Espaço Cultural: Nossos Guardados
As vezes me pergunto por que escrevemos sobre pessoas, suas vidas, e não sobre nós mesmas. Coisas que vivemos, vivenciamos e não dividimos. Timidez? Humildade? Presunção? Egoísmo? Modéstia? Talvez um pouco de tudo que não nos compete explicação.
Na semana que antecede o Carnaval lembro-me de citar algumas fantasias, que desde cedo pude apreciar, em pessoas sambando pelos salões de nossas sociedades ou sobre carros, nos improvisados desfiles alegóricos. Eram fantasias, como o nome sugere, de roupas imaginárias, naqueles que se transformavam, ao menos por três dias do ano, em personagens escolhidos: bailarinas, índios, ciganas, piratas, havaianas, reis, baianas, de acordo com os recursos financeiros de cada um, mais enriquecidas na confecção.
Aqui detenho-me para falar um pouco de um assunto que, certamente hoje, adolescentes desconhecem, os já maduros o considerem arcaico e talvez alguns concordem casos guardados para si.
De minha parte sempre admirei as fantasias de Colombina, Pierrot e Arlequim.Talvez porque o trio personificasse uma história. História de amor, sempre preferida na adolescência, nascida no teatro de Veneza, lá no século XVI. Uma sátira às famílias abastadas da Itália na época, numa das quais os três personagens eram empregados. Figuras exaltadas, aqui no Brasil, nas melodias antigas carnavalescas “Pierrot Apaixonado” de Heitor dos Prazeres e Noel Rosa e “Máscara Negra” de Zeketi, sucessos que fazem até hoje quando tratamos relíquias dos Carnavais.
Pierrot, com sua vestimenta branca adornada por grandes pompons pretos, rosto pintado, era um poeta cantador e violeiro. Amava Colombina e para ela cantava. Figuras que usavam meia máscara inspiraram muitos artistas a retratá-los, indispensáveis para ilustrarem promoções carnavalescas. Aqui mesmo, nosso artista plástico Ulisses Teixeira convidado para, com seu trabalho, enriquecer o Carnaval do Centenário de União da Vitória, não esqueceu desses personagens.
Arlequim, um esperto e atrevido bom-vivant, com sua roupa de losangos coloridos, conquistou o amor de Colombina. Levando vantagem sobre a timidez de Pierrot declarou o seu amor a donzela e conquistou seu coração.
Colombina, jovem meiga e inteligente, com sua fantasia esvoaçante de bailarina e modelo semelhante ao de Pierrot, era na vida deste o grande amor. Uma história que tantas vezes se repete: Pierrot amava Colombina mas Colombina amava Arlequim.
Voltemos o relógio no tempo para tentar compreender, porque uma história e tais personagens permanecem vivos na vida até a velhice.
No coração da criança e do adolescente, de alguma forma, são figuras marcantes mas certamente, é a de Pierrot a mais lembrada.
Na criança, o Pierrot talvez pelo fato da pintura no rosto se assemelhar àquela dos palhaços de circo. E qual personagem assim pintado que mais chama a atenção dos pequeninos?
Para o adolescente, o Pierrot, por representar o amor puro, o sofrimento de amar e não ser correspondido, a desilusão de ver seu amor partir…
Já na idade madura 1983, é o boneco de adorno, fantasiado tal Pierrot já conhecido, que chega em forma de presente. Devolve o romantismo de um grande amor, inspira revive-lo numa poesia e num quadro, provocando a indagação de quem nasceu primeiro: o poema ou o quadro?
Velho Tema.
Existe história mais bela
De amor e de nostalgia?
Um pintor a pôs na tela,
Um cantor na melodia.
De Pierrot a gravura
Não retirou a tristeza.
A lágrima transparente trilha
E na face empoada brilha.
Um Arlequim elegante
Brincalhão entusiasmado
Um Pierrot reclamante
Pelo amor abandonado.
Arlequim se foi com ela,
Colombina tão brejeira e cativante
Numa saia esvoaçante
De musselina amarela.
Ao som molengo de um samba
Sob um luar que descamba
Naquela noite sumia.
Mas um pincel com sutileza
As figuras remontou
E por muito tempo, dos madrigais
Serão tema com certeza.
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