Opinião: Argentina e Brasil, ou como direita e esquerda respondem aos mesmos problemas
Todos sabem que a gravidade das questões argentinas supera as dificuldades brasileiras, mas é sempre possível traçar um paralelo entre as respostas oferecidas por Javier Millei, legítimo representante da direita, e Lula, ícone sul-americano da esquerda.
Ainda que as situações de ambos os países tenham peso diferente, é muito significativo avaliar o padrão das ações reparadoras oferecidas pelos líderes de pontas opostas da métrica ideológica.
No caso brasileiro, Lula tem reiteradas vezes afirmado que a segurança alimentar e a dignidade mínima da população estão acima de qualquer meta de equilíbrio fiscal, deixando evidente que a prioridade é social, talvez por isso o pacote proposto pelo governo brasileiro apenas tangencia o real problema, o déficit fiscal, que sangra continuamente as finanças nacionais. Importante frisar que é muito provável que o governo tenha capacidade de represar o problema fiscal até as vésperas da próxima eleição, preservando a viabilidade eleitoral, sempre comprometida quando os planos afetam a economia com intensidade.
Claramente, o governo brasileiro tenta reduzir o peso dos problemas da população de baixa renda, buscando recursos no andar de cima que permitam um alívio da carga tributária, de novo poupando a baixa renda, e eliminando a possibilidade de ajuste de curto prazo, logo é muito razoável imaginar que se chegue em 2026, ano eleitoral, convivendo com o problema. Cortar na carne, pelo receituário tradicional, gastando no limite da arrecadação, significa estancar várias ações assistencialistas que, ainda que combatam a fome e a baixa renda, conspiram contra o equilíbrio fiscal.
Adicionalmente, Lula precisa saciar a fome do Congresso, que cobra em emendas o preço da governabilidade, enfrenta ainda resistências respeitáveis na área militar e no Judiciário para cortar excessos, como supersalários e mordomias históricas que corroem nossos impostos. Impossível imaginar que o governo, qualquer que seja, tenha capacidade de impor todas as restrições necessárias e ainda preservar governabilidade e viabilidade eleitoral.
Javier Millei tinha muito menos espaço de manobra. A Argentina estava realmente quebrada, naquilo que batizar de herança maldita ainda seja uma expressão leve para o descalabro montado pelas gestões anteriores, pelo menos nos últimos vinte anos.
Era imprescindível que as resoluções fossem urgentes e contundentes, face a gravidade da situação econômica, com um super conjunto de todas as tragédias econômicas compiladas (inflação sem controle, juros elevados, câmbio múltiplo, reservas quase zeradas, caos total). E Millei foi rigoroso.
À beira da crueldade, até por falta de opção, o governo argentino reduziu o déficit público de 17 para 4%, no curto prazo, com extremo rigor nos cortes públicos, incluindo demissões em massa, funcionários com menos de um ano de contrato, redução de cargos, secretarias e ministérios, abandono de obras públicas, zero em publicidade e uma infinidade de medidas impopulares, comprometendo gravemente suas chances eleitorais, ou, para ser mais preciso, apostando tudo na recuperação de renda e emprego, em até 3 anos, e além de zerar o déficit, fazer a economia voltar a crescer.
As medidas contundentes de Millei já produzem respostas positivas: um superávit mínimo inédito nos últimos 16 anos e uma leve curva de crescimento da economia no horizonte de curto e médio prazo. É justo também mencionar que a fome e a pobreza afetam um número muito maior de argentinos neste momento.
Não tem efeito orloff desta vez. Argentina e Brasil seguem na contramão no enfrentamento da crise fiscal. A Argentina prioriza a recuperação das finanças nacionais e o faz a qualquer custo, enquanto o Brasil protela porque não desiste de priorizar o social, mantendo ações assistencialistas que comprometem o resultado fiscal e, por outro lado, não avança em sangria excessiva nos cortes que possam comprometer o trânsito político tanto na Faria Lima como nos rincões nordestinos.
Importa também registrar que o Brasil bate recordes deste século de empregabilidade, já com o pleno emprego no horizonte, ainda que a qualidade dos novos empregos seja, em média, inferior aos anteriores.
A releitura do artigo pode lhe oferecer um bom manual de diferenças entre esquerda e direita e, sem entrar no mérito, permite que se entenda claramente os dilemas que os governantes enfrentam para manter seus compromissos político eleitorais e cumprir sua missão administrativa.
Sem juízo de valor, ouso apenas afirmar que as decisões, em qualquer dos casos, está muito atrelada ao jogo eleitoral e, portanto, comprometida gravemente pelos projetos pessoais de cada governante.
Mais uma vez, fecho uma coluna com uma conclusão óbvia: a possibilidade de reeleição conspira contra a racionalidade das decisões, sempre pressionadas pelos compromissos partidários e pelos projetos pessoais de poder.
Neste aspecto, reitero o veredito, independente de quem seja seu ídolo político de plantão, inclusive porque, se você não o tem, é muito provável que assine o texto comigo.