Opinião: As urnas devem parir uma direita caótica e uma esquerda anoréxica

Democrata é um tipo de gente engraçada porque está sempre acreditando que as urnas da vez poderão parir uma solução inédita para o país. Coleciona decepções, mas está sempre achando que das teclas, a qualquer momento, surgirá um salvador da pátria. Triste ilusão.

Repetindo as versões anteriores, as urnas municipais de 2024 trazem as mesmas velhas lições com algumas pequenas variações e uma tênue expectativa que o segundo turno reduza a decepção com nosso processo eleitoral. Todavia, algumas conclusões já se consolidam na cena política que, pretensiosamente, passo a discorrer.

A leitura mais evidente é a inquestionável constatação que a direita tem mais votos que a esquerda no país, fato que as urnas reforçarão com bastante ênfase, incluindo algumas disputas importantes, de segundo turno, apenas com nomes da direita, todavia a direita unida em torno de um único líder ficou na história. Direita radical, civilizada, moderada, autêntica… são alguns dos epítetos que se alternam para definir os novos espaços ocupados pelos nomes ascendentes desta ponta.

Para manter a polaridade em alta, os problemas de cada lado apresentam dimensão oposta. Se a esquerda sofre com o comando único de Lula, na direita o problema é oposto: Bolsonaro perdeu a supremacia, ainda que se mantenha como o principal eleitor.

Lula, muito perto da definição de bananeira que já deu cacho, inclusive pela condição etária, segue sem permitir que ninguém sobreviva à sua sombra, fato que permite que alguns enxerguem a primeira-dama como a eminência parda do terceiro mandato, deixando menores líderes que necessitam de oxigênio para projetar a esquerda da próxima década. Sem lideranças com personalidade suficiente para se impor, Lula comanda com mão de ferro, garantindo unidade para 2026, o que pode ser positivo, mas deixando um vácuo já visível nas disputas estaduais, onde, até mesmo em estados onde a esquerda tende a ser majoritária, a direita impõe nomes com densidade eleitoral.

É possível que o caudilhismo de Lula conceda o quarto mandato à esquerda, mas parece óbvio que a escassez de nomes compromete a competitividade do grupo. Mesmo Haddad, que superou a baixa expectativa com boa capacidade de diálogo, transitando com a mesma fluidez no Congresso ou na Paulista, recebe o prestígio que o coloque como alternativa de poder. Flavio Dino contemplado com o STF é apenas um coringa para 2030 que só entra em cena por ausência de opções. Fora destes, nada!

Na outra ponta, talvez pelas circunstâncias que, por ora, impedem a escalação do titular natural, Bolsonaro, a disputa segue ativa com profusão de nomes, alguns até já projetados para 2030. Claro que o furacão Marçal perde forças e deve ficar fora do segundo turno paulistano, mas nada que atrapalhe seus negócios para 2026, exigindo um redesenho de forças na direita.

Pablo Marçal tem várias metas, algumas político eleitorais. É possível que em 2025 atinja cinquenta milhões de seguidores e uma disputa presidencial dobre de novo este número, transformando prefeitura ou presidência apenas em bônus. Em termos eleitorais, também mudou de patamar, sendo previsível que, mesmo sem ser o candidato formal da direita, vai largar com dois dígitos, projetando, depois de muito tempo, uma eleição com vários nomes disputando a liderança e as vagas do segundo turno. Se não exagerar o enredo da peça, Marçal tem condições reais de ser o adversário de Lula no segundo turno, ainda que cadeirada não surta o mesmo efeito de facada, inclusive porque comédia será sempre diferente de drama.

Na vaga oficial da direita, sem Bolsonaro, Tarcísio é o favorito, ainda que a vitória de Ricardo Nunes em São Paulo seja o estímulo fundamental porque a opção pela reeleição o preserve com muito mais chances para 2030. Por conta disto, o jogo segue em aberto, talvez com Ronaldo Caiado, que tem apenas esta eleição como alternativa, se projete com maior vigor, buscando inclusive garantir uma legenda que lhe dê segurança para concorrer. Ratinho, que deve sair ainda mais valorizado das urnas, tem números muito mais eloquentes para a disputa, fruto de uma administração segura, com pouca exposição e quase nenhum escândalo relevante, com uma vantagem adicional: tem idade para esperar no Senado por uma oportunidade mais segura.

Neste aspecto, a situação é incomoda, não havendo solução natural com potencial inicial de se contrapor à Lula, algo que Bolsonaro faria com toda a certeza. Outro problema é que a escalação de um nome que não deslanche, abre caminho para Marçal, cujo maior problema é que todo seu grupo cabe no espelho do seu quarto.

Deixando a análise de nomes para uma avaliação mais consistente depois do segundo turno, salta aos olhos a exposição da falência do nosso modelo político-partidário com uma profusão de siglas cada vez mais especializadas em negócios eleitorais, com o devido respeito às honrosas exceções, exigindo que a sociedade estude como pressionar as lideranças para uma reconstrução mais ética, talvez acelerando o enxugamento das siglas que reduz a possibilidade que que sejam apenas feudos, sem cheiro de democracia e cada vez mais focados nos “acordos” de divisão do poder.

Com relação à disputa eleitoral, parece lembrar o futebol atual, com todas as equipes jogando mais ou menos da mesma forma, passando a depender de um lampejo de talento dos competidores. Todos jogam igual, tocando de lado e arriscando muito pouco, apostando no erro do adversário, muito mais empenhados em conseguir que a torcida enxergue as limitações dos adversários do que se empolguem com as qualidades do seu time.

Os jogos eleitorais estão cada vez piores, mas, surge uma expectativa de que o próximo campeonato nacional tenha mais que duas equipes disputando o título e isto pode ser muito bom para a democracia.

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