Burnout: “Corporações quebram tabus para lidar com o esgotamento profissional”

“Diz aí, você já teve aquela sensação de incapacidade, ansiedade e nervosismo intensos no seu ambiente de trabalho? Se a resposta for SIM, cuidado! Você pode estar sofrendo com a Síndrome de Burnout”

No início dos anos 70, após se autodiagnosticar com um intenso esgotamento profissional recorrente, o psicanalista alemão Herbert Freundeberg denominou esse mal como Síndrome do Esgotamento Profissional ou Síndrome de Burnout. De origem inglesa, a palavra “burnout” pode ser traduzida como “queimar-se por completo” ou entrar em combustão. Diferente do que ocorre com a depressão e a ansiedade, a Síndrome de Burnout, necessariamente, está ligada ao trabalho.

 

Uma pesquisa da Internacional Stress Management Association (Isma) sugere que 33 milhões de pessoas sofrem da Síndrome no Brasil. Isso significa 30% dos profissionais brasileiros.

 

Em 2019 a Síndrome de Burnout foi incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). A lista, elaborada pela OMS, descreve enfermidades e estatísticas de saúde que serão prevalentes nos próximos anos.

 

No entanto, a OMS descreve o Burnout não como uma doença – mas sim, como um fenômeno ligado ao trabalho, “uma síndrome resultante de um stress crônico no trabalho que não foi administrado com êxito”.

 

De acordo com a psicóloga e neuropsicóloga no Vale do Iguaçu, Natalie de Castro Almeida, a síndrome tem ganhado cada vez mais rodas de conversas e deve ser um ponto de atenção das empresas. Ela sugere que os indicadores também aumentaram com a pandemia.

 

Psicóloga Natalie de Castro Almeida. Foto: Arquivo

 

Confira a entrevista:

 

Jornal O Comércio (JOC): Como vem sendo discutida a Síndrome de Burnout?

Natalie de Castro Almeida (NCA): A Síndrome ainda é pouco discutida. De uma maneira simples, é o que se caracteriza como um esgotamento profissional. É um problema invisível, o que o torna ainda mais delicado. Não conseguimos ver o que a pessoa está sentindo, tampouco o seu esgotamento profundo. Muitas vezes, pode estar tudo ‘ok’ em casa, no relacionamento pessoal, porém, no trabalho existe uma sobrecarga.

 

JOC: A Síndrome de Burnout é um dos grandes problemas da pandemia?

NCA: Eu penso que sim. Na minha opinião, existem algumas classes profissionais que foram mais acometidas, como os policiais militares, os bancários e os professores. Acredito que os professores têm sofrido bastante durante a pandemia; eles não conseguem ir até os seus lugares de trabalho, mas o trabalho está ali, com eles e em casa, 24 horas por dia. Geralmente quando o trabalho é desempenhado em casa, você não mede o tempo. A classe da educação tem relatado bastante esse esgotamento profissional.

 

JOC: É fácil identificar os sintomas?

NCA: Geralmente, a pessoa apresenta ansiedade e até uma negação em voltar para o seu ambiente de trabalho. Muitas vezes, ela não quer estar lá naquele momento, mas é justamente por ela estar esgotada emocionalmente. É muito comum os relatos das pessoas que tinham prazer em trabalhar em determinada área e que, de repente, esse interesse passou a diminuir e até desaparecer. Tudo pelo esgotamento profissional. O trabalho é uma motivação diária, e quando a gente perde isso, é muito delicado. Os principais sintomas que podem indicar a Síndrome de Burnout são cansaço excessivo, físico e mental; dor de cabeça frequente; alterações no apetite; insônia; dificuldades de concentração; sentimentos de fracasso e insegurança; negatividade constante; sentimentos de derrota e desesperança.

 

JOC: Quais as estratégias para prevenir o problema?

NCA: Essa é uma pergunta importante. Os próprios ambientes de trabalho precisam se modificar ao longo do tempo e se reinventar. As corporações quebram tabus para lidar com o esgotamento profissional. Um exemplo seria pensar na questão da prevenção da Síndrome de Burnout. Um bate-papo sobre o assunto é muito importante; desta forma todos terão confiança para se expressarem. Muitas pessoas estão passando por isso e nem imaginam.  

 

JOC: ‘Chicote interno’, que significa aquela cobrança excessiva consigo mesmo, pode desencadear a Síndrome?

NCA: Falar sobre isso é falar sobre organização social. Vivemos em um mundo extremamente competitivo, que faz com que tenhamos que estar sempre em destaque. Porém, com certeza existem várias formas de personalidades em um ambiente de trabalho e também acontecem situações que nos fazem sentir mais pressionados. O papel da mulher hoje na sociedade é um exemplo; pois ela tem dupla e até tripla função. Essa cobrança acaba sendo muito acentuada no gênero feminino, pois precisa ser boa mãe, funcionária exemplar no trabalho e nas tarefas da casa.

 

JOC: A Síndrome de Burnout pode ser caracteriza como um mal contemporâneo?

NCA: Se nós formos pensar na Revolução Industrial (século XVIII e início do século XIX), e todo o processo que vem depois disso, como por exemplo a conquista da mulher, com o voto, no ambiente de trabalho, ou seja, as mulheres tiveram voz, mas também sobrecarga de trabalho. Se olhar para cem anos atrás, o movimento social que acontecia era muito diferente. Essa competição no ambiente de trabalho também veio com esse mundo moderno. Precisamos estar sempre dispostos 100%, mas precisamos reconhecer que nós temos as nossas fragilidades e que precisam ser respeitadas.

 

JOC: Como saber o momento de dar uma ‘pausa’?

NCA: Então, é preciso se abrir, conversar. A comunicação é muito importante. Procure desabafar com alguém da família ou um colega. Os próximos a nós sabem quando não estamos bem e a gente também possui um sinalizador interno que fala: “Opa, eu não estou legal! Eu não estou bem!” A família também nos conhece muito bem. Procure um profissional da saúde ou mesmo no seu ambiente de trabalho. A questão preventiva da Síndrome é muito importante para que a pessoa não se sinta envergonhada em discutir o problema.

 

JOC: É comum confundir a Síndrome com estresse e depressão?

NCA: Não apenas no Burnout, mas em outras doenças também é comum o diagnóstico ser confundido. É sempre necessário fazer uma avaliação com um especialista e reforçar a necessidade do cuidado. O que eu percebo é que tanto o estresse, depressão e a própria Síndrome de Burnout são tratados como algo normal, comum. Dizem: “está com depressão? Tome um remédio que isso passa!” E não é por aí, pois o remédio nem sempre vai ser a maneira mais adequada para você melhorar; talvez você precise de uma atenção a mais. Eu acho que a questão emocional é colocada em segundo e até em terceiro plano de atenção na sociedade.

 

JOC: Os colegas de trabalho podem ajudar?

NCA: Com certeza podem ajudar. A união sempre acaba favorecendo. Falar em grupo é muito bacana. Quem sofre do problema percebe que não é o único que passou por isso e fulano também tem dificuldades. Isso faz com que a pessoa se sinta mais confortável e reflita sobre o problema, mas não de maneira monstruosa. Inclusive, o problema pode até amenizar.

 

Voltar para matérias