Filme sobre imigração polonesa será filmado no Vale do Iguaçu

A echarpe cobrindo os ombros mostra o estilo e o charme que ela, aos 70 anos, faz questão de exibir. Apesar de afirmar que prefere a coxia (também chamada de bastidores) ao invés do palco, Maria Luiza Grabowski, de nome artístico Malu, é dona de uma presença marcante.

Malu, natural de União da Vitória, há 50 anos deixou a cidade para morar no Rio de Janeiro.

 

A voz grave fala frases repletas de conhecimento sobre o mundo é convidativa para um bate-papo mais longo. Não por acaso, Malu tem uma história de superação, força, garra e muito talento, que muito contribui para a preservação de manifestações culturais pelo País. Ao longo de décadas ela acompanhou a evolução das artes visuais, da literatura, da música, do cinema e sobre o fazer artístico. Ela é uma artista nata.

Quando menina, ainda nos solos de União da Vitória e Porto União, era a representante de grupos de teatro e marcou presença nos corais. Apoiada pela sua família, que habitualmente acompanhava o glamour das artes requintadas como o ballet e óperas, Malu sempre evidenciou a pluralidade do seu olhar para a arte; são 30 anos de experiência em cinema, teatro e televisão.

Malu, natural de União da Vitória, há 50 anos deixou a cidade para morar no Rio de Janeiro. Foi na cidade chamada de Maravilhosa que ela aprendeu ainda mais sobre o ramo que a acompanha desde o seu nascimento. Ela participou da criação e da gravação de programas marcantes na televisão brasileira, como o Radical Chic e Muvuca, da Rede Globo, e diversas teledramaturgias como a novela Esperança sobre a imigração italiana, e Um Só Coração sobre a Semana de Arte Moderna no Brasil em 1922. Na Rede Record, Malu chefiou o departamento de Figurinos e Arte da emissora durante três anos.

Malu, natural de União da Vitória, há 50 anos deixou a cidade para morar no Rio de Janeiro.

 

Trabalhou ao lado dos premiados diretores de teatro Marcos Flaksman, Wolf Maia e Marcos Paulo, entre outros. Recebeu inúmeras críticas por seu trabalho, inclusive pela Revista Veja. Foi entrevistada no Programa do Jô (Jô Soares, então apresentador da Rede Globo) e pelo programa dominical Fantástico, também da Rede Globo, por ocasião do lançamento de seu livro Aceita um cafezinho?, com capa do premiado fotógrafo Eduardo Simões.

O currículo de Malu é extenso e não para por aí. Ela já participou de diversos curta-metragens e media-metragens no Brasil e lançou seu próprio programa sobre arquitetura “Casa Viva”, em TV a Cabo, entrevistando os maiores nomes da nossa arquitetura, como Sérgio Bernardes, Zanini e Sergio Rodrigues.


De volta ao Vale do Iguaçu

A presença de Malu no Vale do Iguaçu é passageira, mas com promessa de uma lembrança pela eternidade. Ela é autora e diretora do filme Nasdróvia, que conta a história de sua família. O filme foi registrado na Seção de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional e sairá do papel neste ano. “Nasdróvia levará às telas um tema e imagens inéditos na filmografia nacional, pois narra a história de uma família [da minha família] em uma região de fronteira, que pelas condições climáticas, com invernos rigorosos e posicionamento geográfico, preservou, por longo tempo, as diversas manifestações da cultura polonesa presentes na arquitetura, na gastronomia, na língua, no cuidado ambiental, na riquíssima produção simbólica e cultural que fazem parte do Brasil de hoje. As minhas memórias mais remotas são da festa da colheita do trigo que se dava em meio a muita música, canto, comidas típicas e danças regionais da Polônia”, explica.

Malu relata que do outro lado do Atlântico partiu do território polonês uma grande leva de imigrantes que veio a se estabelecer no Sul do Brasil. “Minha família estava entre os quase cem mil poloneses que aqui aportaram, entre 1890 e 1914, e se estabeleceram no Sudoeste do Paraná, estado que se tornou a maior colônia polonesa na América Latina. Ao criar este projeto, a colaboração entre artistas e técnicos dos dois países surgiu naturalmente. O filme deverá contar com o suporte do Film Commission Poland para sua realização e está prevista a contratação de estúdios, atores e técnicos poloneses locais”, diz.

O filme terá apoio do poder público de União da Vitória e de Porto União, bem como dos artistas e da comunidade local. Conta Malu que a Câmara de Comércio Brasil-Polônia já formalizou o seu apoio ao projeto. Nasdróvia está programado para ser exibido no Brasil, na Polônia e nos Estados Unidos.

No Brasil, segundo Malu, a maior parte do filme será rodado nas seguintes regiões: Curitiba, Foz do Iguaçu, União da Vitória, Serra de Paranaguá, Cruz Machado, Mallet (Terra dos Pinheirais), Antônio Olinto, Porto Vitória, destacando a Rota das Cachoeiras. “A arquitetura paranaense, fortemente influenciada pelo estilo polonês trazido pelos imigrantes, faz parte do filme como pano de fundo da história que se desenrola na tela”.

As filmagens serão iniciadas neste segundo semestre. Depois de tudo pronto, Malu deve retornar para o Rio de Janeiro. “O projeto do filme é contar a história de milhares de famílias fugitivas, através da história que se repetiu na minha. É contar a história dos judeus que fugiram para o Brasil, terra prometida de liberdade, onde, apesar de tudo, não conseguiram se desvencilhar por completo dos pesadelos da vida anterior, nesse caso revividos em uma colônia de ucranianos, povo anti-semita atávico, na região sul do país. É contar a história de meu avô e minha avó que nunca falou português, mesmo vivendo no Brasil até os anos 70. Ela conversava conosco em polonês e nós respondíamos em português, e assim ela resistia e mantinha sua dignidade. O filme é a história dessa fuga, desse abandono silencioso de uma identidade por toda uma família em nome de uma liberdade futura, de fato conquistada por mim como primeira geração de cristãos no Brasil. É a história de tradições milenares sendo quebradas em nome da sobrevivência. De um povo trazendo em um livro um mistério inviolável, a força de um segredo guardado por mais de cem anos, que, de repente, vem a tona como que por acaso e transforma a simples vinda de uma família de imigrantes poloneses ao Brasil em uma verdadeira epopéia”.


Vale spoiler

“Aos trinta anos de idade, no ano de 1982, descobri que Grabowsky, não era o meu verdadeiro sobrenome. Aquele nome que a vida toda me acompanhou como meu nome de batismo, provavelmente havia sido usado para facilitar a fuga de meu avô da Polônia para o Brasil, no final do século XIX. A mesma pessoa que apontou essa possibilidade, exatamente por uma estranha coincidência de ter um tio que fugiu da Polônia usando também esse nome como identidade falsa, me garantiu que a razão dessa fuga era uma só: os Grabowsky que entraram no Brasil eram judeus, perseguidos na Europa e convertidos cristãos para sobreviverem no Brasil.

– “Seu avô sendo judeu, ele certamente deixou um diário”, ele disse.

Um diário, não, mas um caderno com todos os passaportes e uma descrição de toda a sua trajetória da Europa até o Brasil. A descoberta desse diário me foi contada por meu tio, irmão mais novo de meu pai, quando falávamos sobre a única vez que tínhamos apanhado na infância. A dele foi quando pulou dentro do armário, provocando a descoberta desse livro todo escrito a mão, recheado de documentos e oculto num fundo falso do armário de minha avó.

União da Vitória, cidade em que eu nasci no sudoeste do Paraná, era uma cidade dividida entre nós poloneses e ucranianos. Os ucranianos tinham sua própria igreja, ortodoxa, e por alguma razão que eu desconhecia, deveríamos evitá-los. Ao questionar meu pai sobre as razões dessa divisão, tive como resposta que eram coisas da Europa, que eu devia aceitar e não questionar.

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– “Um judeu, mesmo convertido, não abandona os fundamentos da vida comunitária”, me garantiu meu amigo. Aos cinco anos de idade, me acordei no meio da madrugada com vozes vindo da sala de minha casa. A voz de meu pai fez com que eu me dirigisse diretamente para lá. Chegando perto da entrada da sala, fechada por uma grossa cortina, percebi que falavam uma estranha língua para mim. Não era polonês, que era falado nas ruas da minha cidade e que eu conhecia muito bem.

Parei. Percebi que algo de estranho estava acontecendo naquela sala. Afastei suavemente o canto da cortina e observei uma cena que jamais esqueci. Vários homens, meu pai incluído, e um homem vestido de preto com dois cachinhos laterais na costeleta, que efetivamente era o chefe daquela reunião. Não entendi nem uma palavra, falavam uma língua que eu não conhecia: ídiche.

Na manhã seguinte, perguntei ao meu pai quem eram aqueles homens ontem na sala e que língua era aquela que eles estavam falando. Meu pai respondeu que não havia ninguém, que era apenas um sonho. Quando tentei argumentar, me olhou seriamente e disse:

– “Foi só um sonho. Esqueça isso já.” Vinte e cinco anos depois, em busca do diário de meu avô, descobri que todos os meus irmãos também tiveram esse mesmo sonho. A cada passo dessa busca, a história se complicava e se confirmava continuamente.

Malu Grabowski

 

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