Opinião: “Criticar político será preconceito contra minorias”
Como é um tema fértil, escrevi muito nesta coluna sobre a recente sentença que proibiu o humorista Léo Lins de falar sobre quase todas as minorias do mundo, mas, talvez por distração, a sentença tenha se esquecido de proteger uma única minoria das piadas e críticas da nossa opinião pública: a dos políticos processados e condenados. Tal desatenção judicial não passou batida pelo nosso poder Legislativo que, num piscar de olhos, trouxe à luz um projetinho porreta para acolher essa minoria desguarnecida.
Não é piada, leitor. Esta coluna é séria; não estou aqui para fazer rir. Mas também não é minha culpa se no Brasil oscilamos do cômico ao grotesco como um pêndulo de relógio antigo, e se escolhemos sempre punir o cômico e reverenciar o grotesco, o que não deixa de ser cômico.
Sem mais delongas, está em trâmite na Câmara dos Deputados o PL1748/23, da deputada Dani Cunha – ela mesma, a filha de Eduardo Cunha –, que pretende alterar a lei 7.716/89, que pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, para incluir nesse rol os políticos, por sua condição de processados ou condenados.
Insisto, não é piada. E tem mais.
O parágrafo único do artigo 1° do malfadado complemento à lei promovido pelo PL cria para esse grupo historicamente fragilizado pela fiscalização da imprensa a denominação de “pessoas politicamente expostas”, e arremata a pataquada ao estender a proteção também a quem exerce “função pública relevante” – se é que isso não é um paradoxo –, e, claro, para “os familiares e outras pessoas do relacionamento” do político.
Ou seja, se um político for processado por corrupção, não apenas o parlamentar e seus familiares serão protegidos do preconceito público, mas também as pessoas de seu relacionamento: advogados e até mesmo as pessoas que o levaram a se corromper. Todos estarão livres da crítica dos jornalistas e formadores de opinião, que terão sua conduta tipificada como crime de injúria e poderão ser condenados de dois a cinco anos de prisão e multa. Poderia o projeto da deputada ter ao menos a delicadeza de prever que não ficassem na mesma cela o jornalista preso por denunciar o político preso por corrupção. Mas não houve esta fineza no texto.
Um outro ponto curioso é que a condição de “pessoa politicamente exposta” está restrita aos agentes públicos que sofrem processos ou são condenados sem trânsito em julgado. Ou seja, se um jornalista criticar o político antes do trânsito, preconceito; depois do trânsito, liberdade de expressão. Por aí vemos que o projeto não apenas é um absurdo, como também possui uma técnica jurídica bastante comprometida.
Torna-se crime de preconceito também que os bancos neguem ao político processado ou condenado a abertura ou manutenção de contas bancárias. Mas, convenhamos, nem tratarei disso, pois a história nos tem mostrado que as pessoas politicamente expostas preferem quase sempre se valer de outros expedientes para alocar suas reservas.
A existência de um Projeto de Lei que coloca políticos ao lado de negros e nordestinos como sofredores de preconceito expõe ao ridículo a classe política muito mais do que qualquer crítica. Mas tentativas como estas nos permitem leituras de nosso tempo: mostram como a liberdade de expressão se banalizou diante de qualquer alegação de preconceito. O discurso de que alguém sofreu preconceito parece ter se tornado na sensibilidade pública o suficiente para relativizarmos toda e qualquer coisa, uma espécie de kryptonita à liberdade de expressão.
Mesmo aos que comemoram tal relativização, cabe o alerta: o uso excessivo do que venha a ser preconceito também torna inevitável seu caminho para algum tipo de banalização, como faz este projeto de lei. Na última semana, a imprensa noticiou que a Câmara desistiu de votar com urgência o projeto. A única urgência que penso existir é a de que o retirem da frente de nossos olhos o mais rápido possível.
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