Audiência pública deixa claro: não existe solução mágica para as enchentes

Na noite de quarta-feira, 22, as câmaras de vereadores de União da Vitória e de Porto União promoveram, em conjunto, a audiência pública “Solução para enchente nas gêmeas do Iguaçu”. A proposta da audiência foi protocolada pelo vereador porto-unionense Gildo Luiz Masselai e pelos vereadores união-vitorienses Anderson Cripa, André Cristiano Henik e Júlio Adilson Pires Filho. Na oportunidade, dois populares que inscreveram propostas de acordo com os termos impostos pelas duas casas de leis tiveram 15 minutos para explanar suas ideias.

Audiência pública deixa claro: não existe solução mágica para as enchentes

Evento realizado na noite de quarta-feira, 22, reuniu autoridades, estudiosos e comunidade para discutir saídas capazes de amenizar impacto das enchentes. Foto: Câmara de União da Vitória.

Abrindo o evento, o vereador Gildo Luiz Masselai destacou que toda proposta, antes de ser executada, precisa conter informações técnicas e científicas para que se alcance êxito. “Não se faz projeto técnico para dar resultado satisfatório sem informações”, comentou.

Representando os proponentes da Câmara de União da Vitória, o presidente Valdecir Ratko  destacou que a união do poder público e da sociedade organizada é essencial para que se chegue a uma solução para os problemas causados pela enchente. “Fizemos essa audiência pública para irmos direto ao ponto”.

O médico cardiologista Cezar Augusto Lemos, da Associação Médica de Porto União da Vitória, abordou os impactos que uma enchente causa na saúde dos afetados por ela, seja no âmbito emocional ou no âmbito físico. “Quando as águas invadem nossas casas, elas não deixam apenas marcas nas paredes. Elas deixam cicatrizes que muitas vezes se eternizam em nossas mentes, na nossa memória afetiva”.

Foto: Câmara de Porto União.

Eliseu Mibach, prefeito de Porto União, comentou sobre a possibilidade da realização de um estudo para a construção de diques no bairro Santa Rosa, o que mais sofre com enchentes no município. “Na semana que vem já recebo a primeira empresa para que possamos apresentar o material que nós temos”, relatou.

O prefeito de União da Vitória, Bachir Abbas, frisou que para que uma obra possa ser realizada é preciso ter responsabilidade. “Tem que funcionar com muita discussão, com mobilização da sociedade. Não tem uma pessoa sozinha que vá resolver essa situação. É necessário que toda a sociedade esteja mobilizada”.


Apresentação de estudos

Representando a Sociedade de Estudos Contemporâneos – Comissão Regional Permanente de Prevenção contra Enchentes do Rio Iguaçu (SEC-Corpreri), o engenheiro civil Giancarlo Castanharo realizou uma explanação acerca dos estudos realizados ao longo de quatro décadas na busca de amenizar o impacto das enchentes. Giancarlo chefiou o Projeto HG-203 (análise hidráulica de alternativas estruturais para controles de enchentes no rio Iguaçu em União da Vitória/Porto União), realizado em 2005.

Audiência pública deixa claro: não existe solução mágica para as enchentes

O engenheiro civil Giancarlo Castanharo realizou uma explanação acerca dos estudos realizados ao longo de quatro décadas na busca de amenizar o impacto das enchentes. Foto: Câmara de Porto União.

Vários pontos foram abordados por Giancarlo durante sua fala. O primeiro deles foi a ideia da construção de uma barragem a montante de União da Vitória para conter o excesso de água. De acordo com os estudos apresentados, para que se evitasse uma enchente de 6,5m, seria necessário que a barragem armazenasse 4,5 km³ de água, capacidade próxima a de Foz do Areia. Um dos locais possíveis para a construção da barragem seria na região da Lança, porém, ocuparia área de 650 km², cerca de 45% do tamanho do lago Itaipu. “É inviável. Não existe viabilidade técnica, nem ambiental, nem social para você desapropriar uma área de meio lago de Itaipu rio acima para essa área ficar desocupada. Ter que tirar agricultores que moram lá hoje, que produzem, para essa área ficar vazia e ser ocupada por água para abater enchentes. Isso aqui custaria uma fortuna e traria problemas sociais enormes”, explicou.

Quanto à construção de diques de contenção, Giancarlo citou o estudo realizado pela Agência Internacional de Cooperação Japonesa (Jica) em 1995, que previa a construção de um sistema de cerca de 17 km de extensão em ambas as margens do rio. Para que fosse eficaz, deveria ter uma crista mais alta que a maior enchente possível. Ou seja, seria necessário que o dique fosse mais alto que uma enchente maior que a de 1983, com alguns metros de folga para que se evitasse que a água passasse pela borda, o que, em União da Vitória, resultaria em uma parede de ao menos 12m de altura em torno do rio. “Isso isolaria a cidade do rio. O convívio cidade/rio seria dividido por uma montanha de terra que, em alguns pontos mais baixos da cidade, teria até três andares de altura”, comentou. Apesar de ser uma obra gigantesca e cara, a proposta se mostra viável, porém levando em consideração seus riscos, como o de rompimento do dique em um momento de grande fluxo de água no rio, o que inundaria a cidade em pouco tempo.

Levando em consideração a inviabilidade da primeira opção e as intempéries da segunda, Giancarlo relatou que o Projeto HG-203 focou em buscar alternativas capazes de aumentar a capacidade de descarga do Iguaçu. Logo de início, segundo o engenheiro, o projeto buscou entender qual o impacto de uma obra que retirasse as corredeiras de Porto Vitória, comumente apontadas como a grande vilã das cheias no Vale do Iguaçu. Segundo Giancarlo, para a surpresa da equipe, percebeu-se que, caso as corredeiras fossem retiradas, o controle da água seria alterado para montante, ou seja, a água seria represada em um ponto acima, o que não resolveria o problema em União da Vitória e Porto União. Os estudos também mostraram que obras estruturais, quanto mais próximas de Porto Vitória, menos impacto surtem no Vale do Iguaçu.

A influência das pontes no represamento de água em União da Vitória também foi um foco de estudo. O resultado encontrado foi que o impacto delas na enchente de 1983 ficou entre 8cm e 12cm. Isto é, caso as pontes não existissem, a maior enchente do Vale do Iguaçu, ao invés de 10,42m, teria sido uma enchente de 10,30m.

A solução mais viável e de melhor impacto, segundo os estudos mostrados por Giancarlo, seria a duplicação da curva da Fazenda Brasil. Como publicado na edição 6741 de O Comércio, quatro propostas de duplicação já foram apresentadas. As mais promissoras, segundo Giancarlo, são as propostas feitas pelo Centro de Hidráulica e Hidrologia Prof. Parigot de Souza (Cehpar) e a feita pela comunidade, que diminuiriam em 93cm, e em 1,07m a cheia de 1983, respectivamente.

Giancarlo também demonstrou que, segundo as projeções feitas pelo Projeto HG-203, caso fosse possível criar um canal paralelo em toda a extensão do Iguaçu entre União da Vitória e Porto Vitória, algo em torno de 27 km, o máximo que se diminuiria da enchente de 1983 seria 3,80m. Entretanto, essa é uma projeção meramente teórica, visto que montanhas e outros obstáculos no caminho permitiriam que o canal tivesse, no máximo, 17 km. “As soluções não são mágicas. Não tem mágica para resolver o assunto das enchentes aqui. São obras monumentais que deveriam ser feitas para tentar duplicar o rio”, apontou Giancarlo.

Além de grande investimento financeiro, Giancarlo lembrou que qualquer obra necessitará de estudos de viabilidade econômica, projeto básico de engenharia e estudo de impacto ambiental. “Já trabalhei em algumas obras de grande porte que envolvem intervenções em rios grandes e queria dizer que vocês estão fantasiando achando que em seis meses o Instituto Ambiental pode licenciar uma obra desse porte em um rio desse tamanho”, frisou o engenheiro ao responder a pergunta de um munícipe sobre a possibilidade de um projeto ser apresentado pelo Instituto Água e Terra (IAT) em meio ano. “Não adianta pegar meia dúzia de escavadeiras e sair cavando a margem. Não tem ART (Anotação de Responsabilidade Técnica). Você não sabe o tamanho do efeito que isso vai dar e, como eu falei para vocês, acreditem ou não em simulações hidráulicas que foram feitas por pessoas de Curitiba, do Rio Grande do Sul e do Japão, não é pouca obra que vai resolver um problema desse tamanho”, completou.


O que diz o IAT

O diretor presidente do IAT, Everton Luiz da Costa Souza, também esteve presente na audiência pública e explicou que, para qualquer obra ou até mesmo para a instalação de empresas, é necessário antes a realização de  um licenciamento ambiental. Everton reforçou a fala de Giancarlo de que não existe solução mágica para os problemas das enchentes no Vale do Iguaçu, e afirmou que qualquer decisão deverá ser tomada pautada pela ciência.

Nos próximos dias, o IAT deve finalizar o termo de referência para a contratação do anteprojeto que deverá apontar qual a melhor solução para amenizar as cheias do Iguaçu nas cidades irmãs. “Nunca se chegou neste projeto básico, e é nesse ponto que nós queremos chegar”, frisou.

Foto: Câmara de Porto União

Everton comentou, também, que por se tratar de uma obra no rio Iguaçu, muito provavelmente órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) deverão ser envolvidas no projeto. Porém, o diretor presidente afirmou que o IAT irá reivindicar para si a prerrogativa de realizar os licenciamentos ambientais necessários, visando dar celeridade a uma possível obra.

O prazo para conclusão do projeto básico é de cerca de 11 meses, mas Everton relatou que o instituto fará o necessário para que seja finalizado antes disso. Quanto aos custos de uma vindoura obra, o diretor presidente informou que valores só poderão ser discutidos quando se tiver a dimensão real das medidas que serão tomadas. “Quando nós tivermos isso efetivamente aí, se pudermos contar com a boa vontade e com a colaboração de empresários e tudo mais, ótimo. Se não, o governo do estado do Paraná e o governo do estado de Santa Catarina certamente vão buscar recursos para fazer essa solução que tem sustentabilidade técnica, que tem sustentabilidade legal, que presta contas para o Tribunal de Contas do estado, que presta contas para a Controladoria Geral da União, que presta contas para o licenciamento ambiental que tem que ser obedecido”.

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