Steinhaeger: a bebida que ajudou a colocar Porto União no mapa
Um destilado produzido a partir da infusão de álcool, zimbro e especiarias. Essa é a forma mais simples de descrever o Steinhaeger. Em Porto União, contudo, a descrição exige mais detalhes, pois, por aqui, ela não é apenas uma bebida. Ela é um componente intrínseco da comunidade.
Datada do século XV, o Steinhaeger leva esse nome por ter sido criado na pequena cidade de Steinhagen, na Alemanha. Cerca de 400 anos após sua invenção, desembarcou oficialmente em Porto União por intermédio de um engenheiro alemão que tentava se reerguer economicamente após um longo período de guerra.
Wenzel Rulf rodou o Brasil em busca de lugares para trabalhar. Em São Paulo, viu o nascimento de seu filho e futuro parceiro comercial, Gunther Wolfram Rulf. Mas foi na pequena cidade catarinense que o engenheiro se apaixonou pelo local e por uma mulher, que viria a ser sua nova companheira, após o falecimento de sua primeira esposa.
Dando continuidade às origens de sua família, que já trabalhava com bebidas alcoólicas, Wenzel optou por abrir uma destilaria em Porto União. A construção iniciou em 1958 e, em 1960, a Doble W lançou seus primeiros produtos: bitter, aquavit, rum e genebra. Dois anos depois veio o Steinhaeger, destilado que até hoje é seu carro-chefe.
“A Doble W se tornou uma das pioneiras na fabricação de Steinhaeger no Brasil. O Wenzel, por ser um alemão nato, trouxe para o Brasil essas receitas, esses detalhes de como fazer. (…) Ele acreditou no Steinhaeger e pelo jeito o tiro foi certeiro”, relata o bisneto de Wenzel, Fábio Rulf, que atualmente administra a destilaria ao lado de seu pai, Ditmar Wolfram Rulf.
O diferencial do Steinhaeger
Bebida da família da Genebra, o Steinhaeger pode ser considerado um irmão do gin. A diferença principal é a graduação alcoólica: enquanto o segundo precisa de um teor alcoólico superior a 40º, o Steinhaeger pode ficar abaixo dessa marca. O produto fabricado pela Doble W, por exemplo, possui graduação de 38º.
Outro diferencial, segundo Fábio, é a própria origem da bebida. A região de Steinhagen é rica em zimbro, uma baga de cor escura, que se assemelha em aparência ao mirtilo, e que é o componente principal da Genebra, do Gin e do Steinhaeger.
A receita de Steinhaeger varia de fabricante para fabricante por conta das especiarias utilizadas para compor a infusão do destilado. No caso da Doble W, a bebida leva coentro, raiz de angélica, cominho e casca de limão-cravo, esse último, um produto encontrado em abundância na região.
O limão-cravo, aliás, é um destaque na fórmula desenvolvida por Wenzel. O problema é que essa fruta só pode ser encontrada nos meses mais frios. Para poder dar continuidade à produção, o engenheiro precisou inovar. “Ele mesmo criou uma estufa para desidratar e armazenar esse limão, que é sazonal, tem só agora na época de junho, julho”, comenta Fábio. Desde aquela época até hoje, o limão-cravo é descascado manualmente, desidratado e armazenado durante um ou dois anos, dependendo da safra.
Tanta dedicação na produção da bebida trouxe, em 2001, um título importante para a empresa: o certificado Beverage Testing Institute, de Chicago, dando ao Steinhaeger Doble W uma nota 89 em uma escala de zero a 100, o que indica que o destilado é um produto altamente recomendado.
Unindo o artesanal e o industrial
Caminhando pela fábrica, logo na entrada é possível sentir o aroma da bebida. Fábio nos mostra os galões em que são produzidas as infusões. São quatro recipientes contendo a mistura que dentro de alguns dias irá para a destilação, que renderá cerca de 2,5 mil litros de Steinhaeger. A fabricação é feita de acordo com a demanda. Mensalmente, a empresa produz entre 30 a 35 mil litros da bebida, tendo capacidade para ampliar a produção. “A gente sabe que bebida alcoólica é cíclica, é sazonal. Um mês vai melhor, às vezes não vende tanto. A parte da quaresma o pessoal ainda respeita muito, então tem uma queda. As melhores épocas são no final de ano e verão em que o pessoal consome mais”, explica Fábio.
Assim como no início, a fabricação ainda envolve um processo artesanal. Os enormes destiladores são aquecidos a lenha, proveniente, em sua maior parte, do refugo de reflorestamento. A empresa também opta por utilizar filtros que impedem que a fumaça contamine o ar. As garrafas escuras, que são uma marca da empresa, são pintadas manualmente. Mas, de acordo com Fábio, para conseguir atender o mercado, a empresa precisou se equipar e modernizar determinados processos.
“Antes as destilações eram em uma proporção menor e hoje elas aumentaram de tamanho. O processo de destilação é o mesmo, porém o volume é maior. A parte de envase nós tivemos que automatizar, até porque a tecnologia vem”.
A tecnologia também foi empregada na parte comercial. Hoje a Doble W trabalha com plataformas de venda online para acessar diretamente tanto seus fornecedores quanto seus consumidores. “Essa parte tecnológica a gente tem que estar se adequando. E quando a gente acha que está se adequando a gente ainda está para trás. Então a gente tem que estar bem antenado”.
Porém, mesmo com a automatização de processos, a participação humana ainda é crucial para a empresa. Sua atividade principal é listada como fabricação de outras aguardentes e bebidas destiladas. Em Santa Catarina, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia, outras 71 destilarias se enquadram neste mesmo ramo. Juntas empregam, atualmente, 276 pessoas. A Doble W é responsável, sozinha, por pouco mais de 10% das contratações.
Um bem de Porto União
Como uma das empresas mais tradicionais de Porto União, a Doble W abraça seu papel entre os grandes produtores da cidade. Olhando para a destilaria, é possível entender como uma indústria, independentemente de seu porte, tem a capacidade de mudar sua região, mesmo que de forma indireta.
Em 2007 a Associação Empresarial de Porto União (Acipu) teve a ideia de fomentar o turismo e a economia local por meio de uma festa de proporção nacional. Devido a seu destaque regional, o Steinhaeger foi escolhido para dar nome ao evento, juntamente do xixo, outro produto característico da região. Foi assim que teve início a tradicional Festa Nacional do Steinhaeger e do Xixo, evento que consta no calendário oficial de Santa Catarina.
“A ideia foi promover o movimento econômico da nossa região para começar a trazer mais gente para a região ficar conhecida. Então a ideia foi essa, movimentar o comércio local. Tanto que sempre na época da Festa os hotéis aqui sempre enchem. E não se vende somente na Festa. As farmácias vendem, as outras lanchonetes vendem, as sorveterias vendem, os postos de gasolina vendem, por que vem gente de toda a região e acaba gastando em Porto União e União da Vitória”. Quem faz o relato é Aloísio Salvatti, presidente da Acipu na época do lançamento da Festa e coordenador geral de dez edições do evento.
E não demorou muito para que a festa trouxesse reconhecimento nacional para Porto União. Em 2010, após aprovação do Projeto de Lei nº 7.075-A, do deputado federal Décio Lima, o município foi reconhecido como Capital Nacional do Steinhaeger e do Xixo. A justificativa utilizada pelo deputado foi de que “uma das expressões dessa rica diversidade cultural [do Brasil] está na gastronomia, nas comidas e bebidas típicas de cada região deste Brasil de dimensões continentais. O presente projeto de lei, ao declarar o município de Porto União, no Estado de Santa Catarina, Capital Nacional do Steinhaeger e do Xixo contribui para evidenciar a diversidade cultural brasileira, ao tempo em que destaca a participação de outras regiões, até então desconhecidas da maioria da população brasileira, mas que também tiveram importância na configuração do ethos cultural de nosso País. No Brasil, a produção de Steinhaeger deve-se ao trabalho pioneiro do Sr. Wenzel Rulf e de seu filho Gunther Wolfram Rulf que montaram uma destilaria – a Doble W Ltda., em Porto União nos idos da década de 60 do século passado. Ainda hoje, a cidade de Porto União é reconhecida pela produção de Steinhaeger”.
Realizada em dezembro, a Festa do Steinhaeger e do Xixo movimenta, anualmente, mais de 80 mil pessoas, sendo uma das maiores festas de etnia alemã do país. O apelo do evento com o público é tanto que reservas em hotéis devem ser feitas com antecedência devido a grande procura. Hotéis rurais também passaram a ter alta na demanda, e alguns lançaram serviços de transporte para a Festa para que os clientes possam degustar as bebidas e comidas e depois retornem em segurança para suas acomodações.
O comércio local também passou a abraçar o evento, que faz com que a circulação de pessoas no centro comercial do município aumente significativamente, visto que a Festa é realizada nas ruas da área central de Porto União e da vizinha, União da Vitória. “A festa é muito representativa para nossa cidade. Ela atrai muita gente de fora. O pessoal aqui ama ir na festa porque é uma festa muito familiar”, comenta a atual rainha da Festa do Steinhaeger e do Xixo, Karoline Weber.
“O que fez a Festa do Steinhaeger e do Xixo ser uma coisa tão local é o fato do Steinhaeger Doble W de Porto União ser um dos pioneiros e ser tão elogiado, tão aceito pelos seus clientes, pelo consumidor final. Então isso trouxe um título da capital do Steinhaeger”, completa Fábio.
Um diferencial para pequenos produtores
O Steinhaeger Doble W, hoje em dia, também serve como matéria-prima para a fabricação de inúmeros produtos, desde os mais artesanais, como bombons vendidos em padarias locais, chegando até em criações presentes no portfólio de grandes franquias.
O milk-shake de Steinhaeger é um exemplo. Desenvolvido pela filial de Porto União do restaurante de fast food Bob’s, o produto ajuda o empreendimento a se destacar das demais unidades presentes no país. A sobremesa foi lançada em uma edição da Festa do Steinhaeger e do Xixo, e hoje está presente no cardápio do estabelecimento. “A gente fez um produto regional, e por mais que a gente seja uma franquia nacional, a gente conseguiu adaptar os insumos que a gente tinha em loja para uma coisa regional e incrementamos o Steinhaeger no milkshake que a gente já tinha. Foi um sucesso. Estamos vendendo ele até hoje em loja. Lembrando que é um produto exclusivo da nossa loja de Porto União. De todos os Bob’s do Brasil, o único que tem um milk shake de Steinhaeger é a nossa loja de Porto União”, relata o proprietário da unidade, Daniel Barbosa Magalhães.
Outro produtor da região que utiliza o Steinhaeger em suas criações é o empresário William Malucelli. Proprietário da Ciocco Sorvetes, o empreendedor optou, durante a pandemia de Covid-19, por desenvolver uma linha de produtos com sabores regionais para impulsionar suas vendas. Um dos escolhidos foi o destilado produzido pela Doble W.
Com 3% de teor alcoólico, o sorvete é vendido em supermercados com embalagem que informa a classificação indicativa. Já na sede da sorveteria, onde clientes podem consumir os produtos, o sorvete de Steinhaeger não é comercializado para crianças.
William explica que o sorvete foi pensado para remeter ao sabor de uma caipirinha de Steinhaeger, drink muito consumido na região. Logo o produto se tornou uma paixão local. Para o empresário, muito do sucesso do sabor do sorvete se deve em razão do reconhecimento do Steinhaeger. “Onde você vai e fala do Steinhaeger as pessoas falam ‘ah, é de Porto União”, tem um produto lá assim. Eu próprio já tenho experiência de que onde você vai o pessoal conhece. O Steinhaeger tem toda a nossa característica, toda a nossa cara”.
Fábio acredita que o Steinhaeger Doble W se tornou um influenciador na economia local, e vê com carinho as parcerias feitas com empresas da região. “Eu acho que é recíproco. A gente tem um carinho pela cidade, pelo povo daqui, e essas parcerias são muito legais”.
Porto União: um pedacinho da Alemanha em Santa Catarina
A cidade alemã de Steinhagen possui um selo de Indicação Geográfica (IG) referente ao Steinhaeger. Isso quer dizer que, no país, somente os destilados produzidos naquela cidade podem levar o nome. Após o Tratado de Livre Comércio firmado entre a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), em 2019, empresas brasileiras que produzem determinados produtos com IG precisaram realizar um cadastramento no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e na Secretaria de Comércio e Relações Internacionais para poder continuar utilizando o nome. O steinhaeger constava na lista.
Agora, devido ao acordo, e após um longo processo de apresentação de documentações, apenas a Doble W e mais quatro destilarias possuem esse direito. Sendo assim, podemos dizer que Porto União se tornou um pedacinho da Alemanha em pleno solo catarinense.
Expandindo o mercado
A maioria das vendas do Steinhaeger Doble W se concentra na região sul, principalmente nos estados de Santa Catarina e no Paraná. A ideia da empresa, contudo, é expandir seu alcance, comercializando o produto fisicamente em outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Distrito Federal.
Luiz Alberto Rocha é um fã de Steinhaeger. Atualmente morando em Itapema, nunca deixa de levar um litro da bebida para casa quando passa por Porto União. Quando morava na cidade, costumava comprar garrafões de 5 litros do destilado. “Desde que conheci o Steinhaeger nunca mais tomei cachaça”, confessa. “Quem conhece a bebida não troca essa por outra marca. É uma marca conhecida e boa. [A empresa] tem uma história na região. Construiram do nada. Fizeram a fabriqueta deles, modernizaram e hoje estão assim referência na produção dessas bebidas”.
As vendas do Steinhaeger Doble W também já atingiram outros países. A empresa não comercializa diretamente, mas distribuidores acabam enviando a bebida para o exterior devido a procura. “Eu já vi [à venda] em vários lugares e até em umas situações bem legais. Uma vez um atleta da NBA falou durante um jogo, eu lembro disso, eu tinha meus 16, 17 anos, eu gostava de basquete e esse jogador falou ‘esse jogo está muito tenso, para esfriar esse jogo agora só um Steinhaeger do Brasil’, ele mesmo falou, então a gente sabe que chega a vários locais para fora do país”, recorda Fábio.
O bisneto de Wenzel vê potencial de crescimento no mercado de destilados de Santa Catarina. Em 2020, segundo a Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina, com o recolhimento de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o setor de produção de aguardentes e outros destilados gerou para o estado uma arrecadação de R$33 milhões. O setor de bebidas, no geral, alcançou a marca de R$1,4 bilhão.
“Santa Catarina é uma das regiões que mais tem qualidade nos produtos que faz. Eu acho que o catarinense, além dos outros estados que também tem, mas a gente não peca nessa questão de qualidade. É um ambiente competitivo, mas para quem faz com qualidade e acredita no produto, isso é muito tranquilo”.
Quanto ao segredo da longevidade e relevância da empresa no município e, por que não, no país, Fábio é taxativo. “O segredo está no amor. Pode tentar fazer igual, mas se não tiver amor, não vai ficar igual.”
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