Opinião: “Zanin não mostrou ainda o que pensa sobre liberdade de expressão”

No final da semana passada, foi derrubada pelo ministro Zanin censura imposta à revista “Piauí” por reportagem em que a publicação citava personagens do programa “Mais Médicos pelo Brasil”. Um juiz de primeira instância de Brasília, em medida liminar, mandou suprimir o nome de dois retratados, bem como ordenou o recolhimento das edições impressas da revista.

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Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A decisão de Zanin foi fácil. A Piauí é uma revista consolidada, os autores da ação não são figurões poderosos e o juiz censor não preza nem um pouco pela sutileza. A ministra Rosa Weber, inclusive, já havia decidido caso idêntico em 2020. A revista censurada era outra, mas o juiz censor era o mesmo e, na ocasião, mandou suprimir da reportagem o nome de uma deputada. A censura foi revogada pela ministra, após ajuizamento da Reclamação Constitucional 43.190 MC/DF ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O juiz do caso que envolvia a deputada entendeu não se tratar de censura, pois era possível a leitura do texto sem o nome da retratada. Fui contratado à época como advogado da revista e aleguei que a doutrina norte-americana mostrava que, em casos como este, incidia o chamado chilling effect (efeito inibidor), uma forma de censura em que não se impede a circulação da informação, mas se faz com que circule amputada, não chegando de forma íntegra e integral ao leitor.

No Brasil, ainda se falava pouco a respeito do tema e a decisão da ministra reconheceu – acredito que pela primeira vez na jurisprudência do Supremo – o chilling effect. Três anos depois, o juiz do caso Piauí mostra não ter aprendido nada com Rosa Weber – Zanin, felizmente, sim. Mas como afirmei, a censura contra a Piauí era cristalina. Estou curioso agora para ver o ministro atuar em casos cinzentos.

Quero ver se vai derrubar censuras contra os que não fazem parte do chamado “jornalismo profissional”, contra veículos pequenos e independentes achatados por autoridades locais e para os quais ninguém liga a mínima, pois não dão audiência. Quero ver como agirá com jornalistas que possuem preferências políticas controversas, como resolverá os casos em que há políticos graúdos e empresas poderosas expostas. Quero ver como se sairá quando a liberdade de expressão contrariar  grandes interesses.

Proferir voto contra censuras óbvias é importante, mas fácil. Proferir votos que agradam direita ou esquerda em um país esculhambado ideologicamente como o nosso não tem importância alguma, como já escrevi na semana passada. O ministro mostrará a que veio se posicionando contra a censura quando o caso for nebuloso e as partes, poderosas. Vivemos em um país em que a democracia é relativa para muitos governantes. Vejamos se a liberdade de expressão também o será para o ministro estreante.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.

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