Opinião: “E se todo o judiciário fosse como o TSE?”

Tenho escrito e criticado com recorrência o Judiciário, sobretudo as Supremas Cortes de Brasília: Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outro dia, um amigo me disse brincando – espero – que eu estava me tornando uma espécie de corregedor informal do STF e do TSE.

Acordei hoje pensando nisso. Poxa, é sábado, está um baita sol, não devo escrever novamente um artigo sobre a politização das Supremas Cortes. Avaliei então escrever uma crônica, algo literário, e passei a pensar nos estilos que mais me agradam.

Adoro livros que logo no primeiro minuto criam uma realidade paralela e convidam o leitor a experimentá-la. Mas gosto dos que criam realidades paralelas críveis, não bobagens fantasiosas feito essas séries grotescas que ganham a simpatia da molecada. Quem faz muito bem esse papel e me agrada é Saramago e livros seus como Ensaio sobre a cegueira ou Intermitências da morte.

Este último, aliás, na primeira frase já diz a que veio: No dia seguinte ninguém morreu. Daí por diante, se estabelece com o leitor o combinado de que, na narrativa, a morte será suspensa por sete meses, ocasionando uma impensável desorganização na vida das pessoas, que só então notam o quanto a morte tem uma função reguladora. Genial.

Fiquei um tempo pensando em temas assim. Cheguei a cogitar desistir de escrever o texto. Talvez, avisar ao pessoal da Crusoé que o cachorro tinha comido meu artigo, como fiz muitas vezes na época de escola. Mas não havia como. E fui adiante.

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Sou advogado, atuo em casos de mídia e censura às liberdades de expressão e a realidade paralela mais próxima de mim é o impulso ativista e muitas vezes autoritário das Supremas Cortes, desde 2019, com a inauguração do inquérito das fake news. E, assim, inspirado em Saramago, comecei a pensar comigo: e se no dia seguinte todo o judiciário fosse igual ao STF e ao TSE?

Pensei como ficariam os Tribunais de segunda instância, se tivessem como regra decisões monocráticas, proferidas por um só juiz, como tem ocorrido tantas e tantas vezes no STF, tantas e tantas outras no TSE. Mas será que já não é assim que os Tribunais de segunda instância fazem? Na maior parte dos julgamentos que tenho presenciado, o relator dá sua decisão e os demais desembargadores o acompanham sem discussão, quase como se discordar do voto do colega consistisse em uma espécie de desrespeito.

Refleti, então, como seria se, de forma similar ao que acontece com os ministros das Supremas Cortes, os juízes de primeira instância decretassem aleatoriamente sigilo aos processos, passassem a adotar medidas liminares muitas vezes de forma precipitada e afoita, tratassem determinados assuntos, temas e partes como urgentes e outros como se merecessem o braço esplêndido da fila eterna de julgamento. Mas já não será exatamente isso que, não todos, mas muitos juízes de primeira instância fazem? A realidade paralela que criei parece ser muito mais realidade do que paralela.

A verdade é que o Judiciário brasileiro, de forma geral, já é igual ao que há de mais criticável nas Supremas Cortes. E é justamente por isso que precisamos de um STF e de um TSE diferentes. Precisamos de ministros prudentes e discretos, pacificadores e sábios, passivos e observadores, que sejam calmos, e não afoitos, técnicos, e não políticos, portadores da última palavra sobre um tema, e não da primeira, capazes de consertar julgamentos das demais instâncias, e não de piorá-los.

As Supremas Cortes existem como refúgio dos possíveis erros das demais instâncias. Para isso estão lá os ministros. Para nada mais. Nada! Quanto à minha crônica, fica para a próxima, se as Supremas Cortes permitirem.

André Marsiglia, advogado constitucionalista e membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)

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