Já estamos vivendo uma nova pandemia

Estamos vivendo uma pandemia, mas não estamos falando da Covid-19 neste texto. O vírus em questão tem afetado a sociedade desde o século passado, e você provavelmente já foi infectado. Esse vírus é uma arma política, utilizada para desestabilizar governos e democracias, e recebe o nome de desinformação.

A analogia entre um vírus e uma desinformação foi apresentada pelo jornal americano The New York Times em um documentário chamado Operation Infektion. Nele, jornalistas remontam a história de uma das maiores desinformações criadas contra os Estados Unidos da América (EUA) com o objetivo direto de manchar a imagem do país até mesmo no imaginário da própria população americana.

Criada pelos serviços secretos da União Soviética – a KGB – a desinformação em questão dava aos Estados Unidos a autoria do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) como uma arma biológica com intenção de matar homossexuais e africanos. A mera premissa dessa história era capaz de despertar todos os sinais vermelhos, mas mesmo assim encontrou espaço em um jornal indiano chamado The Patriot em julho de 1983. Em 1985, essa mesma história já havia sido publicada em toda a África e se espalhado pelo continente. Em 1987, a KGB atinge seu objetivo quando a fake news é contada ao vivo, em horário nobre, na televisão americana em um telejornal.

O caminho entre a implantação da desinformação em um pequeno jornal até a chegada aos holofotes mundiais foi longo, mas essa era a intenção. Ao fazer a história circular por tantos países e jornais, a mentira acabou criando para si uma camada de legitimidade. A KGB chegou a contratar pesquisadores que aceitaram escrever um artigo dizendo terem provas de que o HIV havia, de fato, sido criado pelos EUA. O artigo era, obviamente, falso, mas ajudava a dar um ar de autenticidade para a história.

As desinformações eram tão importantes para a KGB durante a guerra fria que todos os agentes eram avaliados, anualmente, pela quantidade de mentiras criadas. Existia até mesmo um departamento especializado neste segmento, chamado de “Medidas Ativas”. Segundo Yuri Bezmenov, um agente da KGB presente no documentário, a intenção da desinformação era “mudar a percepção de realidade de todo americano em tal dimensão que, apesar da abundância de informação, ninguém é capaz de chegar a conclusões sensíveis relativas à defesa de si mesmo, de suas famílias, de sua comunidade e de seu país”.

Hoje, tantos anos depois, a desinformação ainda é usada como arma, mas não apenas por um grupo seleto de agentes secretos. O fenômeno está presente em nosso dia a dia, e o conhecemos pelo termo fake news. “O que está por trás da fake news é um processo de desinformação. Ficou mais popularizado esse termo fake news, mas que ele não favorece muito a discussão porque quando você fala em notícia falsa você pressupõe que exista a possibilidade de você noticiar falsamente, de um jornalista, profissional, produzir uma notícia que é falsa. Então eu acho que essa é uma questão importante”, comenta Angela Farah, professora de jornalismo no Centro Universitário de União da Vitória (UNIUV) e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP).

Angela Farah, professora de jornalismo no Centro Universitário de União da Vitória (UNIUV) e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP).

Segundo a professora, um processo de desinformação pode ser desencadeado de diversas formas, entre elas a manipulação de alguns dados para criar um “meia-verdade”. Foi o que aconteceu na fake news sobre a criação do HIV pelos EUA. Quase tudo na história era mentira, exceto o próprio vírus, que era real, inegável, e que naquele momento, por ainda ser recente, gerava medo na população. “A fake news tem todas essas questões, e ela é muito psicológica, isso é uma questão muito forte dentro da fake news. Mas o correto mesmo eu acho que é chamar de processo de desinformação, porque ele trabalha com essa ideia, ele pega alguma coisa que tem algum fundinho  de verdade ou que na cabeça das pessoas faça sentido, porque aí veja que ele está lidando com a tua verdade. O que é verdade para você, porque a verdade tem uma certa relatividade, que é diferente do fato. Fato é fato. Aconteceu aquilo”.


Desinformação não se cria sozinha

A desinformação sobre o HIV não teria tido repercussão sem que uma rede de jornais tivesse dado espaço à mentira. Hoje, as fake news usam a mesma tática, mas encontraram na internet, principalmente nas redes sociais, um ambiente muito mais rápido para se espalharem. Em 2019, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (stf), Dias Toffoli, abriu o inquérito 4781, conhecido como inquérito das fake news. A justificativa apontada pelo ministro, alguns meses depois, era de que “ali já vínhamos vivendo algo que vinha ocorrendo em outros países: o início de uma política de ódio plantada por setores que queriam e querem destruir instituições, que querem o caos”.

Um dos exemplos mais recentes sobre a influência de uma rede de desinformações em uma sociedade aconteceu nos próprios Estados Unidos. Em 06 de janeiro de 2021, durante a posse do presidente eleito, Joe Biden, o Capitólio, prédio que abriga o poder legislativo do país, foi invadido por manifestantes que acreditavam que as eleições haviam sido fraudadas. Mas essa percepção de erro no processo eleitoral americano não surgiu do dia para a noite. Foi base de um processo de desinformação contra a legitimidade do pleito. Um dos fatos apontados pelo então presidente e candidato à reeleição, Donald Trump, foi a de que as cédulas enviadas pelos correios aos eleitores (naquele momento, por conta da pandemia, havia sido permitido o voto por correio) haviam sido corrompidas. Durante a apuração das urnas, Trump chegou a utilizar o Twitter para pedir que parassem com o que ele chamoude fraude.

Após a apuração, Trump usou novamente o Twitter para chamar a vitória de Biden de golpe. “O Departamento de ‘Justiça’ e o FBI nada fizeram em relação à fraude eleitoral presidencial de 2020, o maior GOLPE da história de nossa nação, apesar das provas esmagadoras. Eles deveriam ter vergonha. A história vai se lembrar. Nunca desista. Vejo todos em D.C. no dia 6 de janeiro”

Em 2022, um comitê do Congresso americano, que apura o acontecimento de 06 de janeiro de 2021, concluiu que “a invasão do Capitólio foi uma conspiração metódica, organizada e liderada pelo ex-presidente Donald Trump para impedir uma transferência pacífica de poder e colocar em risco a própria democracia”. Um dos assessores e estrategistas da campanha de Trump, Steve Bannon, chegou a ser condenado a quatro meses de prisão por não colaborar com as investigações. Bannon também é suspeito de ter participado diretamente do planejamento da invasão ao Capitólio.

Para Angela, a existência de uma rede de desinformações é real, e pode ser percebida ao analisar os grupos de redes sociais. “Há uma rede sim, e é um projeto político. A desinformação é um projeto político. Existe dos dois lados, se a gente está dividindo em dois pensando na eleição? Existe, mas ela está muito mais para um lado do que para o outro porque você consegue perceber isso participando dos grupos e já tem estudos sobre isso, já tem bastante reportagens também sobre isso, já temos bastante elementos. É um tipo de comportamento insuflado por isso, por essas notícias. Porque é uma sensação de esperança. Veja, eu não concordo com esse resultado, eu acho que o meu candidato é o melhor candidato, e ele perdeu. Aí vem alguém e diz ‘a eleição foi fraudada, há provas’. Se há provas eu vou para a rua, vou desmontar tudo, mas o outro cara vai assumir porque foi fraudado. Então se inflama isso na pessoa, e não é uma matériazinha, não é um negocinho. São muitos [conteúdos], dos mais diversos, com imagens, com tudo. Então há uma rede. É uma indústria hoje no mundo e, de modo geral, de modo mais amplo, e em termos mundiais, ela é uma indústria de desinformação da extrema direita. É difícil de dizer isso porque as pessoas vão dizer ‘ah porque você é comunista’, mas é isso, a verdade é essa. Existe? Existe. Sempre vai existir uma tentativa de falsear uma informação, alguma coisa, sempre teve isso na política, é comum. Ou você dá só uma versão parcial, sempre existiu, mas não nesse nível de desinformação que a gente começou a ter que é uma tática. Já começou a ser estudado. O Steve Bannon está preso nos Estados Unidos por causa disso, porque os caras criaram isso, eles pensaram nesse negócio, e vão usar isso como arma”.


Jogando a culpa na mídia

A descredibilização da mídia também é uma parte importante do processo de desinformação. Angela explica que o descrédito aos meios tradicionais de comunicação é um processo político que colabora com a disseminação das fake news, visto que a intenção é dar fim às instituições. “Você está querendo criar um outro sistema, porque alguma coisa no lugar disso vai ter que surgir. E o que que vai surgir? E por que isso aqui não funciona mais a ponto de ser extinto e o que que vai funcionar no lugar? E quais são os preceitos dessa nova instituição que vai surgir aí? Porque uma coisa é você ter uma discordância, por exemplo, de um veículo de comunicação, de um tipo de jornalismo que seja feito, não tem problema nenhum, porque é esse o processo mesmo. Mas aí você discorda, discute, debate e muitas vezes esse veículo de comunicação se reformula, porque esse é o processo democrático. Esse é o processo da ideia, da construção da ideia, e você vai crescendo, recua, avança, mas não exclui, não extermina, porque quando você extermina é um processo muito autoritário, é um autoritarismo muito forte. Então essa que eu acho que é a grande questão desse viés. É um viés psicológico? É. Tem a ver com crença? Tem. Mas ele também tem um processo político que é um projeto de política muito específico”.

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Ao criar na população a visão de que a mídia mente, cabe às pessoas o último recurso, que é buscar informações em meios alternativos. E é aí que a desinformação se estabelece. Em entrevista ao portal Nexo, a antropóloga Letícia Cesarino comentou a lógica por trás de uma parte da população que acredita piamente em teorias conspiratórias. “Esses já têm uma dieta de mídia totalmente separada da esfera pública convencional, eles não veem a Rede Globo, eles não veem nem televisão mais, é tudo na mídia alternativa porque eles já enquadram a mídia convencional como esse lugar da hipocrisia, da mentira e da manipulação. Eles nem assistem e, quando as notícias chegam para eles dessas mídias, eles leem de forma invertida ou tentam decodificar o que estaria por trás daquela notícia. Mas eles nunca tomam como uma notícia real, uma notícia de fato, raramente, às vezes quando convém a eles. Mas eles têm essa desconfiança já intrínseca. Então, por isso, eles realmente vivem num mundo paralelo. Se eles estão imersos num ambiente de mídia totalmente separado da mídia convencional, eles vão acreditar nesses fatos e ainda tem essa característica que é muito da internet que temos hoje, que é o tal do viés de confirmação, que é algo que já está embutido nos algoritmos. Uma vez que esses públicos conspiratórios se separam do convencional, a tendência é realmente o viés de confirmação”.

A descredibilização da mídia também traz riscos aos profissionais da informação. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 2021o Brasil registrou 430 casos de violência contra jornalistas. “O questionamento se você faz um bom jornalismo, se você não faz, se a empresa faz se não faz, eu acho que ele é saudável porque inclusive faz com que você se mantenha nessa coisa de ‘não, vou fazer um trabalho melhor, vou fazer uma apuração melhor’. É uma preocupação da empresa também porque tem que ter anunciante, então em um dos lados é positivo esse questionamento saudável, mas esse constrangimento, essa perseguição e essa violência, que ela é efetiva, vai trazer qual resultado? O resultado de uma mídia enfraquecida no sentido do olhar das pessoas, porque você está tentando desfazer essa instituição imprensa, que é a imprensa que informa, imprensa que traz para você, porque você não tem acesso a todas as informações, e o WhatsApp não é meio de informação. Poderia até ser usado pelos jornais como um bom meio de informação, mas diante do cenário das fake news ele não é”, aponta Angela.

Casos mais recentes de violência contra jornalistas no Brasil foram registrados durante os protestos realizados após as eleições de 30 de outubro. Para André Marsiglia, advogado constitucionalista e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o papel da imprensa no que descreve como um momento de rachadura, é essencial, e deve ser exercido com sobriedade e tecnicidade. “Um ato é antidemocrático se ele não for pacífico, se ele por exemplo, como tem acontecido bloquear estradas, impedir o direito de ir e vir, se ele agredir como infelizmente a gente tem visto jornalistas sendo agredidos. Se ele no seu modus operandi, portanto, for criminoso. Agora não é porque um ato ele tem por tematização a democracia ou questiona a democracia que ele se torna um ato ilícito ainda que tenha por tema algo antidemocrático ele é considerado ele tem de ser considerado lícito e isso é preciso ser dito. Há um tempo atrás o STF decidiu que no famoso caso da marcha da maconha, que manifestantes se tratavam da legalização da maconha, e decidiu o STF que há o direito a se questionar legitimamente ainda que algo que é considerado pela lei ilícito. Portanto, o direito de reunião, de expressão e de manifestação ele é tão amplo e soberano que ele permite que se considere como o tema de uma marcha ou de uma manifestação lícita a ilicitude de alguma coisa. A democracia era para ser elástica a ponto de nela caber ao questionamento que se faça dela própria, senão a gente não tem uma democracia verdadeira, a gente tem sem dúvida uma democracia hipócrita e não é isso que nenhum de nós queremos. Então é necessário que compreendamos de fato que os atos são antidemocráticos se eles não foram pacíficos mas na tematização ainda que eles sejam antidemocráticos eles são lícitos e dá a esta manifestação direito legítimo que seja feito. Portanto, feita essa ponderação, agindo com sobriedade e os jornalistas dando livremente a sua opinião, sem dúvida a imprensa colabora para a pacificação desse momento para que a gente ponha a cabeça no lugar e possa seguir em paz nesse período pós eleitoral”.

André Marsiglia, advogado constitucionalista e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)


Como identificar uma fake news?

O processo de desinformação utilizada pela KGB seguia uma espécie de cartilha com sete passos, sendo eles a procura de divisões na sociedade; a criação de histórias tão ousadas que ninguém fosse capaz de acreditar que alguém a havia inventando; envolver a mentira em uma camada de verdade; fazer parecer que a mentira não havia sido criada por quem a criou; achar alguém que pudesse divulgar a mentira; negar a verdade e, por fim, jogar a longo prazo, ou seja, desinformar por tanto tempo que a mentira acabasse caindo no imaginário popular e parecesse verdade. As fake news seguem basicamente a mesma lógica, mas qualquer desinformação pode ser desmascarada. Para isso, é preciso estar atento aos sinais.

Angela comenta que um dos fatores mais presentes nas fake news é a questão da exclusividade. Algo que ninguém mais sabe, apenas aquele seleto grupo que está recebendo a desinformação. A professora também aponta que as fake news tentam simular um texto jornalístico, por isso apresentam o nome de alguma autoridade, ainda que desconhecida, para dar um aspecto de legitimidade ao que, geralmente, são enormes “textões”. Também é preciso ter cuidado com conteúdos que pedem para serem compartilhados com o maior número possível de pessoas. “Hoje a gente tem vários lugares em que a gente pode conferir isso, a gente tem muito processo de checagem. Então é sempre legal receber e checar, sendo de um lado ou do outro, porque a gente está vivendo um momento de insegurança na informação. E, ao contrário do que querem nos fazer acreditar, existem profissionais da informação. Você vai confiar em alguém que não treinou para ser profissional da informação ou em alguém que treinou para ser profissional da informação?”.

A honestidade intelectual também é destacada por Angela como ferramenta importante para distinguir bons e maus profissionais da informação. Segundo a doutora em comunicação, a honestidade intelectual envolve a disponibilização de uma visão mais ampla de determinado assunto, coisa que não acontece na desinformação. “O texto do jornalista profissional não é um texto para você acreditar, não é um texto para gerar crença. Ele é um texto para oferecer uma possibilidade de informação, de interpretação de um fenômeno, que é justamente o contrário do que as fake news fazem. Elas te oferecem tudo, elas te dão a crença, elas te dão a solução para o problema, elas te trazem essa exclusividade, que é uma coisa meio ególatra”.


O combate às fake news

Uma medida para tentar frear as fake news são as chamadas agências de checagem. Nelas, a desinformação é sistematicamente desmentida com a apresentação de fatos que demonstrem sua falsidade. A checagem, entretanto, não consegue acompanhar a velocidade da produção das fake news. “A gente não consegue ter essa velocidade porque o trabalho certo, honesto, correto, ele precisa de mais tempo. Infelizmente as fake news são mais rápidas e é sempre meio desalentador. Então a gente não vai vencer as fake news, nosso trabalho só piora”, expõeAngela.

Outra tentativa de acabar com a desinformação ocorre no campo judicial, com a retirada de conteúdos da internet. Marsiglia, porém, aponta que essa fórmula pode acabar se tornando uma censura. Segundo o advogado, o primeiro passo para que se consiga combater uma desinformação sem prejudicar a liberdade de expressão é entender o que de fato é uma fake news. “Para a gente pensar em um conceito de fake news a gente precisa pensar primeiro não no que é a fake news, no conceito, mas sim no que não é. Não é notícia falsa, que é a tradução literal. Primeiro que uma notícia, se ela é falsa, não é uma notícia, seria uma não notícia. Segundo que falso ou não falso, ou verdadeiro ou falso, não é parâmetro adequado para a gente avaliar fake news. Infelizmente esse é o conceito mais conhecido, mas está errado, notícia falsa não é o conceito correto. Conceito correto de fake news é conteúdo fraudulento. É isso. Então não é uma notícia, é um conteúdo, porque notícia tem um viés jornalístico e fake news não é jornalismo, e também não é falso, é fraudulento. E a diferença é grande, porque algo pode ser falso mas não ter a intenção dolosa, a intenção proposital de fraudar o debate. As fake news necessariamente são um conteúdo que possuem a intenção deliberada do autor de fraudar o debate, então não é só uma notícia falsa. É uma notícia que o autor constrói com a sabida intenção de fraudar o debate. O autor precisa saber que aquele conteúdo é um conteúdo equivocado e ainda assim escolher divulgar, publicar, disseminar. Essa intenção dele, ao fazer isso, é que torna aquele conteúdo fraudulento”.

Para Marsiglia, é preciso que se consiga fazer a distinção entre um conteúdo falso e um conteúdo fraudulento para só então iniciar o processo de retirada do ar. O advogado destaca, ainda, que o conceito de verdade e mentira é algo pouco palpável, e que algo que hoje se considera uma mentira pode se mostrar uma verdade no futuro, por isso as fake news estão mais ligadas a intenção explícita de mentir, e não a mentira em si. “O que é mentira em um momento no outro é verdade, as coisas são provisórias, não necessariamente a gente consegue identificar ou deve extirpar simplesmente aquilo que é considerado mentira no momento ou que é considerado uma inverdade. Então, se a gente lutar contra a mentira, se a gente lutar contra a falsidade, se a gente lutar contra a imprecisão, os tribunais têm considerado notícias passíveis de serem removidas notícias de jornal inclusive, notícias da imprensa, que são imprecisas tecnicamente, que tem uma manchete mais apelativa, o que é normal em qualquer manchete de jornal, a gente sabe que tem um apelo ao público natural naquilo. Se nós compreendermos erradamente portanto o que são fake news todo o processo de identificação, educação e remoção pelo judiciário desses conteúdos será um ato de censura, e não é que vai esbarrar, será definitivamente um ato de censura, pelo fato de que esses conteúdos são conteúdos legítimos. Todos os conteúdos são legítimos, mesmo aqueles que são falsos e que podem amanhã se tornarem verdadeiros. Eu não posso retirar aquilo do ar simplesmente pela possibilidade de provisóriamente estarem sendo considerados falsos”.

Angela acredita que cabe às instituições executivas, legislativas e judiciárias agir como reguladores para que todos possam se expressar. “Liberdade de expressão em um país democrático, que é signatário dos direitos humanos, é você não usar a sua liberdade de falar, de expressar seu pensamento, com ódio, de uma maneira em que você ataque as pessoas sem que elas possam se defender, basicamente é isso. Quando se tem liberdade você tem isso, você ataca, eu digo algo pra você, se eu te ofendo você tem como reagir a isso, e a gente tem essa liberdade de ir fazendo isso. Eu posso fazer isso, mas eu vou ter que arcar com as consequências disso. Então a liberdade de expressão e a censura estão aí. Eu não estou censurando você, mas um meio de comunicação ele tem que ter responsabilidade e ele tem que tratar os temas, as pessoas, os fatos, enfim, com equidade, que é diferente da tal igualdade. Equidade. É equilibrado. Óbvio que falta de um lado, falta de outro, a gente está sempre nessa balança, mas é por isso que as instituições precisam agir, porque senão eu tenho um veículo totalmente parcial, falando só de um lado e isso daí não é o direito social à informação. O direito social à informação é você ter informação de qualidade, feita por profissional com equidade, com equilíbrio, com honestidade intelectual, que acho que não se fala nesse negocinho tão básico”.

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