Problema não é sentir ansiedade e sim o que fazer com o sentimento, diz psicóloga

Manter a mente saudável é crucial para a qualidade de vida. Preocupações e sentimentos ruins são parte naturais de nossa existência, porém, é importante saber distinguir quando esses fatores intrínsecos passam a ser um problema. A psicóloga, Luana Scheid, conversou conosco sobre a ansiedade e como lidar com esse transtorno.

Formada pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR-RJ) com especialização em psicomotricidade (IBMR-RJ) e formação em terapia cognitivo comportamental (FNCL), Luana está finalizando a especialização em Orientação Familiar. (INTCC-RJ). Já atuou em clínicas de psicomotricidade e também como psicóloga escolar. Atualmente, realiza palestras sobre saúde mental em ambientes corporativos, estudantis, além de oferecer atendimentos psicológicos online e compor a equipe Integrar Terapia Cognitiva.

Probelma não é sentir ansiedade e sim o que fazer com o sentimento, diz psicóloga

Psicóloga Luana Scheid, Foto: arquivo pessoal

Confira a entrevista

Jornal O Comércio (JOC): A ansiedade é um problema dos dias atuais? Por que existem tantas pessoas sofrendo com esse transtorno atualmente?
Luana Scheid (LS): A ansiedade sempre esteve na nossa vida e a ansiedade é boa para nossa sobrevivência. Toda e qualquer emoção tem essa função de auxiliar na nossa sobrevivência. Então, desde os homens das cavernas isso já acontecia. É um sistema de luta ou fuga que a gente tem. Mas por que agora está aparecendo mais? Porque agora a gente está vivendo uma vida também muito mais acelerada. Então essa ansiedade fica mais em voga, porque a gente é mais chamado a fazer coisas com mais pressa. Vamos pensar: quando a gente era criança a gente esperava uma foto. Tinha que revelar a foto, tirar foto. A gente vivenciava essa espera. Hoje em dia não existe mais isso de esperar. Não existe mais você esperar uma carta chegar, não existe mais você ficar esperando aquele episódio que só saía uma vez por semana. Hoje é tudo muito acelerado, e essa aceleração do mundo faz com que a gente tenha também essa ansiedade mais em voga. E a gente já sabe, atualmente, que o ambiente que a gente está é o que mais afeta o nosso comportamento. Quando eu falo comportamento não é um mau comportamento ou um bom comportamento. É a nossa ação mesmo, é o se comportar diante da vida, é a reação que as emoções causam na gente. Se eu tô num ambiente que valoriza a correria, que valoriza a ansiedade, eu vou achar que é massa eu ser ansioso. Eu vou achar “poxa, eu preciso ser ansioso, porque aqui, isso é um valor pra esse lugar onde eu estou, então eu vou demonstrar meu trabalho. As pessoas ficam trabalhando até 10, 11 horas da noite. Como é que eu vou sair no meu horário de 8 horas? O que vão pensar de mim?”. E aí a gente vai entrando nessa ansiedade, nessa corrida.

JOC: Até que ponto a ansiedade é algo natural? Quando ela se torna algo nocivo?
LS: Primeiro que a ansiedade todo mundo tem. É uma emoção que todos nós temos. Nasceu, tem ansiedade. Não existe uma pessoa que não tenha ansiedade. Só que o que que é que diz que é a ansiedade natural ou patológica, que é o transtorno de ansiedade generalizado, o TAG? A gente sempre pensa em quatro itens: a gente pensa no fator da quantidade de ansiedade que existe, da frequência que essa ansiedade tem, da intensidade que essa ansiedade tem, e do prejuízo que ela tem na nossa vida. Além disso, do sofrimento clinicamente para a vida da pessoa. Pense assim, se eu tenho uma intensidade de ansiedade nível 10 todos os dias da minha vida, tudo que eu vou fazer eu fico ansiosa, eu sofro muito com isso e eu tenho um prejuízo no meu trabalho, porque eu não consigo trabalhar bem, eu não consigo focar porque eu só fico pensando no futuro, nessa antecipação, então a régua para saber se é uma ansiedade natural ou patológica é quando tem esses quatro fatores: frequência, intensidade, prejuízo e sofrimento. Se eu tenho um desses quatro muito grandes, é hora de procurar ajuda. E ajuda é com psicólogo ou psiquiatra.

JOC: Existe diferença entre ansiedade e ataque de pânico?
LS: Não existe diferença. O nome científico é ataque de pânico. A gente diz que é uma pessoa teve um ataque de pânico. A crise de ansiedade é do senso comum, os leigos dizem, mas a gente diz que é um ataque de pânico, então é a mesma coisa. A pessoa ter uma crise de ansiedade ou ataque de pânico é a mesma coisa. O que difere é a forma que a pessoa conta, mas os sintomas são os mesmos. O que difere também é o que desencadeia esse ataque de pânico na pessoa. Muitas vezes são preocupações. A ansiedade é muito embasada na preocupação que a pessoa tem acerca da vida, acerca do que vai acontecer no dia de amanhã. Essa preocupação, se ela tem uma intensidade, uma frequência e um prejuízo, está muito para essa situação.

JOC: Quais os sintomas da ansiedade? Eles podem mudar ao longo da vida?
LS: Geralmente segue um padrão. Você percebe como se fosse aquele elevador subindo aqui dentro de você, aí você sente aquele calor, aí você começa a sentir o coração acelerar, você sua, você fica tonto, você fica com agitação psicomotora, que é o corpo ficar inquieto. E aí o que acontece? Por que é tão importante a gente falar sobre isso? Porque uma vez a pessoa sabendo que ela está entrando numa crise de pânico, ela consegue frear, ela consegue parar. Se ela percebe, se ela já sabe que quando está com o coração acelerado pode ser que esteja dando início a uma crise de ansiedade, um ataque de pânico, ela já sabe que está no início de uma crise e que ela precisa parar tudo que está fazendo, precisa respirar, precisa se conectar com as coisas de fora, que são todas as estratégias comportamentais.

JOC: Em que momento é necessário entrar com medicação para controlar a ansiedade?
LS: A gente pode ir sempre naqueles quatro pilares de intensidade, de frequência, de prejuízo e de sofrimento. A terapia, o padrão ouro atualmente para TAG é a medicação psiquiátrica e Terapia Cognitiva Comportamental (TCC). Então, se você está em uma crise de pânico muito forte, esse é o melhor tratamento que você tem. E a terapia, o que ela vai te ajudar? Ela vai te ajudar, inicialmente, a identificar quais são esses sintomas. Depois, ela vai te auxiliar a identificar quais são os seus pensamentos, as crenças que você tem acerca daquela situação para depois você começar a pensar nessa regulação emocional, porque isso é uma desregulação emocional. (…) A gente precisa identificar sempre esse sofrimento da pessoa e a terapia faz essa identificação dos sintomas. Depois de identificar os sintomas, a gente identifica os pensamentos, porque uma vez os pensamentos estando distorcidos, a sua emoção também vai ficar mais distorcida. Aí, dentro da TCC, a gente fala muito sobre o psicoeducação, que é a gente falar com o paciente sobre o transtorno ou sobre os sintomas que ele tem, porque uma das premissas da TCC é que o paciente se torne seu próprio terapeuta. Ou seja, que ele comece a identificar tudo que está acontecendo para que ele consiga lidar. Não é uma terapia de vida toda, ficar cinco, dez, 15 anos. Não. É uma terapia que tem início, meio e fim. A terapia cognitiva comportamental ajuda muito nessa redução dos sintomas. A gente não fala em cura. A gente fala em atenuação, em redução dos sintomas. Por que como é que eu vou garantir para o meu paciente que ele nunca vai ter outra crise de pânico? Não tem como. Eu não sei como é que vai ser a vida dele. Mas eu sei que ele vai ter mais ferramentas e mais habilidades para lidar com aquela situação. A gente vai ensinando isso e ele vai naturalizando, normalizando o fato dele sentir uma ansiedade.

JOC: O quanto é importante as pessoas saberem lidar com as emoções no sentido de que não podemos ser felizes o tempo todo?
LS: A gente fala muito sobre o realismo emocional, que é justamente isso. É você entender que você não vai ficar feliz o dia inteiro, porque se a gente fica feliz o dia inteiro, a gente tá num estado de euforia, que também é um transtorno. Não existe você estar feliz o dia todo, assim como se você estiver triste o dia todo você também está em um estado de transtorno. Está com um transtorno de depressão, por exemplo. Então, entender que faz parte da emocionalidade humana, da vivência humana, você passar por todas essas emoções ao longo do dia, como se fosse uma montanha russa de emoções, e está tudo bem. O problema, mais uma vez, não é você sentir. O problema é o que você faz com esse sentimento. O ponto é sempre esse. Qual a minha reação diante daquela emoção? Qual a minha reação diante daquela situação? Eu vou ter uma impulsividade? Por exemplo, já percebi que eu estou ansiosa e que eu estou com meu coração acelerado, e que quando isso acontece eu fico com mais raiva, eu fico mais agitada, eu fico mais grosseira, e isso vai me dar prejuízo. O meu comportamento diante do que eu estou sentindo, e não sentir. Sentir não é um problema. Aí é importante que a gente possa ir acolhendo sempre tudo que a gente sente e entendendo que eu sinto isso tudo, você também sente isso tudo. Tem inclusive um mito acerca dos psicólogos de que psicólogo não sente nada, psicólogo sabe lidar com tudo. Não. Eu também tenho minhas dores, eu também tenho meus momentos de tristeza, de angústia, de dificuldade.

JOC: As redes sociais têm influência na sensação de ansiedade?
LS: Colabora de uma forma muito negativa. Muito mesmo. Por que a gente fica na comparação com o outro e a gente esquece que ali é só um recorte da vida do outro. O outro está ali mostrando uma partezinha e não o todo que aconteceu na vida dele. Dia desses fui visitar minha família. Foi um momento muito bom, postei uma foto da família toda reunida, todo mundo sorrindo. Mas antes disso aconteceram coisas que foram desagradáveis. Teve choro, teve um momento de dificuldade, uma pessoa da minha família passou mal de manhã, mas nada disso estava lá no Instagram. Quem olha lá, passa no feed e fala “nossa parece quase aquela família de propaganda de margarina”. Mas não é. Então, entender que aquilo é um filtro, é uma fatia do todo, não é o todo. E a gente ter essa flexibilidade psicológica também, de olhar para aquela situação e falar “bom, mas será que é só isso aqui, será que não tem uma outra parte para além disso?” auxilia muito a gente a não sofrer tanto. Não quer dizer que eu não vá sofrer, porque o sofrimento faz parte da vivência humana. A gente vai sofrer. Tem que partir desse princípio, mas entender que o ambiente que eu estou vai fazer toda a diferença. A rede social é um grande ambiente, então o mais próximo que a gente pode chegar de controlar o nosso comportamento é controlar o nosso ambiente, controlar as nossas relações.

(…) É importante que a gente fique atento. Qual é o conteúdo que eu tô consumindo? É um conteúdo real? É um conteúdo que me ajuda? Que me aproxima da vida que eu quero ter? Ou é um conteúdo que me afasta da vida que eu quero ter? Que me causa sofrimento? Então a dica que eu dou é: cuide do ambiente que vocês estão ali na rede social. Quem vocês estão seguindo? O que está fazendo? O que eu sinto quando eu estou no Instagram? Porque o Instagram e todas as redes sociais têm sido muito uma fuga pra gente também. Eu estou me sentindo ansioso, eu estou com raiva, eu estou com tristeza, eu pego o celular. A gente não tem mais o hábito de lidar com a situação, ou até mesmo de ficar em um momento de ócio. Não existe, a gente está sempre ligado, e aí o que que acontece? A gente também fica mais ansioso, porque está sempre ligado. Veja como uma coisa alimenta outra. A gente precisa ter limites do tempo de rede social, a gente precisa saber que isso inclusive afeta o nosso sono. Não tendo um sono de qualidade a gente fica mais impulsivo. Além disso, a gente também tem uma reação mais desproporcional, a gente perde também o nosso foco, a nossa atenção.

JOC: O excesso do uso de telas por crianças e adolescentes, na sua opinião, pode contribuir para que no futuro tenhamos adultos ainda mais ansiosos?
LS: Isso, infelizmente, já é real. Não é algo do futuro, já é algo que acontece muito. Quando a gente fala de criança e adolescente, eles ainda não estão com o cérebro completamente formado, então a gente está mexendo numa estrutura neuronal e isso é muito grave, porque a gente está mexendo em algo que vai ficar para sempre. A gente só fica com o nosso cérebro completamente maduro por volta de 24, 25 anos. Para as neurociências você só vai ser adulto quando você tiver 24, 25 anos, que é quando o seu córtex pré-frontal, que é a parte que fica atrás da testa, já está completamente formado. É a última parte do cérebro a se formar. E aí, quais são os prejuízos que a gente vê já hoje em criança e adolescente? Não saber lidar com a frustração, não saber esperar. (…) A vida que a gente leva faz com que a gente se torne mais ansioso, e o problema das crianças e dos adolescentes é porque a gente está afetando uma camada que ainda não está pronta, o cérebro que não está pronto, e a gente está perdendo essas habilidades socioemocionais.

JOC: Como devemos lidar com uma pessoa com pensamentos suicidas?
LS: Primeiro a gente precisa quebrar esse mito de que a gente não pode falar sobre prevenção do suicídio. A gente precisa falar porque quanto mais a gente falar, mais informações as pessoas vão ter e elas vão pensar que existe solução para o que eu estou passando. O que acontece com uma pessoa que se suicida? Ela está num nível de sofrimento tão grande que ela acha que a morte é a única solução. E aí a gente vai falar para essa pessoa que para tudo existe uma solução, por pior que seja o problema, a única coisa que a gente não soluciona é a morte. Isso é uma verdade, mas antes disso, tem várias situações que a gente pode conversar. A gente faz um acordo terapêutico com o paciente. Então geralmente o paciente que está com uma depressão grave, uma depressão muito profunda, a família encaminha. Alguém leva. É muito difícil a pessoa com depressão procurar ajuda. Geralmente alguém da família, alguém próximo leva a pessoa, e a gente faz esse acordo terapêutico com ele. Uma das primeiras coisas que a gente faz é perguntar se a pessoa já tentou. Porque a gente tem um nível dos pensamentos, da ideação suicida. Depois a gente tem um planejamento, que é quando a pessoa começa a pesquisar formas de tirar sua própria vida, e por fim o ato. A gente tem esses três níveis. Geralmente as pessoas ficam muito tempo na ideação, que é o melhor momento da gente atuar. E aí a gente vai conversar com a pessoa, entender o que ela está passando, qual é a dificuldade, faz esse acordo terapêutico e fala sobre o CVV porque é muito importante a pessoa saber que tem ali um apoio, que vai ter alguém que escuta, porque geralmente as pessoas são muito preconceituosas também quando a gente fala sobre a depressão. (…) A gente precisa falar sobre essa prevenção do suicídio e a forma é falar sobre, é a gente naturalizar as dificuldades, naturalizar que a gente não vai ficar feliz o tempo todo. Um outro adendo ainda, quando a gente passa a um nível de ansiedade muito alto, a gente aumenta os nossos níveis de cortisol no cérebro e você tendo muito nível de cortisol, você pode abrir um quadro de depressão. Então, se você for uma pessoa muito ansiosa, é possível que em algum momento você se deprima. A gente precisa cuidar muito dos nossos pensamentos, do nosso ambiente, do dia a dia.

Mas, em relação à prevenção, a terapia auxilia muito nessa naturalização do sofrimento e também nessa reestruturação cognitiva dos pensamentos da ideação suicida para que a pessoa vá se conectando, se acalmando. E, em muitos casos, também a medicação psiquiátrica auxilia a pessoa a conseguir ficar mais tranquila, a dar uma acalmada. A gente tem também estratégias, por exemplo, quando a pessoa já está planejando a gente fala sobre tirar de casa as coisas que podem colocar em risco a vida dela. Isso tudo a gente precisa falar e, infelizmente, isso tem acontecido muito com os adolescentes porque eles não têm essa preparação, não tem essa habilidade de resolução de problemas.

JOC: Que dicas você daria para que possamos ter uma mente mais saudável?
LS: Eu gosto muito de pensar sobre um tripé: o sono de qualidade, atividade física e uma boa alimentação. Primeiro sono, porque o cérebro controla todo o nosso corpo, então a gente precisa ter esse órgão funcionando muito bem. E vamos pensar como se o cérebro estivesse em um meio aquoso. Quando a gente dorme é como se a gente trocasse essa água que esteve naquele dia e renovasse a água. Quando a gente dorme mal, quando a gente dorme pouco, é como se a gente colocasse um balde de areia nesse cérebro. E aí meu dia fica esquisito, dá dor de cabeça, você fica incomodado. Hoje em dia já se fala muito sobre higiene do sono, que é o tratamento padrão ouro também para insônia. (…) Outro ponto, então, é a atividade física. Ela entra como uma regulação emocional. Vamos pensar na crise de ansiedade. Um dos sintomas é o coração acelerado. Quando a gente faz atividade física, o coração acelera, só que esse coração acelera e ele percebe que está tudo bem meu coração acelerar e voltar ao basal. E aí, com a atividade física, você vai cada vez mais treinando o seu coração de que está tudo bem acelerar e voltar. (…) E uma boa alimentação também, porque uma boa alimentação vai te dar mais saciedade, você não vai ficar tão prostrado, você vai conseguir ficar mais satisfeito, então uma coisa vai alinhando a outra. É esse o combo biológico.

Além disso, sempre naturalizar o sofrimento. Ele faz parte da vida. E cuidar das nossas relações. Entender o que faz sentido para mim e colocar limites nessas relações também. Tem se falado muito sobre autocuidado. Autocuidado não é só fazer skincare. Falar não também é um autocuidado importante. Colocar limites nas relações também é.

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