Entrevista: O que esperar da reforma tributária que está por vir?
A reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados e em discussão no Senado promete trazer várias mudanças na cobrança de impostos. Um setor muito afetado será o imobiliário. Pensando em discutir o tema e mostrar quais mudanças estão por vir, o Senac de União da Vitória recebeu, na quinta-feira, 24, o CRECI Talk Imobi, apresentado pelo assessor da presidência do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (CRECI-SC), Alcides Andrade.
A reportagem de O Comércio conversou com Alcides sobre o tema. Confira:
Jornal O Comércio (JOC): O que está por vir no mercado imobiliário com essa reforma tributária?
Alcides Andrade (AA): A reforma tributária que está por vir, já foi aprovada na Câmara dos Deputados, está agora tramitando no Senado, a gente tem conversado com os senadores, ela muda bastante a questão de tributação das empresas. Para a pessoa física não vai mudar nada diretamente. Apesar de que, com mudanças de alíquotas para o comércio, para indústria, para o serviço, algumas atividades econômicas serão oneradas, e outras serão desoneradas.
Essa reforma tributária está sendo conduzida muito para o benefício da indústria. No geral, a indústria terá uma redução de impostos, uma redução de carga tributária, enquanto que os serviços, transportes, será bastante onerado. O comércio varia um pouquinho, depende de cada caso. Isso tirando aqueles produtos que são bebidas alcoólicas, cigarro, produtos que geram algum dano à saúde, que terão uma tributação maior também. Para o mercado imobiliário depende muito.
A gente é muito crítico dessa reforma tributária, porque no dia da votação, os deputados não tinham nem o texto do Projeto de Lei na mão. Então a gente não está vendo nesse processo dentro da Câmara dos Deputados a transparência necessária para que a gente possa opinar por isso. Então acompanhamos no dia da votação, e deputados chegaram a falar isso, denunciar isso. “Como é que nós vamos votar numa coisa que não se sabe?”. É claro que essa reforma está sendo debatida há muito tempo, mas o texto da Lei, uma vírgula fora do lugar, um artigo, um parágrafo pode mudar uma interpretação.
E o setor imobiliário está muito nisso. O setor imobiliário está sendo afetado por essa, digamos, não total transparência. A gente se preocupa muito com isso. Há uma promessa de que o setor da construção civil, por ter uma cadeia de serviços longa, existe ali a construtora, incorporadora, empreiteiro, corretor, então essas atividades econômicas com uma cadeia de fornecimento de serviços encadeados mais longa, elas terão vantagens, em virtude da não cumulatividade. Hoje, quando você compra um imóvel, você não sabe qual é a alíquota que você está pagando naquele imóvel. A pessoa que compra pra morar, a pessoa que compra uma sala, por exemplo, para sua empresa, sua loja, ela não sabe quanto que de imposto está pagando. Por que a falta de transparência nesse encadeamento de imposto da bitributação, da tritributação, é muito grande, muito complexa. E a promessa, pelo menos, do texto, é de que para esses casos haverá um ganho bastante grande, porque não haverá, por exemplo, a bitributação. O que a Receita Federal fala, o que o Governo Federal fala, é que é para imóveis, para o consumidor final, haverá o benefício da não cumulatividade de tributos. Agora, na prática, o que a gente vê, analisando o texto, é que para imóveis residenciais de baixa renda haverá uma promessa de redução dos impostos no produto final, e imóveis de alto padrão, de uma renda maior, haverá um aumento, sim, da carga tributária incidente desses imóveis novos.
Para os corretores de imóveis, na intermediação para locação, para venda, há sim uma oneração. É uma prestação de serviço e, no geral, não só a corretagem, mas todos os serviços que você presta, há sim uma tendência muito grande no aumento da carga tributária.
JOC: É um assunto complexo, ainda mais para as pessoas que são leigas. Vamos tentar fazer um exemplo prático aqui: comprei um imóvel de R$ 500 mil. Qual a tributação neste imóvel?
AA: Da parte do consumidor final, ali na transferência, que é o ITBI, isso não muda nada, por enquanto. A reforma tributária não afeta o ITBI, isso não muda nada com a reforma tributária. O ITCMD, que é o caso da doação de imóveis, ou quando uma pessoa da família falece, tem que fazer a transmissão, aí também tem uma pequena mudança, mas o impacto imediato também não existe. A gente está falando desta reforma, porque o consumidor que compra o imóvel novo, ele não sabe quanto ele paga de imposto. E esse é o ponto. Agora, com a reforma, a promessa é que ele vai saber quanto paga de imposto. O ISS e o ICMS, esses impostos não aparecem para o consumidor final. Quando você vai no supermercado, líquido de ICMS em alguns casos é 25%, alguns casos de 17%. Agora, o ICMS e o ISS que é pago no município, pela construtora, por exemplo, pela incorporadora, eles vão ser o imposto só, que é o IVA. Então, o que muda isso? O ICMS deixa de existir, o ISS, deixa de existir, e vai ter um imposto único. O PIS/Cofins deixa de existir e vira um imposto, que é o IVA.
Então, é a alíquota desse imposto que vai ficar muito alta, é entre 27% e 28%, não está definido ainda na reforma tributária. Hoje o pessoal que compra o imóvel de R$ 500 mil, o imposto final que está incidindo na produção e na comercialização é de 28%. O imóvel de R$ 500 mil vai continuar R$ 500. mil. Agora, aquela arrecadação, aquele tributo arrecadado de todas as fases, na intermediação, na incorporação, na construção é que é esse 27%, 28% que vai ser definido.
Volto, a promessa é que imóveis de baixa renda a tributação diminua. Existe um redutor para locação de baixa, existe ali um redutor para imóveis para compra de baixa renda. Mas, de verdade, a gente só vai saber isso depois, quando começar a rodar a reforma tributária. A gente está vendo que os deputados deram um cheque em branco na aprovação dessa reforma tributária, e a gente vai agora, no Senado, discutir para ver se fica um pouco mais claro, para ver se a promessa de redução de tributos para imóveis de baixa renda efetivamente vai acontecer, já que o governo já assumiu que para imóveis de alto padrão, de uma renda maior, a tributação aumenta. Ou seja, quem paga o imposto é o consumidor. Se aumentar a carga tributária para imóveis de alto padrão, esse móvel vai ficar mais caro. O imóvel de R$ 800 mil, R$ 1 milhão ele tende, sem dúvida alguma, a ser onerado.
JOC: Essa reforma tributária no mercado imobiliário afeta mais pessoas físicas ou jurídicas?
AA: A promessa pelo governo da reforma tributária é que, para imóveis comerciais, para uso comercial, haja também uma desoneração. O foco da reforma tributária, é desonerar a indústria, desonerar a atividade econômica. Então, se uma padaria compra um imóvel comercial, todo aquele imposto que ele pagou, digamos em 28% da construção do imóvel, ele vai poder se creditar ali na frente, ele não vai pagar esse 28% que ele pagou.
Vamos lá: uma padaria que compra um imóvel comercial de R$ 1 milhão, a tributação vai ser na faixa aí de, digamos, vamos fazer uma conta rasa, que 28% é R$ 280 mil. Esses R$ 280 mil que o dono da padaria pagou de imposto pra comprar o imovel, já está no custo do imóvel. Esse R$ 280 ele vai poder usar pra frente, pra quando ele vender o pãozinho dele, aquela tributação que ele paga, ele já não vai pagar mais, porque ele já pagou o imposto quando ele comprou o imóvel. Então nós estamos falando em crédito tributário. A promessa do governo é essa. Que deixando de existir a bitributação, o dono da padaria que comprou imóvel pode usar esse imposto embutido que ele comprou no imóvel para não pagar mais o imposto do pãozinho para frente até aquele limite do imposto que ele pagou. É um assunto técnico, que a gente se esforça aqui para traduzir em uma linguagem um pouco mais coloquial.
JOC: O que é o fator redutor que você citou?
AA: A alíquota média do tal do IVA, que todas as atividades econômicas vão pagar, está se estabelecendo de 27% a 28%. Vamos chutar aí 28%, que é o que a gente está imaginando. Então, as atividades que recebem um benefício do Estado, como por exemplo, o agro, a carne, a cesta básica, com o redutor de alíquota, esse 28% vai para zero. A Câmara dos Deputados aprovou, o Senado deve confirmar, que para cesta básica não haverá o recolhimento de impostos. É um redutor de 100%.
Para o mercado imobiliário, como a habitação é um direito social, a nossa Constituição Federal diz que a moradia é um direito, o cidadão brasileiro tem o direito à moradia, então a reforma está entendendo que, no caso da locação, este redutor é de 60%. Uma alíquota que seria de 28%, no caso da locação, se aplicarem um redutor de 60% a tributação vai para 12%. Então a gente está falando aqui que para locação, o imposto será de 12% porque tem um redutor de 60%. É o quanto deve ser dado de desconto na alíquota. No caso da intermediação para venda de imóveis novos ou usados, de terceiros, este redutor é menor, é um redutor de 40%. Então, uma alíquota que seria de 28%, aplicando um redutor de 40%, esse 28% vira mais ou menos 17%.
Então, dependendo da atividade econômica, a escolha do legislador da reforma tributária, de acordo com a importância dessa atividade, ela recebe um redutor maior ou menor, ou então acréscimo. Como eu falei, cesta básica é o redutor integral de 100%, não vai pagar imposto os produtos da cesta básica. Para locação, redutor 60%, para venda de móveis é de 40%.
Agora, tem produtos que causam prejuízo à saúde. Você tem álcool, outros produtos que causam danos à saúde, com o acréscimo da alíquota. Esse é o ponto mais importante. É importante acompanhar isso, porque a atividade econômica da população vai ser impactada. E o consumidor também, que tem mais interesse, também é importante e atrás. O cidadão precisa saber o que está acontecendo, afinal de contas, o imposto quem paga é o consumidor final. O empresário repassa, ele recolhe na sua atividade econômica, a indústria recolhe, mas ele faz parte do preço final do produto. O pãozinho que a gente compra na padaria, que eu costumo usar de exemplo, pode ser impactado. É importante o cidadão acompanhar o que esses movimentos da reforma tributária (…) vai impactar na vida de todos nós cidadãos brasileiros.
JOC: Alcides, o que se cobra dessa reforma tributária é uma maior transparência?
AA: Isso cabe para todos os consumidores de todas as áreas, o cidadão em geral. A gente precisa saber o que paga de imposto. E aí vai mais uma crítica à reforma, porque hoje o brasileiro está cansado de pagar imposto, o aumento da carga tributária nas últimas décadas é gigante. Vamos fazer uma comparação com outros países do mundo, porque um dos países que adotam esse modelo de tributação que nós estamos aprovando no Brasil é Hungria, que tem a maior alíquota e é 27%. Nós vamos cobrar acima. O Brasil vai ser o país com maior alíquota do mundo nesse modelo de tributação que a gente está falando de IVA. É muito. E a gente não tem a saúde, a gente não tem a educação pública que merece, gratuita. Então, a nossa crítica é essa. Antes de fazer a reforma tributária, talvez a gente precisasse discutir o tamanho do estado. Qual é o tamanho que a gente quer? Qual é o tipo de saúde? Qual o tipo de educação? Do transporte? As rodovias? E aí nós estamos fazendo uma reforma que é outra promessa que não vai haver aumento da Carga Tributária. A promessa é da não cumulatividade, não tem bitributação. A promessa de transparência, são todas essas. Agora, a gente precisa acompanhar, porque se o cidadão não acompanhar, não cobrar o seu deputado, não cobrar o seu senador, eu acredito que isso não vai acontecer.