O que você estava fazendo em 11 de setembro de 2001?

Para mim, essa resposta é fácil, e consigo recordar com detalhes, pois as páginas do Jornal O Comércio do dia 05 de outubro de 2001 se tornaram o registro da minha história nesse dia. Ao reler o texto que escrevi há 20 anos, entendo agora que fui personagem de uma história que marcou o mundo. Me tornei uma narradora dessa história. A narração dos fatos veio sob a minha ótica, o meu contexto, a minha visão de mundo naquele momento. Também é uma narração de acordo com a minha experiência em solo americano. Confesso que, revendo as imagens de 11 de Setembro, em Nova York, mesmo depois de tanto tempo, ainda me parece uma bem produzida cena de um filme hollywoodiano. Um avião destrói duas torres de um prédio comercial e outro destrói um pedaço do Pentágono. Naquele momento, insegurança, medo e questionamentos sobre tudo. Mas agora eu sei que ali o que se chocou realmente foram dois mundos antagônicos, foram os poderes que bateram de frente, soberanos à vida humana.

Ana Cristina com recordações de sua passagem pelos EUA

Em uma análise rápida, o atentado deu evidência, talvez pela primeira vez, à vulnerabilidade dos EUA em seu próprio território. E a resposta foi mais violência, mais guerra, mais ofensivas a fim de capturar o líder da Al-Qaeda. O atentado foi sim o estopim, mas se sabe que não começou ali. Havia uma guerra velada em que nunca ninguém poderá retratar com certeza como acontecia. Mas não, esse conflito entre povos, ideias, ideologias e poder, não acabou, nem lá, nem aqui e em nenhum lugar. Desde o momento que as aeronaves colidiram contra o símbolo da economia americana (World Trade Center, em Nova York) e o símbolo do poder militar (o Pentágono, em Washington), até hoje, muitas foram as teorias sobre o fato e também muitas foram as consequências dele. 

Os efeitos do 11 de Setembro são duradouros, especialmente nas políticas internacionais norte-americanas. Poderíamos fazer várias outras análises, desde as versões expostas pela mídia, as teorias da conspiração, a ligação da família Buch com a Al-Qaeda, a versão estadunidense sobre o que estava acontecendo, as muitas perguntas sem repostas, a dúvida em relação ao que antecedeu ao ataque, como eles criaram um plano tão ‘perfeito’ sem levantar suspeitas e o que ele gerou efetivamente. Mas as análises podem ser feitas em tempo real. Nesse último mês, vimos novamente a batalha desses dois mundos, trazendo à tona várias discussões e memórias do que já foi feito. Vimos mais guerra, mais terrorismo, mais injustiça, mais medo e mais desrespeito à dignidade humana. De qual lado me refiro? Dos dois. Nenhum está isento, e nem estão isentos os outros países que são, ou coniventes, ou incentivadores ou, ainda, indiferentes. É sim, um pesadelo ainda presente.

E mais uma vez, como tem acontecido nos últimos anos, tudo se resume a uma disputa de poder, de uma política onde não se olha a vida humana e sim a vida de quem comanda, de quem tem poder e gosta dele. Existem, com certeza, causas mais intensas que se perpetuam e continuam a alimentar o terrorismo. E é importante fazer uma ressalva: guerras ocupam o espaço territorial e matam o corpo físico. Terrorismo ocupa as mentes, distorce a realidade, influencia as pessoas fazendo-as agir de acordo com que fazem ela acreditar. Mas o pior: insere medo nas pessoas. E esse terrorismo está presente, mais presente do que imaginamos.

Hoje, o 11 de Setembro é mais uma data. Uma data histórica, cheia de informações e lembranças, que basicamente o que passa em nossa memória são cenas de um filme. Mas quais outras datas são importantes para nós nos últimos anos? Que referências nós temos sobre outros momentos que certamente influenciam em nosso dia-a-dia, inclusive vivendo o terrorismo (disfarçado com outros nomes)? É importante ter esse entendimento, porque o aprendizado vem da observância da história e, quando possível, do aprendizado dos seus efeitos. É importante ressaltar que nada justifica os ataques, mas sim é preciso compreender os porquês. Mas, mais do que analisar somente o passado, que sejamos críticos do momento atual, dos discursos que permeiam a nossa realidade, tão ou mais agressivos que muitas guerras. Será que o que acontece hoje não pode ser respostas do que já foi? E olhando um pouco pra nós, aqui no Brasil, será que olhando o passado não podemos evitar no presente os mesmos erros?

Me atenho em pensar no que aconteceu nesses 20 anos e o que mudou ou não. A Ana de hoje tem muito mais experiência e maturidade. Já consigo enxergar de outra forma os fatos, mesmo ainda sendo difícil obter algumas respostas. Em especial, olho a minha caminhada, a minha vida e minhas experiências, afinal apenas em nossa própria vida podemos ser protagonistas. A minha história nos EUA se une a várias outras histórias que somadas ecoam uma realidade que não acabou no 11 de Setembro. Se intensificou nesse dia e deu início a uma nova forma do mundo ver uma realidade. O que me preocupa é que, de tanto ser falado, alguns assuntos entram no nosso cotidiano sem mais nos abalar, tornando-se banais, de tanto que acontecem. Há tanto sobre crimes, mortes, golpes, roubos, miséria, pobreza, que começamos a não perceber mais, a não nos importarmos mais e nem ver que isso pode estar ao nosso lado. Preferimos colocar uma venda sob os olhos, onde até damos uma espiadinha de vez em quando, mas na maioria do tempo nos acomodamos a não olhar. Parece que ‘o que os olhos não veem, o coração não sente’. Mas, infelizmente, tem muita gente sentindo. Que as mazelas do mundo, repetidas de forma contínua, não façam a gente perder a sensibilidade, a empatia, a humanidade. Não façam a gente perder a esperança. Infelizmente, vamos aos poucos perdendo a compaixão, e quando isso acontece nos encolhemos em um mundinho só nosso, onde criamos a ilusão que essas coisas não acontecem. Afinal, é mais fácil pensar que está lá, tão longe. Mas será que não se replica aqui do nosso lado fatos tão ruins quanto o atentado? E ainda, passando por uma pandemia, onde globalmente fomos atingidos, perdemos milhares de vidas, vimos tanto despreparo de nossas lideranças, onde percebemos a nossa vulnerabilidade como seres humanos. Em uma alusão ao atentado, mesmo que figurativamente, não podemos deixar de refletir que muitas ações destroem todo dia o equivalente a vários World Trade Centers.

 

Do início ao futuro

Assim como no início do meu texto, faço uma nova pergunta: o que você está fazendo em 11 de setembro de 2021 para deixar o mundo melhor? 

O convite para a reflexão vai além da memória trágica, da lembrança de tantas vidas perdidas. É um momento de analisar o que a política do medo e a distorção dos fatos faz com nossa identidade. O terrorismo, a política, o poder e o medo andam de mãos dadas.

Mais que lembrar desses momentos que narrei, admiro com muito mais amor as páginas do Jornal O Comércio, que possibilitaram esse registro e tornaram a minha narrativa em história. Afinal, esse é o grande legado do jornal impresso: registro histórico, a narração da vida, a perpetuação dos fatos, a identidade de um povo. O jornal é um documento de valor histórico para a sociedade.

O ser humano é o personagem principal de tantas histórias, e o jornal impresso é, talvez, o único veículo capaz de documentar essa história e nos fazer olhar para o futuro com novas perspectivas. E então, o que faremos nos próximos 20 anos para que tenhamos orgulho de registrar nas páginas desse jornal e marcar a humanidade com o que construímos?

Página do O Comércio de 05 de outubro de 2011

 

Nota importante

É necessário uma nota de agradecimento ao Jornal O Comércio e a todos do Grupo Verde Vale de Comunicação. Primeiro, por me permitir escrever em primeira pessoa mais uma vez, relembrando e registrando o 11 de Setembro. Apesar de não gostar desse capítulo da história de minha passagem nos Estados Unidos, os outros capítulos que vivi por lá são incríveis, desde amizades inesquecíveis, de aprendizados, até de ver meus sonhos de recém-formada tomarem forma, atuando fora do Brasil e vivendo a experiência de estar em outro país. Após 20 anos, me orgulho da minha trajetória e tenho certeza que trago em cada passo que dou, os reflexos das minhas experiências. Profissionalmente, já transitei feliz e realizada como professora nos cursos de comunicação, principalmente ensinando a desafiadora arte do Jornalismo, nas assessorias de comunicação de várias empresas e pessoas da região, na produção de tantos eventos, na criação da Girafa Comunicação, na atuação em coberturas jornalísticas em rádio e TV, e já estive na equipe do Jornal O Comércio por um tempo. Tempo de muito aprendizado. Agora coloco em prática todos os meus conhecimentos em gestão e em comunicação em uma rádio no Rio Grande do Sul (rádio que também tem laços estreitos com o Grupo Verde Vale). Constitui a minha família, protagonizo todos os dias a felicidade de ser mãe e esposa, e trago no meu coração muitas amizades e o amor incondicional da minha família, que é e sempre será o meu alicerce e a minha principal referência. Tenho hoje outra visão de mundo, graças ao somatório de tantas experiências, com acúmulo de conhecimentos, com a convivência com pessoas incríveis, com uma família linda e amorosa, podendo fazer o que realmente gosto profissionalmente: contar histórias e registrá-las. Porém, sempre disposta a receber com gratidão ao que Deus ainda reserva para mim, para que daqui 20 anos eu também possa ser parte de outras histórias.

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