Zalishchyky, um reflexo de União da Vitória na Ucrânia
Uma cidade que cresceu no entorno de um rio em formato de U. A descrição se encaixa perfeitamente para União da Vitória, mas também pode ser utilizada para uma cidade no outro lado do oceano Atlântico. A semelhança entre União da Vitória e a cidade ucraniana Zalishchyky novamente chamou atenção nas redes sociais. Comparando duas fotos, pode-se dizer que uma cidade é o reflexo que a outra vê no espelho.
Os primeiros relatos da existência de Zalishchyky vêm da Idade Média, em 1340, contudo, só foi oficializada como cidade em 1766. O rio que banha o pequeno município de pouco mais de nove mil habitantes, e que tanto se assemelha ao Iguaçu, é o rio Dniester.
Zalishchyky, inicialmente, pertencia ao território polonês. Em 1914 foi capturada pela Rússia e, quatro anos após, foi anexada pela Ucrânia. Após uma guerra entre ucranianos e poloneses, voltou ao domínio de seu país de origem, mas ainda estava longe de ficar fora de conflitos.
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Em 1939, com a invasão da Alemanha a parte do território polonês, Zalishchyky novamente passou para outras mãos, sendo anexada mais uma vez pela Ucrânia, que neste momento já fazia parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante a Segunda Guerra Mundial, foi alvo de ataques, sendo parcialmente destruída. A população da pequena cidade também foi vítima, sobretudo a comunidade judaica. Após o fim da Guerra, passou por grandes reparos que trouxeram a cidade novamente à vida.
A gêmea ucraniana de União da Vitória fica situada dentro de um cânion. Talvez por isso o significado de seu nome seja ‘atrás da floresta’. E, assim como as irmãs do Vale do Iguaçu, Zalishchyky também é castigada por enchentes, sendo que as maiores foram registradas em 1863, 1871 e 1927. Outra similaridade está em uma das pontes da cidade, que lembra a nossa ponte de ferro. Porém, por lá, ela ainda é utilizada por trens.
A indústria de Zalishchyky é primordialmente agrária. Por lá plantam-se principalmente pêssegos, ameixas, uvas e tabaco. O rio Dniester também é importante para a economia, sendo utilizado como porto fluvial. Porém, a principal atividade da cidade é o turismo. Devido ao seu clima atrai, todos os anos, cerca de dez mil turistas.
Um pedaço da Ucrânia no Vale do Iguaçu
Talvez a maior similaridade entre União da Vitória e Zalishchyky seja parte de sua população. A cidade ucraniana faz parte da região da Galícia. E dessa parte do país vieram alguns dos imigrantes ucranianos que chegaram à União da Vitória e construíram sua vida às margens do Iguaçu, como no caso do bisavô do professor Marcos Aurélio Balaban.
Da escrivaninha da escola durante um intervalo e outro nas aulas da rede estadual de ensino, o professor, descendente de ucranianos e poloneses, se concentra em pensamentos e, em oração, pede paz em meio a crise entre Ucrânia e Rússia. Ele abaixa a cabeça, entrelaça os dedos e franze a testa demonstrando tristeza e apelo por aqueles que nem conhece, mas que mesmo de longe, respeita. O professor também pede ao mundo piedade.
Marcos faz parte de uma comunidade que mantém, no Vale do Iguaçu, as tradições ucranianas. Professor, diretor cultural, coreógrafo, dançarino, artesão de pêssankas e membro do Núcleo de Artesões de Pêssankas de Porto União, Balaban, como é conhecido na região, une religião e cultura ucraniana e as mantém vivas. Em seu currículo, recria o cenário ucraniano nas mais variadas formas como palestrante e idealizador de cursos voltados à cultura ucraniana, além de ser líder da comunidade ucraniana do Distrito de São Cristóvão em União da Vitória. Também já atuou como Catequista e coordenador do Movimento Eucarístico Jovem (MEJ) e do Grupo Jovens Ucranianos da Santíssima Trindade (Justri).
Balaban atualmente desenvolve trabalhos voltados ao estudo e desenvolvimento da perpetuação da cultura ucraniana por meio da arte em geral. Paralelamente com os demais grupos de danças folclóricas na região, é presidente e diretor coreógrafo do Grupo Folclórico Ucraniano Fialka, que possui mais de duas décadas de história em União da Vitória.
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Em 2017, participou do curso de formação de coreógrafos Virsky Experience, em Kiev, capital da Ucrânia. “Acredito que tudo iniciou em minha família, pois foi lá que eu aprendi os primeiros ensinamentos e valores sobre a Ucrânia. Mas o que marcou fortemente a minha infância foi o meu pai que é descendente de ucraniano e que falava muito de meu bisavó, Basílio Balaban, o qual teria chegado da Ucrânia vindo da Galícia, com o passaporte Austríaco. Essas histórias me empolgavam muito, além da preservação da cultura e costumes que meu pai e minha mãe, também descendente de poloneses, me repassavam. Meu pai sempre frequentou com minha mãe a Igreja Ucraniana Santíssima Trindade (hoje Paróquia) no Distrito de São Cristóvão e sempre eu e meus irmãos estávamos lá juntos com eles participando da Divina Liturgia na língua ucraniana. Mas, sobre a nossa cultura, conhecíamos aquilo que nossos pais transmitiam, os outros aspectos não conhecíamos quase nada, apenas sentíamos que fazíamos parte daquela identidade e sabíamos que é uma cultura muito rica. Porém, o primeiro contato com a cultura ucraniana foi na catequese, pois foi lá que eu conheci sobre a língua ucraniana, os cumprimentos usados em datas especiais, as festas litúrgicas, iconografia, bordados. Mas o que mais me marcou foi quando um dia em que a Irmã Maria Smaha, da Congregação Ucraniana São José, nos apresentou um pouco sobre o artesanato ucraniano. A Irmã Maria foi quem me convidou para ajudá-la, em uma atividade na Escola Saint Joseph, auxiliando em uma oficina de pêssanka para as crianças. A partir daí senti que aquilo fazia parte da minha vida. A partir de então decidimos fazer parte desta arte, preservando os traços do povo ucraniano”, relata.
A Ucrânia é o maior país em extensão territorial totalmente europeu. O território ucraniano está localizado no Leste da Europa e tem sua história fortemente ligada aos povos eslavos que habitavam essa porção do globo. A cultura ucraniana também guarda muitas tradições eslavas, tendo a Ucrânia conseguido sua independência oficial em 1991, a partir do desfalecimento da URSS. Tal processo resultou em profundas reformas econômicas e políticas no país, mas também em crises internas. “Cito o Dia da Independência da Ucrânia que é o principal feriado estadual na Ucrânia atualmente, celebrado no dia 24 de agosto em comemoração à Declaração da Independência de 1991”, lembra Balaban.
Atualmente, o professor tem demonstrado profunda preocupação da comunidade ucraniana no Brasil em razão do conflito entre Ucrânia e Rússia. “Temos recebido desde o século 19 as influências das imigrações ucranianas pelo Brasil. Estamos agora passando por um período muito triste para a comunidade ucraniana e eu falo isso em nome de todos os descendentes do Vale do Iguaçu. A situação é caótica. Rezemos pela paz. É o que eu peço. Apesar de a invasão da Rússia vir ocorrendo desde 2014, com a Crimeia, sempre acreditamos em uma solução política ou no diálogo. Nunca acreditamos que uma situação como essa fosse acontecer, pois mexe com nossos sentimentos e tradições. A nossa ligação com o país é muito forte”.
Ajuda Humanitária
Considerado um dos expoentes da cultura ucraniana no Sul do Paraná e Planalto Norte Catarinense, Vilson José Kotviski, morador de Porto União, afirma que os descendentes têm acompanhado diuturnamente os noticiários sobre o conflito.
Atual presidente do Clube Ucraniano e do Folclore Ucraniano Kalena no Vale do Iguaçu, Vilson acrescentou que a Representação Central Ucraniano-Brasileira lançou na quinta-feira, 03, o Comitê Humanitas Ukraine Brasil, com intuito de coordenar ações de ajuda humanitária de emergência necessárias à Ucrânia.
Conforme explicou o presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitório Sorotiuk, em convite para lançamento público, a iniciativa terá apoio de cerca de 20 entidades civis e religiosas, como o Centro de Apoio ao Estrangeiro no Brasil e no Exterior (Caebe), Associação Comercial Inovação e Indústria Brasil Ucrânia, Associação da Juventude Ucraniano Brasileira (Ajub), Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraniana (TPUC) e os Consulados de São Paulo e Curitiba.
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As ações do grupo serão focadas no atendimento dos refugiados e na realização de cadastro e acolhimento. Atualmente, o alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) da Organização das Nações Unidas (ONU) já contabilizou mais de um milhão de pessoas que cruzaram a fronteira da Ucrânia em direção a países europeus para fugir da guerra.
Em União da Vitória as ações de ajuda humanitária estão sendo articuladas via Clube Ucraniano, na rua Marechal Deodoro, no bairro São Basílio Magno.
Guerra entra em sua segunda semana
A guerra entre Rússia e Ucrânia entrou em sua segunda semana na quinta-feira, 03. Na quarta-feira, 02, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução condenando a invasão russa ao território ucraniano. Ainda na quarta-feira, a Rússia começou a realizar exercícios com forças nucleares após o presidente russo, Vladimir Putin, colocar as forças nucleares em alerta máximo.
Em contrapartida, Rússia e Ucrânia passaram por uma nova rodada de negociações. A delegação ucraniana afirmou que as partes não chegaram a um acordo pela paz, mas que um cessar-fogo pode ocorrer para facilitar a retirada de civis das áreas de combate.
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