de cura. E aí em 2019 começou o projeto efetivamente, o Notas Para a Vida, que hoje já tem várias edições anuais e muita música tocada dentro dos hospitais.
JOC: Que tipo de música você toca nas apresentações?
JMP: Eu faço a música instrumental tocada ao piano. Então é o piano digital, e a gente leva ele para todos os ambientes do hospital. A gente começa normalmente pela recepção, emergência, e vai para outras alas, UTIs. Para cada situação, para cada local que a gente vai, a gente tem um repertório específico, ou então toca o mesmo repertório em outros tons. Porque a gente entendeu ao longo desses anos que cada lugar aonde você vai existe um sentimento. Por exemplo: vai na recepção, ali as pessoas estão ansiosas, preocupadas, tensas, e aí você tem que fazer um tipo de música que se conecte a esse sentimento e depois outra música, que seja capaz de transformar esse sentimento.
Normalmente a gente começa tocando uma música em tom menor, e aí tem um repertório extenso. Mas, por exemplo, The Sound of Silence, que é uma música do Simon e Garfunkel, que eu toco piano em tom menor, ao menos a primeira parte. Então, o tom menor, por ser um tom mais triste, mais melancólico, ele acaba se conectando inconscientemente com o sentimento das pessoas. E a gente, entendendo isso, a próxima música normalmente é um 3 por 4, que é uma valsa. A valsa quando se pensa no ritmo, se lembra de algo leve, aquela dança maravilhosa. Mas isso também tem uma razão. É porque o coração bate em ternário, ele bate em 3 por 4, então isso traz um outro tipo de conexão que normalmente traz mais leveza. Aí você começa a transformar o ambiente. Então o repertório passa por diversos estilos. É piano popular. Então [tocamos] algumas clássicas também, mas até os Beatles a gente toca ali. Improvisos também. Dependendo do ambiente a gente vai adaptando ali o repertório.
JOC: Esse projeto ajuda no bem-estar dos pacientes?
JMP: Com certeza. A música cumpre ali o seu papel mais nobre. Porque, como eu disse, ali a gente não fala sobre entretenimento, não fala sobre reconhecimento. A gente não está ali para buscar aplausos. A gente está ali realmente para fazer música e transformar o ambiente, deixar o ambiente mais leve. Não somente para pacientes, familiares e amigos, mas para os colaboradores também, que muitas vezes têm suas rotinas cansativas, estressantes, tensas também muitas vezes. Centros cirúrgicos, UTIs, e a música onde chega é capaz de transformar o ambiente.
Mas é importante também a gente destacar um ponto aqui, que projetos como esse só são possíveis porque existem empresas que olham por esse viés social. E tem muitos projetos importantes por aí que também precisam desse olhar. O Notas Para a Vida, nessa edição, vai visitar 27 cidades aqui do Paraná, e 60 instituições até o final de janeiro. Nós estamos na estrada todo dia, buscando levar esse bem-estar para as pessoas, e isso graças ao apoio da Cooperativa Agrária do Governo do Estado do Paraná através do programa Paraná Competitivo, em parceria com as secretarias da Fazenda e do Desenvolvimento Social e Família.
JOC: Em todo o tempo de existência do projeto, tem alguma história especial que ficou na sua mente?
JMP: Como a gente vive isso diariamente, são realmente muitas histórias. Mas há pouco tempo estávamos em Ponta Grossa, e ali uma senhora, na UTI, estava muito debilitada, com vários acessos, enfraquecida. E então eu fui especificamente no local onde ela estava, junto com a coordenação médica, psicólogo e tudo mais, e então tem momentos em que eu toco a música religiosa, por exemplo, então toquei ali o Hino à Família, do Padre Zezinho, e quando comecei a tocar, imediatamente ela esboçou uma reação, ela virou para o lado e falou “Eu amo o Padre Zezinho” e ela cantou junto a música. Três minutos depois o semblante dela estava diferente, ela estava com semblante com mais ânimo. Muitas vezes a música faz isso. É um momento, é uma chave que é virada ali, a pessoa ganha esse fôlego, recordações. Então são muitos momentos como esse, e nesse tempo já são mais de 22 mil minutos de música que nós tocamos dentro de hospitais, mais de 100 horas dentro de UTIs, então é bastante tempo. São realmente muitas experiências. Já passamos por mais de 80 instituições, dois estados. A gente mantém o projeto em Florianópolis e em Curitiba, e eventualmente a gente faz edições especiais como essa. É o nosso trabalho diário fazer música. Eu sempre digo que são locais onde quase ninguém quer estar. Então ali a gente precisa abraçar as pessoas e fazer com que a música cumpra esse papel.
(…) O mundo prega muita individualidade. E nós estamos aqui para cumprir uma missão. Cada um de nós tem uma missão. Quando você acorda de manhã, poxa, já é o maior presente que você tem no dia. Então aprecie, agradeça por esse dia e faça algo por uma outra pessoa. Faça algo por alguém. Nós passamos por muitos asilos e ali nós podemos perceber muitas vezes o quanto é necessário um abraço, uma palavra amiga, um carinho, uma presença, a simples presença. Procure um asilo, visite, não precisa comprar nada. Não precisa investir em nada. É só investir um pouco do seu tempo, e tempo tem nós temos 24 horas, todos os dias, para fazer o bem para outras pessoas também. Pense nisso e você vai ver que a sua vida vai ganhar um novo significado.
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