Opinião: “Um quadro na parede”
Um grande jornalista, amigo do meu pai em Brasília, com passagem pelos melhores veículos gráficos do país, certo dia, didaticamente me disse “a gente olha e avalia o quadro na parede, as obras em construção no ateliê ainda não nos interessam”. Esta é a questão: o quadro na parede.
Este preâmbulo responde a uma simpática provocação da amiga Tania Tait, também articulista do Bisbi, que comentava sobre a prioridade quase absoluta da imprensa em tecer críticas a quem está no poder, direita ou esquerda, evocando a fúria de uns e a aprovação de outros, como em uma gangorra que lhes muda o carimbo, mas não o desenho.
Repito o grande escritor Millor Fernandes: “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Muito razoável para que se entenda o humor dos jornalistas, basta recordar Henfil, para quem “jornal sem crítica não serve nem como papel higiênico”, mas é necessário também registrar a realidade do andar de cima é muito diferente do andar de baixo, em referência ao posicionamento da imprensa.
Tenha em mente que apenas dois fatores são relevantes para a imprensa: faturamento e audiência e nem sempre os dois trafegam no mesmo sentido. Como qualquer empresa, veículos de comunicação buscam o equilíbrio entre receita e despesa que justifiquem sua manutenção e, infelizmente, a grande maioria deles só fecha a conta com verbas públicas, inclusive alguns grandes, e, como você sabe perfeitamente, as críticas também podem ser muito bem remuneradas, embora isto seja mais raro e, normalmente, restritos aos períodos eleitorais.
Importante também entender a lógica do faturamento público. Nenhum órgão de governo pode comprar opinião porque toda e qualquer verba está atrelada a um anúncio específico, com preço tabelado e acordado entre as partes, inflexíveis dentro do ano, ainda que superfaturados em relação ao mercado privado. Nesta altura da nossa conversa, você já percebeu que verbas geram simpatia…
Um dono de jornal de Maringá assumia com bom humor esta questão e, em períodos eleitorais, convocava os candidatos até a sua sala e iniciava o discurso: “gosto muito de você e está na hora de saber o quanto você gosta de mim”, encerrando a frase esfregando os dedos na clássica mímica que evoca dinheiro. Foi assim na era analógica e não dá sinais que mudou na era digital.
Mas a realidade é diferente para variados tipos de imprensa e de sua relevância.
É muito comum no país que pequenos veículos, jornais em especial, tenham sua sobrevivência totalmente vinculada a verbas públicas, municipais e estaduais, visto que verbas nacionais não tem capilaridade suficiente e, por isso, se tornam apenas apêndices das prefeituras, filtrando pautas para não desagradar o patrão de plantão. Apenas veículos relevantes, com profunda identidade com a cidade e região, atingem o equilíbrio com verbas privadas e podem definir livremente suas linhas editoriais.
Na grande imprensa, embora a realidade seja atualmente mais perversa, a dependência de verbas públicas é menor e dificilmente morrem de inanição quando os governantes fecham as torneiras das verbas, porque o fator audiência é muito mais relevante. Elogios são sempre suspeitos, mas críticas vendem jornal e geram repercussão. Vender publicidade ou assinaturas tem relação direta com a repercussão de suas matérias e isto exige que as pautas sejam relevantes ou polêmicas.
A pauta ora em discussão talvez te ajude a entender por que grandes veículos despertam sempre o ódio dos simpatizantes de quem está no governo. A oposição está sempre feliz com a grande imprensa e a situação os chamando de bandidos, em lógica que só se inverte com novas respostas das urnas. Assim, por exemplo, a Globo, nossa maior referência, será a líder das grandes causas para alguns ou a globolixo para outros, embora, nas duas circunstâncias esteja apenas realizando o seu papel com a mesma eficiência.
Aproveito a carona no texto para registrar a admiração por inúmeros companheiros que seguem suas linhas editoriais e resistem bravamente à comercialização de suas opiniões, sendo extremamente relevantes para a consciência nacional, exigindo cautela dos governantes mal-intencionados e preservando impostos dos cidadãos, inclusive daqueles que insistem em atirar pedras apenas porque é a senha liberada por seus líderes.
Finalizando, batizando os humores, estejam certos de que a imprensa não morre de amor, nem de ódio, por Bolsonaro ou Lula porque não são eles que movem as engrenagens. Faturamento e audiência é que apontam os caminhos e definem pautas.
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