Opinião: As primeiras lições das urnas de 2024

Admito que qualquer conclusão, faltando poucos dias para as eleições, pode ser precipitada, mas algumas tendências relevantes parecem autorizar a antecipação de algumas leituras. A mais relevante é que a estratégia de colar rejeição no adversário se consolida como a mais efetiva.

Eleições de grandes centros, com dois turnos, já estabelecia uma dualidade na necessidade de construir uma boa candidatura e, em segundo plano, desconstruir a imagem dos adversários, em especial se investidos de poder. Foi assim por muito tempo, mas agora as prioridades estão definitivamente invertidas, porque não basta elevar o próprio piso, sendo imprescindível rebaixar o teto eleitoral do adversário e isto se faz com o lado B das campanhas, em muitos casos abrindo o saco de maldades, com todo o arsenal disponível.

Lógico que isto gerou uma grande desfasagem das eleições em dois ou turno único porque as premissas são muito diversas. Enquanto nos grandes centros, a intimidade do eleitor com os candidatos é muito precária, se abre um leque enorme de possibilidades para a construção de um personagem, desenhado pelo marketing, que busca somar qualidades exigidas pelas pesquisas qualitativas com um discurso artificial, elaborado até nas pausas e virgulas, para aproximar o candidato do perfil desejado pelo eleitor. Resulta muito mais num produto do que do cidadão que todos conhecem nos pequenos municípios, onde a capacidade de mascarar defeitos é bem menor.

Estas questões criam uma situação quase histórica: quanto menor o município, maior a personificação da disputa. Face a proximidade entre eleitor e candidato, que se trombam com frequência na rotina diária, ideias e projetos se tornam irrelevantes diante da imagem que antecede a disputa, logo as razões pessoais, qualidade e imagem do candidato são extremamente relevantes e, mesmo quando existe palanque eletrônico, eles raramente alteram a ordem dos fatores. O único fator de desequilíbrio relevante é o financeiro, em relação direta: mais dinheiro mais votos. Observe-se que, em municípios muito pequenos, os currais eleitorais, sendo mais discreto, os votos pré-definidos, reduzem a capacidade do dinheiro definir eleições.

Colégios eleitorais entre dez e cem mil eleitores são os mais vulneráveis à influência financeira, pela incapacidade de contato direto com o cidadão e a necessidade de investir da divulgação das mensagens, reforçado pelo peso menor das redes sociais, considerando inclusive que quase inexistem influencers locais com peso eleitoral. Nestas praças, bandeiras eleitorais e grupos políticos são fatores importantes e podem possibilitar uma ampliação da aprovação dos nomes. Palanque eletrônico, rádio e tv, nestas cidades, são mais relevantes que redes sociais para consolidação de ideias e tendências.

Cidades com segundo turno exigem estratégias mais elaboradas, porque o eleitor está distante e quase inacessível para o contato pessoal, exigindo a massificação da campanha, com a utilização dos recursos disponíveis, mídia ou redes, como essenciais para cumprir metas, Proporcionalmente, talvez sejam os votos que exijam mais investimentos financeiros pela eficácia limitada das redes sociais e pela visibilidade cada vez mais reduzida do rádio e tv, que eleitores trocam pelos streamings ou outras opções.

Já nos grandes centros, sempre sem desprezar o palanque eletrônico, é justo concluir que as redes sociais são mais relevantes para impactar os eleitores, inclusive produzindo efeitos de curto prazo mais eficazes, não eliminando a influência do dinheiro, mas permitindo uma significativa redução do custo unitário do voto. Ressalvo que tem se mostrado muito mais eficientes em produzir rejeição que aprovação do eleitorado.

O debate da direita x esquerda também tem relevância diretamente proporcional ao eleitorado, quanto maior o colégio, maior a intensidade da polarização ideológica, mas acredito que gere simpatia, não definição de votos. Basta observar que candidatos do PL de Bolsonaro ou do PT de Lula não devem obter resultados importantes nas grandes cidades e capitais, inclusive pela verificação evidente que as lideranças até geram simpatia, mas potencializam as rejeições e, neste sentido, optar por siglas parceiras pode otimizar o balanço aprovação x rejeição da candidatura.
Lula não vai eleger ninguém, embora possa ajudar.

Bolsonaro também não vai eleger ninguém, ainda que tenha peso nos palanques.

Lideranças mais próximas, prefeitos atuais e governadores tem muito mais peso na disputa municipal e a única leitura consequente das urnas municipais, parece ser consolidar a supremacia numérica da direita. Enquanto no Sul, o eleitorado deve repetir 2022, optando maciçamente por candidatos de direita, no Nordeste lulista, o PT não reproduz seu sucesso nas urnas. Todavia, enquanto a esquerda fecha porteira com Lula, por absoluta falta de alternativa e porque Lula não cede um milímetro para ninguém, na direita a fragmentação é notória, para além da campanha estapafúrdia de Pablo Marçal.

Marçal não deve nem mesmo ir ao segundo turno, mas sai muito maior das eleições e, com facilidade migrará para uma sigla robusta sendo figurinha certa no álbum de 2026. Ratinho e Caiado também devem sair cacifados das urnas, em especial se confirmarem êxito nas respectivas capitais, se credenciando para o jogo sucessório, onde cada vez demonstram menos aptidão para o papel de coadjuvantes. Zema, todavia, define seu tamanho: servirá no máximo para completar uma das chapas.

Tarcísio aposta as fichas na eleição paulistana. Sem derrotar Boulos e Marçal, parece limitado ao quadro estadual, todavia, em caso de vitória, terá muito mais méritos que o hesitante Bolsonaro que ainda não definiu como encarar o novo fenômeno da direita e parece apostar que é melhor dar corda para que o próprio Marçal se enrole com suas comédias.

A tragédia do Rio, onde Ramagem torra o dinheiro do PL e o prestígio de Bolsonaro, alinhado com a redução da relevância no pleito paulistano, deixam o inelegível Bolsonaro mais longe das urnas e exceto por uma improvável anistia, que pode reacender o pavio do Mito, teria chances inquestionáveis apenas de ser o presidente do Sul do Brasil.

Como qualquer pesquisa, esta leitura é apenas uma foto de uma eleição ainda mais dinâmica que as anteriores, mas um pouco de audácia, já permite antever as lições das urnas municipais de 2026.
Lamento concluir que o processo eleitoral segue em queda vertiginosa. É cada vez mais deprimente acompanhar política no Brasil.

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