Atos bloqueiam vias em todo o país; BR-476 foi palco de interdições
Após o resultado das eleições do último domingo, dia 30, manifestantes contrários ao resultado começaram a se organizar em todo o país bloqueando rodovias. No Vale do Iguaçu o manifesto foi mais expressivo na BR-476, na altura do posto Mallon, em União da Vitória.
Na segunda-feira, 31, apenas veículos de passeio, caminhões carregados com cargas perecíveis e veículos de emergência conseguiram passar pelo bloqueio. Na terça-feira, 1º, o movimento ganhou mais expressão. Além de caminhoneiros parados ao longo da via, empresários, lojistas e moradores de União da Vitória e entorno se uniram ao protesto.
Na terça-feira, 1º, César, um dos participantes dos atos, disse à reportagem que as manifestações não possuem um organizador só, e que considera os atos como um movimento da sociedade. “O pessoal da cidade está vindo, os lojistas, os donos de madeireira, os motoristas de caminhão. Quem está parado, não tem ninguém preso aqui, está todo mundo de livre e espontânea vontade e graças a Deus está um movimento bonito, está bem controlado”.
Todos os motoristas e manifestantes do local receberam alimentação. À reportagem, César afirmou que a comida era doada por apoiadores da manifestação, a partir de vaquinhas feitas pelo WhatsApp ou por empresários. “A alimentação está boa, está ótima, não tem ninguém com queixa, está vindo bastante comida. Graças a Deus temos comida sobrando, o pessoal está se prestando bem solidário e graças a Deus não temos queixa nenhuma, está bem bom”.
Na terça-feira pela manhã, César estimava que o bloqueio gerava 25 km de congestionamento. Segundo seu relato, a via não estava bloqueada para carros, ônibus, caminhões com carga perecível ou com itens indispensáveis como gás e oxigênio. Segundo o manifestante, até aquele momento aguardavam que o presidente, Jair Bolsonaro (PL), se manifestasse para que pudessem decidir os próximos passos. “Estamos esperando um pronunciamento do nosso atual presidente para a gente ver o que vai ser feito, porque está todo mundo nessa agonia. Então, na verdade, nós não temos uma data certa, mas estamos na ansiedade que logo saia”.
Um caminhoneiro que transportava carga perecível e estava parado há mais de 24 horas no bloqueio se mostrou favorável ao ato. “Eu sou lá do Mato Grosso. A questão do diesel, quando precisa abastecer eles levam diesel para mim. Comida tudo ok. Comida, água, banheiro, café da manhã. A gente tem de tudo aqui. Eu sou a favor [da manifestação]. Tem que melhorar. Estamos em busca de melhoras”.
Nem todos, contudo, dividiram a mesma opinião. O caminhoneiro Marcos também estava na terça-feira, há mais de 24 horas parado no bloqueio da BR-476. Ele, que levava álcool anidro de São Pedro do Ivaí a Passo Fundo, relatou à reportagem que não estava na manifestação de forma voluntária, mas sim porque era impedido de seguir viagem. “A situação é que eu sou contra essa manifestação, porque não é uma manifestação dos motoristas. Na realidade eles estavam querendo fazer um golpe militar com Bolsonaro no poder e usando os motoristas como massa de manobra. Então a gente está parado aqui à força, porque diz que é [um protesto] pacifico, mas se eu pegar meu caminhão e sair, eles metem pedra, vão quebrar meu caminhão, dar tiro. O que está acontecendo aqui é que estão usando a gente como massa de manobra, a gente está aqui forçado. Não só eu, mas vários motoristas estão aqui forçados”.
Marcos confirmou que os motoristas parados no bloqueio recebiam alimentação, mas afirmou que seu desejo era conseguir cumprir seu trabalho. “Estão dando comida para a gente. Mas a gente quer trabalhar, a gente precisa trabalhar, a gente precisa produzir. E a gente, parado aqui, a gente não está ganhando, a gente está parado sem produzir. Eu sou comissionado, outros motoristas que estão aqui são todos comissionados e nós estamos aqui parados perdendo dinheiro. Não tem como tentar seguir viagem. Se eu pegar e colocar o caminhão em cima da pista eles vão me agredir. Então a gente tem que parar o caminhão, o caminhão não é da gente, é da empresa, então a gente tem que parar e ficar esperando em um canto, e esperar ver se a polícia vai vir, ver se a Polícia Federal vai vir liberar. Já liguei para a Polícia Federal e disse que estão vendo para vir aqui negociar, mas até agora nada”.
Célio, que transportava produtos usados no tratamento de esgoto de São Paulo a Buriti, ressaltou que, para ele, a manifestação não era dos caminhoneiros, mas sim de apoiadores do presidente. “Eu sou contra [a manifestação] porque isso aí usou meia dúzia de pessoas e fechou a pista. Só isso. Agora a imprensa está divulgando o quê? Os caminhoneiros pararam o Brasil! Mas não é os caminhoneiros que pararam o Brasil. São essa meia dúzia de apoiadores do presidente que parou a pista, então se eles pararam não tem como a gente passar. Se você tentar passar eles vão quebrar o caminhão e aí vai ser pior. A gente espera que a polícia tome uma atitude e venha ver isso aí, conversar com os caminhoneiros, perguntem ‘vocês querem ficar? então vocês ficam. Vocês querem ir, querem seguir viagem? Quero seguir’. E aí vai ver para liberar isso aí, porque não tem cabimento isso aí. Eu acho que é isso que deveria ser feito”.
O pedido de Célio foi atendido na tarde de terça-feira, quando equipes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Militar (PM) estiveram no local para desobstruir as vias. Segundo o agente Milton César, a PRF conversou com os manifestantes e informou sobre decisões judiciais para o desbloqueio da via. “Demos um prazo para que o pessoal se organizasse e visse a melhor forma de cumprir essa determinação. Algumas das lideranças vieram conversar conosco e após esse prazo eles vão buscar desobstruir a via para não impedir o direito de ir e vir de quem quiser. Quem quiser continuar manifestando vai continuar manifestando porque também é um direito garantido para todos, de forma que não obstrua a via. Está chegando mais gente aqui, eu acredito que a manifestação vai ser de grande proporção, vai ter o impacto que eles querem e precisam, mas a gente precisa também garantir o direito de ir e vir de todos”.
O Tenente Coronel Balbino, comandante do 27º Batalhão de Polícia Militar de União da Vitória, informou que a PM estava dando apoio à PRF, e que uma equipe do Batalhão de Choque havia sido solicitada para ajudar na desobstrução da via. “Inicialmente os manifestantes disseram que não iriam sair da rodovia, que não iriam ceder e que iriam resistir. Por medida preventiva solicitamos o apoio da capital para que apoiasse a gente nessa situação. O objetivo da Polícia Militar é que não saia nenhuma pessoa ferida. Eles falaram que iriam fazer uma manifestação passiva ou que iriam sentar na rodovia. Com o efetivo que nós temos e com a quantidade de pessoas que têm aqui, seria muito difícil fazer cumprir essa determinação sem o apoio externo. Então acredito que antes que as equipes cheguem aqui o local já estará livre e o trânsito estará normalizado”.
Durante a tarde de terça-feira, a manifestação recebeu apoio de moradores de União da Vitória e região, que foram até o local do bloqueio. Entre eles Cordovan Frederico de Melo Neto, presidente da Câmara de Vereadores de União da Vitória. “Queria frisar muito bem primeiramente que estou aqui como cidadão, estou exercendo meu direito de estar aqui acompanhando as manifestações também pela questão de como tudo aconteceu. Eu acho válido o pessoal estar aí reivindicando, fazendo as suas devidas solicitações, e estou aqui acompanhando mais de perto para não ficar sabendo pelos outros. Então a gente vem aí também dar a nossa parcela de apoio para esse pessoal que está nesse dia, querendo chover novamente, mas mesmo assim não arreda o pé aí pela transparência em todo esse processo”, comentou.
Alandra Roveda, vereadora de União da Vitória, também esteve nas manifestações. “Estamos aqui mais uma vez. É tudo um processo para que a gente tenha um Brasil melhor, a gente tem um povo bom, um povo ordeiro. As pessoas de bem estão aqui, e a gente pede que quem quiser fazer parte dessa manifestação pacífica para estar aqui junto com a gente”.
Bolsonaro se manifesta
Enquanto os manifestantes permaneciam na BR-476, Jair Bolsonaro fez na tarde de terça-feira, seu primeiro pronunciamento após a derrota e descreveu as manifestações como “fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, mas afirmou que os protestos não poderiam seguir o que determinou como “métodos da esquerda”, conforme a transcrição nesta matéria.
O pronunciamento, entretanto, não fez com que as vias fossem totalmente desobstruídas. Por esse motivo, o presidente fez um novo pronunciamento, na noite de quarta-feira, 02, desta vez dedicado a pedir que os manifestantes liberassem as vias. “Brasileiros que estão protestando por todo o Brasil. Eu sei que vocês estão chateados, estão tristes, esperavam outra coisa. Eu também estou tão chateado, estou tão triste quanto você, mas nós temos que ter a cabeça no lugar. Os protestos, as manifestações, são muito bem-vindas, fazem parte do jogo democrático, e ao longo dos anos muito disso foi feito pelo Brasil. Na Esplanada, em Copacabana, na Paulista, entre tantos e tantos outros lugares. Agora tem algo que não é legal. O fechamento de rodovias pelo Brasil prejudica o direito de ir e vir das pessoas. Está lá na nossa Constituição, e nós sempre estivemos dentro dessas quatro linhas. A gente tem que respeitar o direito de outras pessoas que estão se movimentando, além de prejuízos à nossa economia. Sei que a economia tem sua importância. Você talvez está dando mais importância para outras coisas agora, é legítimo. Mas eu quero fazer um apelo a você: desobstrua as rodovias. Isso aí não faz parte, no meu entender, dessas manifestações legítimas. Não vamos perder nós aqui essa nossa legitimidade. Outras manifestações, que estão fazendo pelo Brasil todo, em praças, faz parte, repito, do jogo democrático”.
Também na quarta-feira, manifestantes estiveram na frente do 5º Batalhão de Engenharia de Combate Blindado (5ºBECB). No ato, era possível ler algumas placas pedindo intervenção federal. A via foi bloqueada durante algumas horas para garantir a segurança dos manifestantes, pois ocuparam toda a frente do Batalhão que permaneceram no local e cantaram o hino nacional por diversas vezes. Ao final, um grupo foi até a BR-476. Até o encerramento desta edição, a rodovia estava liberada.
Justiça investigará atos
Na tarde de quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, chamou as manifestações de atos ilícitos e afirmou que as responsabilidades pelos protestos serão apuradas. “As eleições acabaram, o 2º turno acabou democraticamente no último domingo, o Tribunal Superior Eleitoral proclamou o vencedor. O vencedor será diplomado até 19 de dezembro e tomará posse dia 1º de janeiro de 2023. Isso é democracia, isso é alternância de poder, isso é estado republicano. Não há como se contestar, num resultado democraticamente divulgado, com movimentos ilícitos, com movimentos antidemocráticos, com movimentos criminosos que serão combatidos e os responsáveis apurados e responsabilizados sob a pena da lei. A democracia venceu novamente no Brasil e quero parabenizar o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, todos os juízes eleitorais, os membros do Ministério Público eleitoral e mais do que isso: parabenizar a sociedade, as eleitoras, os eleitores que, em sua maioria massacrante, são democratas, acreditam na democracia, acreditam no estado de direito, compareceram, votaram em seus candidatos e aceitaram democraticamente o resultado das eleições. Aqueles que criminosamente não estão aceitando, aqueles que criminosamente estão praticando atos antidemocráticos, serão tratados como criminosos e a sua responsabilidade, as responsabilidade serão apuradas”.
Equipes da Polícia Federal deram início a uma investigação para apurar quem são os líderes, os financiadores e os fomentadores das manifestações que bloquearam rodovias em todo o país. Um dos focos é a monitoração de redes sociais, como WhatsApp e Telegram. Questionada sobre a possível responsabilização de eleitos, como vereadores e deputados, nos atos considerados antidemocráticos por Alexandre de Moraes, a promotora de justiça, Juliana Mitsue Botomé informou que “se as manifestações não estivessem atreladas aos bloqueios de rodovias não haveria problema. De acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes na ADPF 519 em 01:11/22 as condutas podem ensejar a tipificação nos delitos da lei 14.197/2021. Veja que está se buscando solução consensual para que não haja necessidade de criminalização”. A lei em questão trata dos crimes contra o estado democrático de direito. Nela, destaque-se o Artigo 359-M, que trata da tentativa de, “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, com pena de reclusão de 4 a 12 anos.
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Juliana também relatou que, caso algum cidadão se sinta lesado de alguma forma com a participação de um político com cargo eletivo nas manifestações, pode realizar uma denúncia no Ministério Público Estadual ou Ministério Público Federal.
O Comércio apurou que, em União da Vitória, sete pessoas jurídicas entre empresas e indústrias e uma autoridade estão sendo investigadas e se tornaram réus em um processo de interdito proibitório, que prevê multa de R$ 10 mil, podendo gerar o registro de infração de menor potencial ofensivo, com pena de até 2 anos de reclusão.
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