Opinião: “Teatro dos poderosos”

Julgo fundamental que não se permitam distorções nos fatos de 8 de janeiro; foi uma tentativa de golpe articulada em minúcias por gente que entende de estratégia, contou com profissionais treinados que souberam conduzir centenas de brasileiros de boa índole que, movidos pela paixão política, cometeram atrocidades contra o patrimônio público.

Teatro dos poderosos

Primeiro registro deste texto; de novo, mais uma vez, o Brasil permite que se julgue e condene os pequenos e faz vista grossa para os poderosos. A velha camaradagem da elite dominante, política e econômica, que se estende por todos os poderes, prefere prestar contas à sociedade apontando para a periferia e protegendo o centro do poder. Será que existe alguém, não acometido por paixão política, que considere possível aquele atentado sem um comando militar e financeiro?

Todavia, o Brasil dos poderosos sabe que não se deve mexer com generais, a elite do exército, nem mesmo com empresários, a elite econômica, para não comprometer o equilíbrio hipócrita que comanda o país, independente de quem esteja no governo.

Considero um compromisso de cidadania e de ética, que brasileiros que conseguem perceber este teatro dos poderosos, não mais se calem. O Brasil da decência só será possível quando revisitarmos os princípios basilares da nossa Constituição.

Poderiam me ajudar a encontrar este país onde todos são iguais perante a lei? Desculpem-me, mas isto é muito utópico. Continuamos sendo um país rigoroso com pobres, pretos e minorias de toda a ordem e extremamente cordial com aqueles que vivem à sombra do poder. Será que é ilusão achar que as chances de um cidadão pobre, preto e da periferia sair da cadeia, por roubar alimentos, é menor que um deputado ou empresário por assaltar uma empresa pública?

Todos nós sabemos a resposta. Por determinação histórica, nossas Capitânias hereditárias se perpetuaram na alma da elite que constrói e está sempre renovando formas de autoproteção, que os coloca em um patamar diferente da população. Sim, uma casta estabelecida por recursos financeiros e direitos hereditários.

O grande problema é que este joguinho de direita x esquerda é um ótimo subterfúgio para nos manter em combate contínuo, achando que isto altera alguma coisa, e nos limita a capacidade de enfrentar as questões mais relevantes que realmente podem nos ajudar na construção de uma Nação justa.

O princípio basilar do nosso sistema federativo, equilíbrio entre os três poderes, é ultrajado diariamente e nem mesmo temos a capacidade de reagir. Serei breve e objetivo para apontar apenas alguns desvios.

No Judiciário, a migração de seus integrantes para o Executivo persiste, agora com o capítulo Lewandowski que sucede ao capítulo Moro e tantos outros, induz ao questionamento; será normal que a caneta que julga o Executivo em dezembro lhe seja subalterna em janeiro? Uma profunda revisão que reavalie uma série de questões parece o único caminho para restituir credibilidade à justiça no Brasil. Talvez centrada no STF, por tudo que representa no imaginário popular. Regras com respeito à meritocracia, ainda que se permita a finalização pelo presidente, tempo de mandato, quarentenas e alteração das regras de convergência das ações porque o Supremo não pode ter tempo de julgar questões insignificantes e deixar na gaveta escândalos eloquentes que prescrevem por absoluta conveniência, são imprescindíveis e urgentes. Lógico, sem pressão social jamais ocorrerão.

Basta ler a Constituição; poder legislativo tem a função de legislar, fiscalizar, estabelecer pontes entre a população e o Estado e facilitar a governabilidade. Não consigo encontrar o artigo que determina o direito de distribuir verbas, de impor emendas, de adotar critérios políticos pessoais, ou no mínimo unilaterais, para dividir recursos que quase não existem. Sem hipocrisia, o volume de emendas é do tamanho da covardia do executivo que prioriza o poder e não a governabilidade. Não consigo enxergar decência em emendas impositivas. Se não tem dinheiro nem para obras básicas, se os cortes sangram a saúde e a educação, por que a afronta de permitir recursos para deputados asfaltarem as entradas de suas fazendas?

Recebi muitas críticas porque sempre afirmei que, embora tenham qualidades e defeitos que os diferem, tem muita coisa que torna iguais Lula e Bolsonaro, e tantos outros que os antecederam. São todos personalistas e sedentos pelo poder.

Assumem preocupados em criar barreiras para novas lideranças e começam a campanha da reeleição no dia seguinte à posse. Em suma, são iguais em relação ao objetivo principal; se manter no poder enquanto for possível e, todos sabem, isto tem um custo insano para a população.

Com a tua ajuda, poderíamos preencher várias laudas em reforço às teses apresentadas. São desnecessárias. Importa perceber o nosso papel neste momento, reagir à escalação do teatro da política que nem mesmo nos deixa ser atores coadjuvantes. Somos apenas marionetes do jogo do poder, em uma versão moderna que não repete palavras, mas fakes metodicamente formatados pelos autores da peça, que nos escravizam presos na leitura rasa e na paixão infinita.

O Brasil que queremos não virá pela via direita ou esquerda, isto importa muito pouco, as mazelas serão sempre as mesmas. Mas poderá ser diferente quando nos recusarmos a comprar ingressos do mesmo espetáculo que apenas muda a direção a cada quatro anos.

Precisamos usar as nossas armas; conscientização e pressão popular para o ajuste, ou apenas o retorno, aos princípios que projetaram uma Nação digna, onde se governe e se faça justiça para todos.

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