ENTREVISTA: “A sociedade foi a grande vencedora”
O Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina, Fernando da Silva Comin, passou dias intensos até a última quarta-feira (21), quando a PEC 05/2021 não recebeu votos suficientes para ser aprovada na Câmara dos Deputados. A Proposta de Emenda à Constituição é uma ameaça à autonomia dos Ministérios Públicos por permitir ingerência política na composição do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e na Corregedoria Nacional do MP.
Comin foi um defensor ativo da instituição e trabalhou fortemente para mobilizar a sociedade a enfrentar o perigo que vinha de Brasília. As conversas com os parlamentares catarinenses foram diárias, assim como o esforço pelo engajamento de todos. Ao final do processo, com a rejeição da PEC, ele respirou aliviado.
Nesta entrevista exclusiva à coluna Pelo Estado, Comin destacou o envolvimento da opinião pública e da imprensa na defesa da autonomia dos MPs, mas deixou um recado: é preciso estar atento para evitar o retrocesso.
Confira:
O Brasil assistiu na última quarta-feira votação da PEC 05/2021, que coloca em risco a autonomia do Ministério Público. Por 11 votos a Proposta de Emenda à Constituição não foi aprovada. Qual a sua avaliação sobre todo este processo?
O resultado foi o melhor possível, essa PEC 05 poderia ter comprometido gravemente o funcionamento e a independência do Ministério Público diante da classe política. O texto que foi discutido ao longo dos últimos meses, inclusive na Comissão Especial que foi criada para essa finalidade, não foi o mesmo texto que foi apresentado pelo relator, o deputado Paulo Magalhães (PSD/BA), no Plenário da Câmara dos Deputados. Esse texto era muito pesado e praticamente desconsiderou tudo que foi tratado e discutido na Comissão Especial. Nós fomos surpreendidos com um texto completamente diferente daquele que foi discutido e o resultado foi o melhor possível, não só pela rejeição em si da PEC, que precisa de 308 votos para ser aprovada e foram 297. Mas o mais importante foi o engajamento da sociedade e da imprensa nessa pauta, o que fez com que todos os parlamentares, mesmo aqueles que votaram favoráveis à PEC, tenham contribuído ou para o aperfeiçoamento do texto ou para rejeição da PEC 05. Então, de uma maneira ou de outra todo mundo entendeu que esta PEC era completamente inoportuna. Enquanto o país está passando por crises e carece de discussões estruturantes em diversas áreas, porque dar prioridade a uma PEC que trata da mudança da composição do Conselho Nacional dos Ministérios Públicos? O Brasil ganhou muito com essa vitória e a sociedade também.
Qual era a grande ameaça?
Se nós permitirmos o controle político da Corregedoria Nacional e da composição do Conselho Nacional do Ministério Público, ferindo a simetria com o Conselho Nacional de Justiça, quem é que sairiam perdendo? O cidadão, que precisa que o promotor ingresse com uma ação para, por exemplo, conseguir um medicamento; que acompanha o trabalho de controle da administração pública que o MP realiza. Qual a segurança que um promotor teria de ajuizar uma ação contra um político influente da sua região, sabendo que é o presidente da Câmara e o presidente do Senado que iriam indicar o corregedor nacional. Não tem lógica.
O que foi decisivo para o resultado?
Mais uma vez, assim como foi no caso da PEC 37 (que dava poder exclusivo à polícia para realizar investigações criminais, retirando essa possibilidade do Ministério Público), a sociedade nos socorreu. Sem a força da opinião pública e sem a análise isenta, séria e correta da imprensa, da imprensa livre, dessa imprensa que orgulha o brasileiro, nós não teríamos conseguido esta vitória. E eu faço questão de destacar esse papel da imprensa. Esse foi o caso claro em que a imprensa foi fundamental. A imprensa logo percebeu que não se tratava de uma pauta corporativa. Viu que se enfraquecesse o Ministério Público, enfraqueceria todo o sistema de controle da sociedade. E isso fez com que se movimentasse as redes sociais, as esferas da sociedade civil de discussão. Mesmo o presidente da Câmara, um dos homens mais fortes do país, mesmo com a orientação de vários líderes partidários, muitos deputados permaneceram firmes pela rejeição. Essa é a maior comprovação de que este movimento deu certo.
“A PEC 05 era inoportuna, seria um retrocesso e sem a força da opinião pública e da imprensa séria não teríamos conseguido esta vitória”
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP/AL), pode colocar o texto original do deputado Paulo Teixeira (PT/SP) para a votação. O senhor não teme?
De fato, tecnicamente o texto original pode voltar à pauta e ser colocado em votação. Mas a análise política feita por deputados que eu conversei é de que nós devemos permanecer vigilantes, mas que a probabilidade de o texto original vir é muito pequena. Porque o texto original é pesado, denso, muito pior. O texto original é praticamente um tiro de morte no Ministério Público. Então, se o presidente Lira não conseguiu os 308 votos num substitutivo que havia incorporado alguns avanços, menos ainda vai conseguir com o texto original.
“O MP não é contrário à edição de um Código de Ética. As críticas são importantes para o aperfeiçoamento da instituição”
Qual a sua avaliação da atuação da bancada federal catarinense?
Eu só tenho a agradecer a atuação da bancada catarinense. Todos os deputados que eu conversei, e eu conversei com todos eles, ou contribuíram para o aperfeiçoamento do texto original, com avanços que já estavam consolidados no substitutivo, ou foram fundamentais pela rejeição da matéria. Neste processo não cabe a gente julgar a atitude de um ou outro parlamentar porque votou seguindo a orientação da sua bancada. O que posso testemunhar durante todos esses dias que eu passei em Brasília é que as portas de todos os deputados estavam abertas. Cada um, dentro de suas possibilidades, nos ajudou a construir o resultado. Eu quero deixar claro a importância da bancada catarinense, que num quadro comparativo com o restante do Brasil teve um desempenho sensacional pela rejeição da PEC 05 ou pelo aperfeiçoamento do texto substitutivo.
Os defensores da PEC criticaram o fato de o MP não ter seu Código de Ética. Como o senhor recebe essas críticas?
As críticas são importantes para a gente poder aperfeiçoar a instituição. Não existe nenhuma instituição que não possa ser aperfeiçoada. Agora, a depender da dose, da carga que se imprime nessa medida, se pode destruir essa instituição. Quero deixar claro, o Ministério Público não é contrário à edição de um Código de Ética. Mas cada lei orgânica de cada Ministério Público já tem o seu Código de Ética, já tem o seu regime disciplinar definido. Se nós pegarmos os resultados de todas as corregedorias de cada um dos MPs da Federação, mais o resultado da corregedoria nacional nós vamos perceber que o MP corta na própria carne. Com medidas rigorosas como a pena de demissão. Na semana passada o CNMP acabou chegando a esse resultado, é um processo disciplinar. Então, em primeiro lugar, é preciso deixar claro: 1) O Ministério Público tem que manter a simetria com o Conselho Nacional de Justiça. 2) Somos favoráveis à edição de um Código de Ética. Mas defendemos, assim como ocorre com qualquer outra instituição, que o corregedor do Ministério Público seja eleito pelo conjunto dos conselheiros do CNMP. Não admitimos a interferência política e a interferência política justamente dessa ferramenta, desse instrumento de controle e fiscalização da atuação dos promotores. Nós não queremos privilégios, recebemos todas essas críticas que foram feitas. Há excessos, sim, há excessos e nós vamos continuar punindo esses excessos. O que não podemos é, a pretexto de aperfeiçoar o MP, ter retrocessos que nos colocariam numa situação extremamente frágil e vulnerável no processo de convívio democrático com as demais instituições.
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