Opinião: “O mundo em ebulição”
Desde a metade do século XIX, Mikhail Bakunin, ideólogo do anarquismo, surpreendeu o mundo com suas ideias radicais, proclamando posturas inéditas, sociais e políticas, de modo bem genérico, colocando o indivíduo acima do Estado, ou se preferir, o indivíduo agindo na ausência de organização hierárquica formal.
Esta teoria sempre povoou a cabeça de indivíduos em momentos de crise intensa e de atuação caótica dos órgãos reguladores, governos em especial. Talvez a face mais visível desta questão ocorra quando indivíduos acreditem que a situação em que vive é tão insustentável que a ausência de comando seria menos danosa.
As experiências práticas desta teoria são incipientes e, ainda assim, persistem como uma alternativa radical que se apresenta em momentos limítrofes nas economias modernas. Seria isto que se desenha na Argentina, nas eleições deste fim de semana?
Provavelmente não. Milei, favorito da eleição Argentina é, sem dúvida, uma resposta à situação caótica da economia platina que apela para projetos radicais muito mais como alavanca de marketing, porque realmente é uma maneira eficiente para garantir muitos holofotes.
Uma rápida revisão, mostra Jair Bolsonaro afirmando que “O erro do governo foi torturar e não matar” ou “No período da ditadura, deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique, o que seria um grande ganho para a Nação”. Nem mesmo seus eleitores mais fiéis acreditam que ele defendia assassinatos em massa ou a morte de FHC, mas ainda assim suas declarações indicavam uma profunda revolta com a situação política nacional e isto gerava uma profunda identidade, sem que as declarações absurdas fossem consideradas na íntegra.
Uma leitura próxima dos argumentos listados pode explicar o estado de espírito dos nossos vizinhos hermanos que, possivelmente, depois de duas décadas de erros e frustrações, talvez seja a hora de “chutar o balde”. E Milei é exatamente isto.
Lógico que ele não vai tocar fogo no Banco Central, não terá facilidades para dolarizar a economia, embora seja possível, e muito menos conseguirá normatizar a venda de órgãos humanos, mas, como no caso brasileiro, o eleitor não interpreta suas loucuras na íntegra, mas as entende uma reação radical a tudo que acontece no país.
Sem dúvidas, Milei é um bom representante da direita, mas Patrica Bullrich também o é e não acredito que este fato seja fundamental. A verdade é que os argentinos perderam a fé em soluções convencionais e, salvo uma reflexão centrada de última hora, o mundo está prestes a assistir a aventura governamental mais próxima da anarquia desde que Bakunin a concebeu.
De modo geral, vejo isto como uma tendência mundial, a sociedade tem feito a opção pelas pontas, direita ou esquerda, como resposta mais relevante, principalmente nas Américas e Europa, considerando que na África vive uma espécie de primavera árabe reeditada. Basta olhar o mapa que se verifica um acréscimo significativo de governos polarizados, com consequente redução de administrações de centro.
Sujeito a tua contestação, diria que a polarização, visível em quase todas economias e países, é fato consumado desde o início desta década, mas a radicalização representa o segundo tempo desta tendência.
Um outro fator precisa ser avaliado. Depois de algumas décadas, superando até a guerra fria, a supremacia americana não é mais inquestionável, nem na economia, nem na política, ainda que culturalmente deva prevalecer por, no mínimo, mais alguma gerações. Não é um fato irrelevante porque despertou desejos expansionistas em muitas nações e, como em qualquer escritório, a ausência do patrão libera instintos primitivos em muitos.
A invasão da Ucrânia, a iminente guerra entre árabes, até mesmo a recente primavera africana, fatos que podem ser seguidos por outras aventuras, aponta para um quadro global preocupante. A ONU não tem mais capacidade de construir consensos, conferência de líderes, como Yalta no pós-guerra, são impensáveis no mundo contemporâneo.
É imprescindível que vozes sensíveis se levantem e lutem pela garantia de um planeta em harmonia, muito bom assistir o Brasil tentando, ainda que sem êxito, percorrer este caminho.
É fundamental entender que os verdadeiros problemas da humanidade, são a mudança climática, agora incontestável, e a desigualdade que gera fome que, por sua vez, gera fluxos imigratórios que serão cada vez mais intensos. Infelizmente, será necessário que a violência e a miséria batam à porta do primeiro mundo para gerar reações contundentes.
Não precisamos de guerras, a paz é indispensável para, unidos, cuidarmos da aldeia global. Religião e política podem nos dividir, mas a solidariedade precisa ser o fator mais relevante.
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