Família gostaria de conhecer pessoa que recebeu coração do Nino
“Queríamos abraçá-lo”
Hospital São Braz de Porto União realizou procedimento histórico, a primeira captação de coração
A família de Luis Roberto Barbusa, mais conhecido por Nino, aceitou prontamente que seus órgãos fossem doados. A decisão foi histórica para o Hospital São Braz, de Porto União, que pode realizar a primeira captação de coração na cidade. Também foram captados córneas, rim direito e esquerdo, pulmão e pâncreas do morador da Colônia Aquiles Stenguel, interior do Município. O coração foi enviado para Curitiba (PR) e os demais órgãos encaminhados para Florianópolis e Navegantes (SC).
Suzamar (Suzi), irmã de Luis Roberto, que há 15 anos divide idas e vindas de São Paulo à Porto União para visitar os familiares, compartilha que a morte do irmão foi um choque, tanto para a família quanto para a comunidade, pois ele era muito conhecido no interior do Planalto Norte Catarinense e Sul do Paraná.
Segundo ela, muitos nem sabiam o nome do seu irmão, pois desde a infância ele havia recebido o apelido de Nino e o carinho da comunidade por onde passava. Aos 32 anos, Nino deixou um legado.
“Nino era uma pessoa muito generosa e prestativa à sua comunidade, tanto no interior como na área urbana. Meu irmão conhecia muita gente. Ninguém consegue entender essa morte tão repentina; uma fatalidade que tirou a vida dele”.
No dia 02 de agosto, por volta das 11h30, Nino prestava um serviço na propriedade de um tio, próximo da Colônia Aquiles Stenguel. Ele estava cortando eucaliptos quando um galho de uma outra árvore o atingiu.
“Ele fazia esse tipo de serviço há anos. Ele era muito cuidadoso quanto a isso, pois sempre que iria derrubar alguma madeira olhava para ver se não tinha nada enroscado”, diz Silvia Barbusa, companheira de Nino e mãe de seus dois filhos.
Quando soube do ocorrido, Silvia ficou na estrada sinalizando para ajudar o Corpo de Bombeiros de Porto União a encontrar o local do acidente. Os Bombeiros fizeram o primeiro atendimento e encaminharam Nino até o Hospital São Braz.
“Foi aí que meu mundo desabou. Fiquei sem chão e sem rumo, pois ele era tudo na minha vida. Era meu alicerce”, desabafa Silvia.
A família foi informada às 16 horas daquela segunda-feira sobre o diagnóstico de morte encefálica de Nino.
“Nunca havíamos conversado na família sobre doação de órgãos ou transplantes. Mas quando a equipe do hospital nos perguntou se existia a possibilidade de optarmos pela doação dos órgãos do Nino, não pensamos duas vezes e optamos por salvar outras vidas. Meu irmão ajudava a todos e certamente iria querer isso. Enquanto muitos de nós ainda choram pela fatalidade, outras famílias terão a oportunidade de serem felizes novamente”, comenta Suzi.
Herói
Familiares enaltecem que Nino é um herói, por tudo que fez em vida e por tudo o que fará para que outras pessoas possam viver. A mãe dele, dona Urzane Barbusa, não esquece as palavras do médico que atendeu Nino na UTI.
“O doutor Ricardo Bassan chegou e disse: mãe, lembre-se sempre da alegria de quem vai receber os órgãos do seu filho. Foram palavras de conforto para todos nós”.
Nino morava próximo dos pais, os visitava com frequência e os atendia sempre que necessitavam.
Suzi acrescenta que, depois do ocorrido com Nino, sua família passou a repensar a doação de órgãos e falar mais sobre o assunto.
“Gostaríamos que as pessoas pensassem com carinho sobre a importância da doação. Meu irmão era muito presente na comunidade trabalhando nas roças, plantando, colhendo, na silagem e ajudando a tirar lenha. Tudo o que a comunidade precisasse ele estava lá, para ajudar”.
Coração de Nino bate em outro peito
A família gostaria de conhecer a pessoa que recebeu o coração do Nino.
“Queríamos abraçá-lo. Esperamos que um dia isso seja possível, apesar de ser um procedimento sigiloso. Queríamos sentir o coração dele batendo”, revela a irmã em nome dos demais.
Primeira captação de coração
“Vontade de salvar daqueles que doam garante o desejo de viver daqueles que recebem”.
A frase foi compartilhada pela Diretora Técnica do Hospital São Braz, a médica Amanda Nhoatto. Conta ela que, após a autorização da família do Nino, o hospital fez os procedimentos necessários e, no dia 05 de agosto, às 15 horas, deram início a cirurgia.
Lembra ainda que três dias após a primeira captação de coração, a equipe do Hospital São Braz realizou mais um procedimento de captação de órgãos, que ocorreu no domingo, 08. A cirurgia foi feita pela manhã com a captação de fígado, rins e globo ocular. Em nota, o hospital lembrou que a doação de órgãos é um ato de consciência e amor ao próximo.
De acordo com a Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), mais de 30% das pessoas que esperam por um transplante de coração, por exemplo, morrem na fila de espera. O transplante de órgãos pode ser feito por doadores vivos ou mortos e, atualmente, mais de 80% dos transplantes são realizados com sucesso.
De acordo com a doutora Amanda, a doação de órgãos pode ocorrer de duas formas: por intermédio de um doador vivo ou de um doador morto. Um doador vivo pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação e desde que essa não prejudique a sua saúde. Nesse caso, é possível doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão.
No caso de um doador morto, o procedimento de doação só é realizado após a constatação da morte encefálica, ou seja, quando se pode atestar que o paciente não mais apresenta funções cerebrais. Para que se possa chegar à conclusão de morte encefálica, o paciente passa por dois exames clínicos, com intervalo de uma hora entre um e outro, e realizados por médicos diferentes. Após a constatação da morte encefálica, o doador falecido pode doar rins, coração, pulmão, pâncreas além de fígado e intestino.
Também é possível doar tecidos: córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias. Os órgãos são mantidos funcionando artificialmente até que ocorra a doação. Posteriormente, a Central de Transplantes inicia os testes de compatibilidade entre o doador e os potenciais receptores, que aguardam em lista de espera.
“É um ato de amor ao próximo que pode beneficiar muitas pessoas”, afirma.
Outra parte essencial para que o processo de doação de órgãos se inicie é a conversa com a família. São os parentes do paciente que devem autorizar ou não a doação de órgãos ou tecidos. O procedimento dispõe de um protocolo brasileiro.
Se a família autoriza a doação é dada a largada para um processo que necessita da agilidade dos profissionais. Fora do corpo, os órgãos têm um prazo de validade e cada segundo é importante para que o órgão ou tecido chegue ao receptor.
“Preparo é muito grande e nada pode dar errado”
Anilton T. Bendlin Júnior também foi uma peça importante neste momento histórico para Porto União.
Ele é operador de Abastecimento Aeronáutico no Aeroporto José Cleto de União da Vitória e prestou auxílio nessas operações, por meio de informações climáticas e condições do Aeroporto. Anilton explicou que referente ao transporte do coração, a equipe formada por médicos veio com a Aeronave da Força Aérea que decolou da Base Aérea de Santa Cruz do Rio de Janeiro, trazendo os médicos responsáveis pela captação de Curitiba, no Paraná, e após seguiu para o Aeroporto de União da Vitória, onde um veículo do Hospital São Braz já aguardava os especialistas para o deslocamento ao hospital para iniciar o processo de captação.
“O preparo é muito grande e nada pode dar errado. O avião antes de decolar para a missão necessita de informações das condições climáticas, condições de pista, informações do aeroporto, entre outros detalhes, e é nessa parte que a gente entra em atuação”.
De acordo com Anilton, a equipe da Força Aérea e os médicos são muito ágeis, em especial, no transporte de um coração, que é sensível, muito frágil, e tem um tempo muito curto para ser transportado e transplantado.
“É emocionante saber que ali tem um coração, pois é um órgão responsável pela vida de uma pessoa e que sem ele não somos nada. É emocionante saber que a família teve a consciência de que doar o órgão trará vida e esperança à uma outra pessoa”.
Conta ainda que a aeronave que transportou o coração foi o modelo C-95CM Bandeirantes da Força Aérea Brasileira. O transporte do coração foi feito pela equipe do 3° ETA (Esquadrão de Transporte Aéreo) da FAB.
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