De quem é a responsabilidade sobre os cabos soltos pela cidade?

Basta transitar durante pouco tempo pelas ruas de União da Vitória para encontrar um fio de telecomunicação solto ou arrebentado. Em situações mais críticas, verdadeiros emaranhados de cabos desprendidos passam a fazer parte da paisagem. A situação piorou durante a enchente de 2023, quando grandes caminhões tiveram que cruzar o centro da cidade para completar sua rota. Mas o fato causa transtornos até hoje.

Com uma espécie de epidemia de cabos soltos pelas ruas e calçadas, fica o questionamento: de quem é a responsabilidade sobre o reparo desse tipo de fiação? Segundo o secretário de planejamento de União da Vitória, André Otto Hochstein, cabe a concessionária de energia – A Companhia Paranaense de Energia (Copel) no caso de União da Vitória e grande Parte de Porto União – gerenciar a exploração comercial dos postes de eletricidade, que são, em regra, concessões públicas. “A atual legislação concede às empresas de telecomunicação o direito de uso compartilhado dessa infraestrutura que é pública, porém gerida e explorada comercialmente por empresas privadas”, explica.

A Copel, em nota enviada à reportagem de O Comércio, informou que “o compartilhamento de estruturas segue legislação federal que rege o tema” e que “cabe às empresas que utilizam os postes da Copel manter em condições de segurança suas redes e dentro da regulamentação que dispõe da altura dos cabos”. Ou seja, a concessionária cede o espaço, porém, o reparo de cabos danificados deve ser realizado pela empresa detentora da linha.


Transtorno para a população e para as empresas

Julio Cezar Araújo, sócio proprietário da Ciabrasnet, provedora de internet no Vale do Iguaçu, relata que no último trimestre no ano passado, período que compreende a enchente, o número de chamadas de usuários referente a cabos soltos e danificados subiu cerca de 180%, passando de 66 entre julho e setembro para 185 entre outubro e dezembro. Até o momento, a empresa realizou a troca de 115 desses cabos. Nos demais foram realizadas emendas, visto que não havia tempo hábil nem material disponível para trocar completamente toda a fiação danificada. As emendas, contudo, não causam prejuízo para o consumidor, sendo uma solução prevista e regulamentada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Apesar disso, a empresa prevê a troca da fiação que foi submetida ao reparo emergencial.

A empresa também precisou aumentar a equipe durante o período da cheia, contando com funcionários terceirizados para conseguir realizar os reparos. Para Julio, o grande fator para esse aumento exponencial foi, de fato, a passagem de caminhões com altura maior do que a permitida pela área central de União da Vitória. “Foi uma situação bem atípica para as cidades. Embora seja até comum de acontecer [as enchentes], normalmente não acontece com uma intensidade tão grande. E o que aconteceu, principalmente, é que muitas carretas vieram pra cidade e, como não tinha ainda no começo uma sinalização, não tinha havido tempo por parte das prefeituras para criar uma rota, então eles andavam por qualquer rua. Você via caminhão com plataforma, carregando equipamento agrícola ali na rua Ipiranga, na [rua] Matos Costa. Todo dia arrebentava dois, três cabos. A gente teve muita situação de arrumarmos um cabo de manhã e na parte da tarde já ter arrebentado de novo, porque era a única rota [para os caminhões] passarem”.

Além dos transtornos financeiros causados pela danificação dos cabos, Julio aponta que o fato pode criar conflito entre a empresa e o consumidor. “Os clientes ficam estressados e o cliente não quer saber de quem é a culpa, ele quer o serviço entregue na casa”.


Dentro da regra

Para utilizar os postes para fim comercial, as empresas precisam submeter à concessionária um projeto realizado por um engenheiro elétrico. Caso aprovado, é permitida a instalação da fiação. E, para permanecer na estrutura, existe a cobrança de aluguel. Quanto a altura permitida para passagem dos cabos, a empresa precisa seguir as seguintes normas: altura mínima de 3 m sobre ruas e vias exclusivas para pedestres; 4,5 m sobre entradas de prédios e passagem particular de veículos; 5 m sobre pistas de rolamento e cruzamentos de ruas e avenidas; 6 m sobre locais acessíveis ao trânsito de máquinas e equipamentos agrícolas e travessias sobre estradas particulares em áreas rurais; e 7 m sobre pistas de rolamento de rodovias. Em qualquer desses casos, a fiação não pode ficar acima das luminárias, quando existentes.

Porém, mesmo dentro das normas, Julio relata que caminhões acima da altura muitas vezes esbarram nos cabos, fazendo com que estes se estiquem e, com o passar do tempo, comecem a ceder. Posteriormente, até mesmo um caminhão de menor altura pode acabar danificando a fiação. “É difícil a gente ir atrás de alguém que causou o acidente. A gente teve um caso de um caminhão que passou com 5,6 m. Aí a gente acionou a polícia, fez um boletim de ocorrência, porque o caminhão realmente estava excedente. O caminhão estava carregando uma máquina em um local que não abrigava. Mas são casos raros que a gente consegue [identificar]. Aconteceu bastante antes que os caminhões que estavam passando acima da altura, deixavam pra passar na madrugada. Porque eles sabem que vão, passam, arrebentam e conseguem sair da cidade sem ninguém pegar”.


Responsabilidade

Já sabemos que cada empresa de telecomunicações é responsável pela manutenção de sua rede de cabeamento. Mas e quando a rede é abandonada por quem deveria gerenciá-la? Julio acredita que tal situação está acontecendo em União da Vitória, com a possibilidade de uma empresa que anteriormente utilizava cabos metálicos ter abandonado esse sistema e começado a utilizar a fibra óptica, sem retirar os cabos antigos dos postes. “Esses cabos metálicos, quando rompem, não tem quem preste manutenção e ficam lá. E esses cabos, para nós, é um problema, porque quando alguém enrosca nesses cabos, querendo ou não, estraga os nossos também. E a gente não tem essa competência pra ir lá e cortar os cabos deles”.

Julio comenta que tanto as prefeituras quanto a concessionária têm trabalhado para que as empresas responsáveis realizem a retirada dos cabos. A possibilidade de que terceiros, sejam empresas ou a administração pública, recolham os cabos soltos abandonados pela empresa detentora é praticamente tolhida pela Lei Federal. Segundo o artigo 266 do Código Penal brasileiro, interromper ou perturbar serviços telegráficos, radiotelegráficos, telefônicos ou telemáticos, bem como impedir ou dificultar o seu restabelecimento, é crime com pena prevista de um a três anos de detenção, além do pagamento de multa. “A gente não sabe o que aquele cabo é. Ele pode ser um cabo que pode estar solto lá mas que ainda não arrebentou. E ele pode estar, por exemplo, alimentando um hospital, um órgão do governo. E interromper o serviço de telecomunicações é crime federal, então ninguém quer assumir esse problema”.

Segundo a Copel, as normas que regem a instalação de cabos de telecomunicação “determinam que as distribuidoras de energia elétrica de todo Brasil têm a obrigação legal de notificar e multar as empresas de telecomunicações com cabos irregulares e cortar a fiação somente em casos que representam risco à população”. Em nota, a empresa informou, ainda, que “realiza inspeções nas redes de distribuição ou mediante denúncias realizadas em seus canais de atendimento”.

“É importante ressaltar que, ao se deparar com um cabo solto, a pessoa não deve se aproximar nem deixar ninguém se aproximar do cabo pois, mesmo sendo de telecomunicação, ele pode estar energizado. A recomendação é ligar para a concessionária Copel”, comenta o secretário de planejamento de União da Vitória.


Soluções

Uma alternativa para diminuir o problema de rompimento de cabos e para melhorar a paisagem do Vale do Iguaçu poderia ser a opção de fiação subterrânea. Algumas cidades turísticas como Amsterdã, Londres e Paris apostam nesse sistema. No Brasil, mais recentemente a cidade de Sobral optou pela solução no seu centro histórico. Joinville, São José, Florianópolis e Lages, em Santa Catarina, também deram início a instalações subterrâneas, mesmo que em pequena porcentagem.

A solução, entretanto, não seria barata, e dependeria da colaboração de todos, inclusive dos consumidores. “Honestamente, isso é uma realidade muito distante. Por que isso demanda todo um planejamento que não afeta apenas os provedores. Teria que ser um trabalho conjunto, Copel, prefeituras. Um bairro planejado hoje, novo, seria totalmente possível. Mas na estrutura que a cidade tem hoje, é muito difícil. Até porque nem as casas são preparadas pra isso. Até os proprietários da casa vão ter que se adequar. Tirar aquele padrão antigo, mudar todo o sistema deles. Então fica inviável. Economicamente falando, é inviável para nós, como provedor, trocar toda a estrutura. Cabos subterrâneos também são outros tipos de cabos que tem que ter manta anti roedor, tudo. São cabos mais caros. E eu acho difícil também os clientes das casas quererem arcar com esse custo de ter que mudar todo o seu sistema de entrada de energia e tubulações”, assegura Julio.

Para o empresário, um avanço seria a substituição dos postes existentes na cidade hoje em dia por estruturas mais altas, além da adequação das residências que utilizam o padrão antigo de fiação, em que o cabo vai do poste direto para o telhado do imóvel. Quanto à responsabilização de empresas que não realizam o reparo da fiação e deixam os cabos nos logradouros públicos, o prefeito de União da Vitória, Bachir Abbas, relata que já há conversas entre a administração pública e a Copel para que a prefeitura passe a ter condições de legislar sobre o tema. “Nós já tivemos reuniões algum tempo atrás junto com o nosso secretário de planejamento e o gerente da Copel, Rodrigo Cavalheiro, que sempre está aberto a essa conversação, de nós fazermos uma lei municipal para que o município possa legislar em cima dessa situação, já que muitos cabos ficam muito tempo arrebentados , causando dificuldades para os pedestres, para os carros. Vamos voltar nessa conversação com a Copel para que o município possa regular e possa notificar essas empresas dando um prazo de 24h, 48h para que elas possam fazer esses reparos”.

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