Opinião: “O inquérito das fake news precisa acabar”

Não faz o menor sentido que uma democracia se leve a sério e tenha inquéritos excepcionais completando cinco anos de existência, como ocorreu com o das fake news, no dia 14. Na verdade, não se trata de um, mas de oito inquéritos que orbitam em torno do Supremo Tribunal Federal, como tentáculos em torno de um polvo.

Fui o primeiro advogado a atuar nos inquéritos, à época, defendendo a revista Crusoé da censura que lhe impunha a Corte, e posso garantir que não se trata de tarefa fácil: tudo sob sigilo e o direito das partes relativizado a todo tempo.

E para que tanto gasto de energia e verba pública? Para a democracia ser preservada de seus inimigos, dirá alguém. Mas um combate que se perpetua e é travado sob regime de exceção de direitos e garantias fundamentais se torna ele próprio o maior inimigo da democracia.

Inquérito serve para investigar algo concreto. Não existe possibilidade jurídica de investigar uma pessoa ou um fato por cinco anos, não chegar a nenhuma conclusão e tudo seguir normalmente.

Os atos do dia 8 de janeiro, tão propagados como graves, e o suposto planejamento de um golpe de Estado, tão propagado como concreto e danoso, não foram previstos nem desmantelados por nenhum dos inquéritos. As autoridades fizeram questão de dizer terem sido todas elas pegas de surpresa.

Se nossa democracia esteve realmente por um triz, como dizem estas autoridades, mesmo existindo inquéritos com poderes ilimitados e investigações colossais há cinco anos, parece estar mais do que óbvio que as investigações infinitas do STF não cumpriram sua função. No lugar de serem imprescindíveis, foram ineficazes.

Ou seja: se temos, tivemos ou tivermos uma democracia em perigo, os inquéritos não se justificam. E não se pode conceber serem injustificáveis, pois, neste caso, servem apenas como trampolim para o exercício desproporcional de poder de uma instituição do Estado e de seus servidores públicos.

A democracia não precisa de inquéritos sigilosos para se proteger. A democracia precisa de democracia. É o suficiente. O inquérito das fake news e seus desdobramentos todos precisam acabar.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.

Possui alguma sugestão?

Clique aqui para conversar com a equipe de O Comércio no WhatsApp e siga nosso perfil no Instagram para não perder nenhuma notícia!

Voltar para matérias