Opinião: “O dono da legenda decide”

Um rápido olhar para o panorama político americano, escancara a agonia com a candidatura à reeleição de Biden, envelhecido e com sérias restrições cognitivas que tornam o exercício do cargo mais importante do planeta quase proibitivo.

Todavia, face às regras eleitorais, Biden venceu a indicação ao cargo pelos Democratas, apenas ele pode desistir da candidatura e, exceto pela pressão possível, não há artifício para substituí-lo que não passe pela sua assinatura.
O fato surpreende por se tratar da nação americana, mas não se iluda, por aqui é ainda pior.

Enquanto no modelo americano, políticos e financiadores, velada ou abertamente, exercem pressão pela desistência e, em pouco tempo, deverão lograr êxito com Kamala Harris, atual vice, assumindo a candidatura em breve, no Brasil, preso, condenado, inelegível, talvez até foragido (exagerei?), os donos das siglas seguem soberanos na condução de suas legendas e no comando da distribuição das verbas partidárias e eleitorais que os garantem na liderança. Por aqui, financiador opina, mas é quem comanda o dinheiro que decide tudo.

Felizmente, seguimos em um caminho adequado para minimizar este problema, com as severas e progressivas restrições e cláusulas de desempenho que devem promover a redução de trinta e cinco para seis a nove siglas até 2030. Os efeitos positivos desta medida são variados e podem, no médio prazo, eliminarem desvios da nossa democracia.

Quem conhece, sabe que as estruturas partidárias são feudos indomáveis, sob tutela rígida dos donos da legenda, segundo uma hierarquia que transfere poder, migrando em cada escalão, em cadeia de autoridade descendente e que, a critérios do patamar superior pode ser interrompido a qualquer momento.
A quase totalidade das instâncias partidárias são provisórias e instáveis, desta forma, se qualquer município, por decisão democrática local, contrariar a orientação estadual, pode ser dissolvido e substituído por alguém mais “obediente”. Esteja certo de que, ainda no processo atual, tem muito pretenso candidato a prefeito que ficará fora do páreo por escolher o “padrinho” errado.

Os problemas da nossa organização partidária não cessam na possibilidade de intervir sem critério e podem ser ainda mais prejudiciais à democracia. As regras de distribuição de recursos dos fundões são flexíveis e sujeitas a todo tipo de desvio de conduta, praticadas com a certeza de impunidade porque anistia para estes crimes são rotineiras no Congresso. É o vale tudo com liberação geral; candidaturas laranjas, contas fantasmas, prestações de conta irreais, candidatos submetidos a uma espécie de rachadinha do fundão, também achei estranha a expressão, mas, para ser mais preciso, significa que o candidato para receber cinco, deve comprovar dez, “limpando” a metade para os donos da legenda ou seus autorizados.

A literatura de crimes desta ordem é farta e a punição praticamente nula porque, além da tradicional impunidade das elites políticas, prevalece o corporativismo porque ninguém quer correr riscos e, portanto, é mais seguro garantir atalhos para situações pretéritas ou futuras.

Assim como ocorreu em 2022, onde, independente da sigla, a lista dos candidatos eleitos teve total sintonia com a lista de valores distribuídos pelas legendas. Em levantamento divulgado nesta coluna, demonstrei que, para as siglas de todo o espectro, os eleitos receberam em média dez vezes mais que os suplentes da mesma legenda e, mesmo usando a média de recursos por voto, se pode afirmar que a distribuição de recursos públicos, fundões, comprometeu a democracia do pleito.

Tomando as siglas referências, das duas pontas da régua ideológica, os eleitos foram contemplados com valores entre 1,8 e 2,0 milhões, enquanto os suplentes receberam entre 150 e 200 mil reais. Não é difícil concluir que a possibilidade de ser votado com investimento eleitoral dez vezes maior é suficientemente grande para comprometer a democracia. Ouso afirmar que os donos das legendas, com a força do direcionamento das verbas, definiram pelo menos um em cada quatro deputados federais.

Nas eleições municipais, é evidente que o dinheiro não chega nos pequenos e raramente irriga o pleito das cidades médias, logo sobram valores para escolher as melhores apostas nos grandes centros, onde a estratégia de cada sigla, muito mais focada em se credenciar para 2026, se sobrepõe a qualquer outro critério alternativo.
Porém, os ajustes da micro reforma política de alguns anos, que podem e devem ser ampliadas para suprir lacunas e desvios visíveis a olho nu, precisam ser priorizadas e só o serão diante de intensa pressão popular, afinal quem quer trocar ou dividir a chave do cofre tão recheado?

Mesmo a nossa presidência de coalizão, que pode, facilmente, participar da lista de agravantes do custo Brasil, pela intensa queima de recursos públicos via emendas parlamentares, terá um grande alívio se conseguir libertar o titular de plantão das negociatas que precedem cada batalha parlamentar. Mesmo que você não goste de um ou outro, como brasileiro me incomoda ver presidentes que se sucedem se ajoelharem para acertos múltiplos com inúmeras siglas que sangram nossos recursos para suas demandas eleitorais ou pessoais, mas, em ambos os casos, desprovidas de leitura técnica.

Por fim, será que você consegue imaginar uma reforma administrativa séria que não contrarie interesses políticos relevantes?

Na origem do nosso atraso, estão as limitadas margens de investimento em infraestrutura, industrialização e otimização da nossa grade de ofertas de emprego, ainda amarradas no setor primário, reproduzindo amostras da primeira metade do século passado das nações desenvolvidas.

Sei que a pauta nos conduz a lamentar a situação do partido democrata americano, mas, com dois minutos de informação, a conclusão é óbvia: as lágrimas brasileiras deveriam ser mais intensas.

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