Combate à violência contra a mulher deve ser preocupação de toda a sociedade

Entre janeiro de 2023 e março de 2024, 193.642 mulheres sofreram algum tipo de violência nos estados do Paraná e de Santa Catarina. A maioria delas (72%) diz ter sido ameaçada e (37%) sofreram lesão corporal. No período, o número de vítimas que morreram com tamanha violência foi de 1.158, sendo que 459 mulheres sofreram feminicídio, ato que é considerado crime de ódio contra a mulher. Os dados são do Mapa da Violência organizado pelo Senado.
A morte de mulheres motivada por questões de gênero, na maioria dos casos, porém, não acontece a partir de um momento isolado de ira. O feminicídio costuma ser o último ato de uma série de agressões enfrentadas pela mulher. No Paraná, o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio foi instituído por lei. A data de 22 de julho foi escolhida em referência à morte de Tatiane Spitzner, vítima de feminicídio em 2018, ao ser jogada da sacada do apartamento pelo esposo, Luiz Felipe Manvailer, que foi condenado a mais de 30 anos de prisão pelo crime.

Combate à violência contra a mulher deve ser preocupação de toda a sociedade

Pensando em alertar e conscientizar sobre a importância da prevenção da violência contra a mulher, a Polícia Militar do Paraná (PMPR) tem realizado palestras a respeito do tema, ministradas pela Capitã Carolina Pauleto Ferraz Zancan, chefe da Subseção de Doutrina e Ensino da 3ª Seção do Estado-Maior da PMPR, tanto para adultos quanto para crianças e adolescentes. Aliado a isso, a corporação tem expandido a Patrulha Maria da Penha e capacitação de policiais para que possam prestar atendimento às vítimas.

A Capitã lembra, também, que para que o combate à violência contra a mulher seja efetivo, é necessária toda uma rede de apoio. “Só a Polícia Militar não resolve o problema de violência doméstica. Eu preciso ter uma assistência social forte no município. Eu preciso ter um Conselho Tutelar atuante. Poder judiciário, Ministério Público, delegacia de polícia e outros entes da sociedade. Todo mundo precisa trabalhar integrado para que eu consiga romper o ciclo da violência. Só ir em uma casa e levar o sujeito preso não resolve o problema. Eu preciso que essa mulher tenha um local para ela procurar um atendimento médico, [um lugar] para que ela possa pedir medida protetiva e segurança. Que ela possa retomar a vida dela. De repente ter um curso profissionalizante para incentivar que ela consiga sair de casa e pagar o aluguel social. Então, tudo isso movimenta o município e os municípios do entorno. A Maria da Penha também tem o objetivo de fomentar essa rede de proteção”.
Identificando um agressor

Perceber que se está em um relacionamento abusivo nem sempre é tarefa simples, mas Carolina indica que os sinais sempre aparecem, mesmo que de forma sutil. “Lá atrás, quando a mulher arruma um namorado, ela já tem que começar a prestar atenção no comportamento dele”, aconselha. A tentativa de controlar hábitos corriqueiros, como a escolha de roupas, uso de maquiagem e cor das unhas, até a interferência no relacionamento da mulher com amigos e familiares deve ser um alerta. “Nenhum relacionamento começa no contexto de violência. Tem aquela fase da conquista, em que as pessoas querem se agradar, mas [o agressor] já vai dando sinais, seja por meio de controle e de algumas frases que tem objetivo de tolher a parceira. A prevenção é muito importante nesse sentido de que as pessoas observem os sinais anteriormente, porque depois que você já se apaixonou, casou, está no contexto daquela convivência rotineira, é mais difícil de você conseguir romper esse ciclo. Nós idealizamos muito uma relação amorosa, e colocar um fim no relacionamento amoroso, via de regra é algo bastante doloroso, independente das circunstâncias em que isso aconteça”.

É importante lembrar, também, que a violência doméstica não acontece apenas em relacionamentos românticos, mas pode estar presente também em outras esferas familiares. Por isso, é necessário que a mulher saiba identificar quando está sendo vítima de algum tipo de violência. “A violência, ela não é só física. Ela é também psicológica. Ela é emocional. Ela é sexual. Ela é uma violência patrimonial. E por aí vai”, explica a capitã.

Uma vez identificada a agressão, é preciso buscar ajuda. Porém, em muitos casos encontra obstáculos que a impedem de relatar para terceiros as dificuldades pelas quais está passando. A tendência é de que a vítima pense que o fato não irá se repetir, por isso dá novas chances ao agressor. Também existe a vergonha de contar sobre sua intimidade. Ainda, há a preocupação com o que pode acontecer com o agressor caso esse seja denunciado para forças da Lei. “É importante que as mulheres se percebam como vítimas de violência e guardem na cabeça que isso não vai melhorar. (…) Se não for assim, essa mulher está em risco. Todo relacionamento abusivo é arriscado. Você não sabe qual vai ser o nível e o pico de reação do agressor. Pode ser um tapa, pode ser um chute, como pode ser um tiro, uma facada”, comenta Carolina.

Capitã Carolina Pauleto Ferraz Zancan. Foto: JOC

A capitã também destaca a importância da ação de terceiros em casos de violência doméstica. A sensibilidade da comunidade ao perceber que uma mulher está em situação de risco pode evitar que a agressão chegue às últimas consequências. Carolina destaca que é melhor que, na dúvida, se disque o 190 para que uma equipe vá averiguar a situação, do que permanecer indiferente e dar ao agressor a chance de ficar sozinho com a vítima. “A única coisa que não pode ser feito é nada”.

Quebrando o ciclo

Implementada há quase 20 anos, a Lei Maria da Penha é, segundo Carolina, um divisor de águas no enfrentamento a violência contra a mulher, algo que, na visão da capitã, é uma questão cultural e social, presente muitas vezes dentro da casa da vítima. De acordo com a policial, dos quase 1,6 milhão de registros criminais envolvendo mulheres nos últimos oito anos, cerca de 950 mil aconteceram no ambiente residencial. “Em 2024 continua sendo mais perigoso para uma mulher estar dentro de casa do que andando na rua. Não é um achismo. São números. É um fato que nós precisamos administrar. Por qual motivo as mulheres sofrem mais violência dentro de casa do que andando na rua? O que faz com que o ambiente doméstico familiar se torne um local hostil em muitas circunstâncias para essas mulheres? (…) Esse contexto de risco precisa ser revertido. Mas não adianta só trabalhar com a questão da prisão desses agressores. Eu preciso trabalhar com uma evolução cultural social então”.

Sair de um contexto de violência não é fácil. Carolina relata que o agressor costuma ter dois comportamentos padrão após uma situação de agressão. O primeiro é tentar voltar à rotina. O segundo, é pedir desculpa. Por termos uma necessidade de normalidade, muitas vezes o agressor acaba conseguindo fazer com que a mulher permaneça no relacionamento. A capitã destaca que o tempo médio que uma mulher permanece em um relacionamento abusivo é pouco menos de uma década. Dessa forma, buscar ajuda geralmente é um processo lento, mas necessário.

“É preciso respeitar o tempo da vítima porque não é uma coisa que você resolve em 20 minutos. Existe um estudo que diz que a média que uma mulher fica num relacionamento violento são oito anos. Aí seria muita pretensão nossa querer resolver tudo no atendimento de uma ocorrência. Não vai ser assim. Por isso que são realizadas várias visitas. E por isso que a gente precisa esperar o tempo da vítima. Você conversa, você explica o contexto, você diz: isso que está acontecendo com você é uma violência, não pode ser assim, não está normal, não é legal isso e, principalmente, você numa situação de risco. Assim a pessoa internaliza aquilo e ela começa a ver aquele relacionamento de uma outra forma, ela começa a racionalizar alguns comportamentos, identificar sinais que ela não identificava antes. Mas esse movimento de sair do relacionamento violento é da própria vítima. Não tem como forçar ou arrastar”.

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