“Pandemia aumentou casos gástricos em consultórios”
Principal queixa é a doença do refluxo. Especialista comenta o assunto
Ricardo Monte Junior, gastroenterologista no Vale do Iguaçu (responsável pelo tratamento clínico das doenças do aparelho digestivo), membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED), acredita que a pandemia fez aumentar os casos gástricos em consultórios. De acordo com o especialista, o isolamento social para evitar o contágio da Covid-19 fez com que muitas pessoas alterassem seus hábitos alimentares.
Um exemplo, segundo o médico, foram as queixas sobre a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), popularmente conhecida como doença do refluxo, que se caracteriza pelo retorno do conteúdo gástrico para o esôfago, cuja mucosa não está preparada para receber substâncias ácidas e irritantes, e que também pode alcançar a boca, provocando alterações dentárias, ou atingir a laringe e os pulmões. Os sintomas vão desde azia ou queimação que se origina na boca do estômago até dor torácica intensa, que pode ser confundida até com a dor da angina e do infarto do miocárdio.
Dados do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD), de 2020, apontam que o refluxo gastroesofágico acomete cerca de 25,2 milhões de brasileiros, o equivalente a 12% da população. O problema tem tratamento que varia desde as mudanças de hábitos alimentares até cirurgia para correção do quadro.
Monte Junior possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente é médico gastroenterologista/endoscopista da Clínica Endogastro em Curitiba (PR) e na Clínica de Saúde São Camilo, em União da Vitória.
Confira a entrevista:
Jornal O Comércio (JOC): Doenças que acometem o sistema digestivo são recorrentes?
Ricardo Monte Junior (RMJ): Pois sim, é algo que acontece muito e, é prevalente aqui em nossa região. Acredito que a pandemia aumentou os casos gástricos em consultórios por conta das mudanças alimentares. O que eu percebo é que a população tem demonstrado interesse em se cuidar, em investigar determinadas dores e buscar por uma definição do que está acontecendo no seu corpo.
JOC: O que é doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)?
RMJ: Como o próprio nome já diz é o retorno do conteúdo gástrico para o esôfago, cuja mucosa não está preparada para receber substâncias ácidas e irritantes. Os sintomas mais característicos seriam a regurgitação ácida, que é a sensação do líquido do estômago subindo pelo peito; queimação que se origina na boca do estômago, mas pode atingir a garganta; tosses e pigarros; esses são os sintomas extra-esofágicos. Porém, os sintomas típicos do refluxo eu citaria a azia, que em alguns casos as pessoas confundem até com gastrite ou enjoos. Vale lembrar que clinicamente cada doença tem as suas particularidades no tratamento. Geralmente o paciente é tratado com omeprazol, pantoprazol e outros, que são os principais remédios utilizados no tratamento do refluxo gastroesofágico. Eles agem bloqueando a etapa final de liberação do ácido gástrico.
JOC: Como é que o suco gástrico consegue se manter restrito no estômago?
RMJ: A doença do refluxo acontece basicamente por três motivos: quando há ácido no estômago e não é para refluir no esôfago, vale lembrar que nós temos um mecanismo que acaba fechando a entrada do estômago que é o esfíncter esofágico inferior (EEI), que se localiza logo abaixo do diafragma, que é a estrutura que separa o tórax do abdômen. O que acontece é que quando nós comemos esse músculo relaxa, abrindo, consequentemente a comida adentra o estômago. Porém, em algumas pessoas esse músculo relaxa por mais vezes, ou esse músculo fica mais fraco (hipotónico) e em algumas outras situações pode alargar o estômago, fazendo uma hérnia de hiato (que leva ao mau funcionamento do esfíncter esofágico inferior).
JOC: Refluxo e azia, qual é a relação?
RMJ: O refluxo ácido normalmente reflui o conteúdo para o esôfago. Até porque o estômago tem mecanismos de proteção contra a acidez, bem como auxiliar na digestão. Em algumas situações pode acontecer a queimação no estômago também. O refluxo gastroesofágico é aquela queimação que sobe no tórax. As demais doenças, como a gastrite, aparentam queimação no abdômen mesmo.
JOC: O refluxo pode trazer alterações no sistema respiratório, como por exemplo provocar a tosse?
RMJ: Existem alguns pacientes em que o refluxo pode voltar até em cima, na parte superior do esôfago, irritando em alguns casos as cordas vocais, a faringe como um todo. O sintoma mais frequente é a tosse seca ou a sensação de pigarro que surge quando existe muco em excesso na garganta. Geralmente o paciente procura primeiramente um otorrinolaringologista, que depois acaba indicando um gastroenterologista. O que temos reparado é que os pacientes com tosse não tem relatado azia e queimação.
JOC: Em que situações o refluxo é mais frequente?
RMJ: É mais comum em pacientes sedentários, obesos e com má alimentação. Até porque não é só a parte genética que importa, mas sim, os hábitos de vida que acabam virando gatilhos para o início da doença (refluxo). Já há estudos sobre a prevalência da doença no Brasil e, que apontam que entre 10% e 25% da população apresentam diagnóstico da doença. A maioria dos pacientes tem relação com a obesidade e a má alimentação. A parte alimentar é muito importante. É correto dar um intervalo entre o jantar e ir para a cama. Essa é uma das orientações não farmacológicas do tratamento, mas sim uma orientação comportamental. Não se deve fazer uma alimentação volumosa no período da noite; deve-se tentar permanecer pelo menos uma hora sentado ou em pé para que aconteça a passagem da comida. Não é indicado se deitar após a refeição. O indicado é permanecer mais inclinado. A questão comportamental do paciente acaba sendo mais importante até que a medicação.
JOC: Quais os alimentos que mais favorecem o refluxo?
RMJ: Maior parte das vezes são aqueles alimentos que exigem maior digestão, como é o caso do café, chá preto, chimarrão, gorduras, frituras, frutas cítricas, alimentos condimentados e com muito sal. O ideal é manter a alimentação saudável e com moderação. Uma alimentação balanceada auxilia para o não aparecimento dos sintomas.
