Escreve o Leitor: Amigo caro
Quantos pode alguém se dar ao luxo de chamar de amigo na duração de uma vida? Fiz alguns ainda muito jovem, em minha primeira infância, dos quais pouco ou nada recordo. Amigos ou colegas de folguedos? Acredito que raramente tenras amizades perdurem, sobrevivendo às nem sempre sutis mudanças que sofremos ao longo da fase de crescimento. Nossas necessidades se alteram à medida que a vida se desenrola, à medida que nosso caráter vai tomando forma definitiva e amizades têm papel fundamental nessa formação. Cresce-se em diferentes direções em diferentes eras, influenciado sobretudo pela permeabilidade e permissividade do tecido social em cada um desses momentos, onde o apreço familiar pode representar maior ou menor papel, ainda que fundamental. Certamente a linha-mestre desse tecido é a Família, embora alguns dos capítulos mais negros da história humana tenham sido escritos por pessoas perfeitamente inseridas ao nascerem. Outros poucos, cujas passagens por esse mundo são hoje reverenciadas como sinônimos de admiráveis marcas e feitos, têm seus protagonistas de origem quase totalmente desconhecida.
Na ausência da família, poucos conseguiriam deixar traços relevantes de passagem, não fosse pelos amigos. Já foi dito que a real riqueza de um homem pode ser medida pelo número de seus amigos, um conceito interessante, visto que a Amizade é um mecanismo humano que está ao alcance de qualquer pessoa, independendo de sua raça, cor, sexo, bens materiais, classe social ou beleza. Então, continuando nessa linha de raciocínio, a real riqueza está ao alcance de todos. Mais que isso, é riqueza que se adquire até de forma inesperada, involuntária, uma vez que é compulsiva no ser humano, de sua natureza, da sua necessidade de reunir-se a seus semelhantes, pois é dessa maneira, espelhados uns nos outros, que somos capazes de reconhecer nossa humanidade e compreender mais facilmente nossa ascendência divina.
É na amizade que a parte humana em nós se consola quando em aflição, chora sua miserabilidade, sua impotência face aos infortúnios. Também é na amizade que a parcela divina se revela, quando reunidos para emprestar conforto e alívio, para dividir alegrias, para celebrar a vida, para um momento de oração, de comunhão com o Universo. Curiosamente, é difícil dizer quando alguém se sente mais divino ou mais humano, se consolando ou sendo consolado. Difícil até o ponto de fazer com que essas duas expressões tenham quase o mesmo sentido. Celebrando uma nova vida? Estendendo a mão? Sorrindo? Dirigindo um mero olhar?
A amizade realmente importante não precisa surgir de concordância cega. Obviamente, o caminho mais curto para encontrá-la seria o momento de grande adversidade comum, como num evento climático catastrófico; também pode ter origem mais simples, como um carro enguiçado à beira da estrada, ou mesmo uma briga. Acredite. Alguém que concorde com tudo não é propriamente um amigo. É uma outra coisa, sem muita graça ou importância. Amizade pressupõe discussões, onde quase tudo é permitido, qualquer assunto. O diferencial é o respeito, o ambiente em que as coisas são discutidas, onde os envolvidos têm a liberdade de não precisarem escolher muito as palavras, pelo fato de se conhecerem como irmãos por escolha, por opção. Um bom amigo é um espelho da alma, onde se pode ver refletidas desde as maiores maravilhas até aos piores pesadelos. Com a vantagem de ser um espelho que fala de volta, retruca, que elogia, xinga e aconselha. Melhor ainda, que sabe quando falar e quando calar.
A Amizade tem poderes, grandes poderes. Apesar de gratuita, no entanto, dificilmente pode ser outorgada ou transferida e mais dificilmente ainda pode alguém se livrar de tal sentimento. É tão necessário que se faz pegajoso, custa tão pouco que nos torna descuidados, quase negligentes. Falando por mim, cuido muito mal da minha riqueza verdadeira: meus AMIGOS. Assim mesmo, com letras maiúsculas.
Voltar para matérias