Cadinho: Um ano passou, mas você está entre nós

Foi durante uma partida realizada no campo do Colégio São José, em Porto União, que há 58 anos atrás tive a oportunidade de conhecer um narrador de futebol. Era uma decisão importante e os freis do colégio sempre oportunizavam o espaço para atividades esportivas de diversas modalidades. Porém, o futebol se destacava pela imbatível equipe conhecida como “os onze irmãos”, formada pelos estudantes do colégio e internato.

Admirador da radiodifusão, cheguei o mais próximo possível de uma espécie de oratória de material, estando perto do campo para observar toda aquela parafernália de equipamentos de transmissão, fios, aparelhos e microfones. Foi emocionante ouvir ao vivo aquela partida inédita que estava sendo transmitida pela primeira vez diretamente do campo do São José. O narrador, no vai e vem da bola, trocava opiniões constantes com os comentaristas, e dizia que não era fácil narrar uma partida que tinha somente uma bola de capotão. A dificuldade era principalmente quando os jogadores chutavam a bola além da linha do campo e a bola atravessava dois pequenos campos íngremes e parava do outro lado da rua perto da casa do saudoso professor Wernão Kroetz ou na atual APAE.

Foi assim que conheci um dos maiores narradores de futebol de Porto União da Vitória e região, com o nome de Leocádio Vieira, carinhosamente conhecido e chamado de Cadinho.

É oportuno esclarecer algumas curiosidades entre tantas de nosso saudoso Cadinho. José Leocádio Vieira? Leocádio José Vieira? Ou simplesmente Leocádio Vieira? Muitos anos atrás, quando jovem, sofreu um problema sério de saúde, mas como Espírita fervoroso recorreu ao Dr. Leocádio José Correia, e logrou recuperação total. Como reconhecimento e gratidão, decidiu por livre iniciativa acrescentar o nome de José em homenagem ao Dr. Leocádio. Na carteira funcional do Jornal “Caiçara” está registrado como Leocádio José Vieira.


Outra curiosidade: Cadinho está entre poucos que festejam dois aniversários por ano. A data oficial de seu nascimento é dia 9 de fevereiro de 1933. Não se sabe o real motivo que seu pai, o Sr. Olegário, fez o registro de seu nascimento para o dia 4 de setembro de 1933, sendo essa data que ele sempre festejava.


Quem foi Cadinho?

Vou começar com a sua maior paixão: a comunicação. Iniciou suas atividades de radiofonia como sonoplasta e mais tarde, aos 15 anos, iniciou a carreira como narrador esportivo na Rádio União ZYD3, batizada por ele como “A Pioneira”.

Fatos pitorescos ocorreram enquanto foi sonoplasta. Uma vez o locutor anunciou uma música do Nelson Gonçalves, mas Cadinho estava distraído e pegou o disco do cantor Orlando Silva, o que resultou em sua suspensão do trabalho por três dias, pois não era permitido falhar.

Com alegria, constantemente dizia que adorava jogar e gostou sempre de futebol. Isso é tão verdade que com orgulho aos 12 anos de idade, era assinante de uma importante revista de esportes editada no Rio de Janeiro.

Naquela época a Rádio União funcionava onde hoje está o edifício Executive Center, onde também funcionou um jardim de infância. Na grade da programação da rádio não existia a parte esportiva. Cadinho, em suas atividades do dia a dia, sempre sonhava nas possibilidades de ter um programa na rádio e não escondia o seu sonho, pois ele foi um apaixonado pelos esportes em geral, principalmente o futebol. O primeiro gerente da Rádio União, o Sr. Murilo Lupion de Quadros, foi dando credibilidade para as boas intenções do jovem e dinâmico Cadinho. Para iniciar um programa esportivo na rádio, outros gerentes entenderam que ele era merecedor de uma oportunidade. Então no ano de 1948, aos seus 15 anos de idade, Cadinho passou pelo “Batismo de Fogo” e fez sua estreia como narrador esportivo no jogo entre os times de Porto União e União da Vitória.

Leocádio Vieira liberou de sua garganta o grito de gol por seis vezes, pois o placar final foi de 3 x 3. Em nossas cidades, o saudoso comerciante conhecido como Chumbita, ex-jogador e fundador do Palestra Itália, tinha espaço para crônicas esportivas no Jornal “O Comércio” da família Milis e escreveu sobre o garoto Cadinho como novo narrador esportivo que prometia ser um ótimo profissional do esporte. Leocádio Vieira sempre deixou claro que, antes de sua estreia, o Sr. Mário Renê Sibut era quem já fazia as narrações dos jogos de futebol.

Cadinho passou a narrar diversas atividades esportivas como os Jogos da Primavera no Colégio Túlio de França. Da Loja Unterstell, sempre transmitiu as famosas corridas ciclísticas que atraíam diversos atletas de outras cidades. Foram inúmeros jogos de basquete, vôlei e futebol de salão os quais sempre narrava com grande maestria e também com o apoio de sua equipe de comentaristas e técnicos. Fato inédito foi a tentativa de narrar a briga de galos, onde atraiu diversos empresários de outras cidades, chamados de galistas. Só não aconteceu, pois, o delegado da época apareceu na rinha e deu voz de prisão aos participantes. Cadinho não foi preso pelo fato de um dia antes, o mesmo ter anunciado no seu programa esportivo o grande encontro de galistas no qual iria transmitir. O delegado Napoleão Feijó estava sintonizado e assim aconteceu, o que aconteceu…

No campo do Ferroviário Esporte Clube, que é o Estádio Dr. Enéas Muniz de Queiroz, dois fatos marcaram a época do nosso futebol e, por conseguinte, a vida do Cadinho. O primeiro foi a conquista da primeira Taça Paraná, quando o Ferroviário Esporte Clube derrotou o time do Agroseres da cidade de Jacarezinho, sendo o jogo narrado pelo Cadinho. O segundo momento no templo sagrado do futebol foi quando o primeiro time profissional da região, a Associação Atlética Iguaçu, ideia provocada pelo Cadinho, ganhou respaldo pelos amantes do futebol. Fato que teve grande apoio do Comandante do Batalhão Juarez Távora, o Tenente Coronel Ricardo Gianordoli do nosso 5° B.E.C., o qual foi um dos responsáveis pelo time profissional. A estreia da Associação Atlética Iguaçu, no dia 14 de novembro de 1971, teve o jogo narrado pelo Cadinho e sua equipe de esportes, com uma presença maciça de muitos torcedores da região que presenciaram o empate de 2 x 2 contra o Clube Atlético Pinhais da capital paranaense.

Leocádio Vieira foi sempre bem relacionado e rodeado de amigos. Era um homem educado e de fino trato, sendo um verdadeiro cavalheiro. Nos domingos, acompanhado de minha mãe Olga, encontrávamos nos restaurantes, e lá estava ele sentado com as mãos postas e olhos fechados agradecendo pela vida e alimento. Terminava sua oração e vinha de imediato nos cumprimentar em respeito para com minha mãe, uma senhora com mais de 90 anos. Com o olhar emocionado, ele dizia que era muito bonito ver um filho acompanhar a sua mãe.

Entrei em contato com seus familiares, e seu filho Dimas prontamente atendeu meu pedido para conhecer um pouco mais da personalidade extraordinária do Cadinho. Transcrevo abaixo a bela história de Leocádio Vieira e agradeço aos familiares, em especial ao Dimas.


Nasceu em União da Vitória em 09 de fevereiro de 1933, filho de Olegário Vieira e Leandrina Vieira.

Cadinho, como era conhecido popularmente, fez o curso primário no Grupo Escolar Professor Serapião, tendo antes frequentado o jardim de infância que funcionou num casarão, que posteriormente funcionou a Rádio União e onde atualmente está o Executive Center.

Fez o segundo grau, naquele tempo chamado de científico, estudando primeiramente no Ginásio São José e concluindo no Colégio Túlio de França. Fez o curso de Contador, diplomando-se pelo Colégio David Carneiro, em União da Vitória.

É bacharel em Ciências Contábeis e Atuariais pela Faculdade de Ciências Econômica do Paraná, Curitiba, tendo colado grau em 21 de dezembro de 1964.

No esporte se destacou no futebol de campo, defendendo o Juventus Futebol Clube de Porto União.

Mas, foi através do jornalismo esportivo de Leocádio Vieira pode prestar relevantes serviços para o desenvolvimento de atividades ligadas ao esporte de nossas cidades.

Pioneiro na transmissão de jogos pelo rádio, formou com o saudoso amigo Lamartine Augusto, a primeira dupla de transmissores de futebol, sendo ele, Cadinho, o narrador e Lamartine o comentarista.

Foi através de transmissões entusiasmadas e imparciais do Cadinho, que nosso futebol amador de tantas glórias, levou o nome de nossas cidades a municípios e regiões vizinhas e viveu seus momentos de conquistas e emoções. Também foi dele, em parceria com Lamartine Augusto, o primeiro programa de esportes levado ao ar diariamente, pela Rádio União, então a única de nossas cidades.

Ainda, no campo do jornalismo esportivo, destacou-se pelo espaço concedido aos clubes, dirigentes e atletas, através de sua coluna esportiva no jornal “O Comércio”, cujo arquivo constitui hoje fonte de inspiração e ensinamentos para os mais jovens que não conheceram a época de ouro de nosso futebol amador.

Foi através de uma campanha idealizada pelo Cadinho, através do jornal e rádio onde continuava militando, que no início dos anos 70, incentivou a criação do nosso time de futebol – Associação Atlética Iguaçu, que como recordamos mudou os hábitos e comportamentos de toda uma região, nas tardes de domingo.

Por volta de 1973, Cadinho deixou nossas cidades, indo residir em Curitiba, devido a transferência da esposa, Maria Ziloá Dipp Vieira, que era funcionária da extinta R.F.V.P.S.C (Rede Férrea de Viação Paraná Santa Catarina), que veio a falecer em 1986, num trágico acidente. Ele estava trabalhando na empresa Montepar.

Na década de 90, retornou à União da Vitória, passando a atuar no jornal “O Comércio” e, posteriormente, a outro semanário “Caiçara”, tinha uma coluna “Cantinho do Pescador e Esportes”, onde permaneceu até 2020. Torcedor assíduo do Botafogo, ensinou os filhos mais velhos a cantar o hino do clube do coração.

Tinha uma memória histórica que conservou até minutos antes do seu falecimento em 24 de julho de 2020, decorrente de parada cardíaca, aos 86 anos. A memória não resistiu ao velho coração.

Deixou 5 filhos (Tania, Margareth, Dimas, Karla e Tarcilo), 4 netos (Pierre, Arianna, Stephanie e Amanda) e 3 bisnetos (Pablo, João e Israel) e um legado de muito amor, respeito, carinho, amizade e saudade eterna.


Rendemos aqui uma singela homenagem a um dos maiores narradores de todos os tempos da radiodifusão de Porto União da Vitória e região. No palmilhar se suas atividades, tornou-se um verdadeiro garimpeiro em todos os setores da sociedade, em especial no esporte onde encontrou tantas pedras preciosas e conseguiu assim construir um belo mosaico em sua inolvidável vida. Deixou exemplos de verdadeiros valores éticos, morais, sociais, cívicos e espirituais para todos aqueles que acreditam na importância do ser humano ter dignidade de vida.

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