Cirurgia cerebral que ameniza sintomas do Parkinson é ofertada pelo SUS

O esporte sempre teve um lugar na vida de Mário Emílio da Silva, e foi no futebol que ele conquistou seus primeiros feitos. Jogando pelo Havaí, fez cinco gols em um único jogo, o que, segundo seu relato, o dá o título de maior goleador em apenas uma partida pela Taça Paraná. Ainda jovem, na casa dos 20 e poucos anos, Mário Emílio casou e ganhou uma nova paixão: o tênis. Sua esposa possuía duas raquetes em casa, e o que começou como um passatempo escalonou para níveis profissionais.

O atleta disputou torneios em diversas cidades e até mesmo em outros países, como Uruguai e Argentina. Aos 55 anos foi campeão da segunda classe, grupo que compreende jogadores com mais de 30 anos. “Fui o jogador mais velho a conseguir essa marca”, comenta.

Cirurgia cerebral que ameniza sintomas do Parkinson é ofertada pelo SUS

O esporte sempre teve um lugar na vida de Mário Emílio da Silva | Foto: Arquivo pessoal

Por ter uma vida esportiva ativa, e consequentemente facilidade de movimento, um amigo logo notou quando Mário Emílio começou a apresentar certa lentidão. Imaginando ter um problema no ombro, procurou um médico. Na primeira consulta, recebeu a indicação para procurar um neurologista. Mário Emílio decidiu então buscar uma segunda opinião, indo a um outro ortopedista. Contudo, desta vez, a indicação foi mais incisiva. “Seu sintoma é de Parkinson”, disse o profissional. E dessa forma, após exames, Mário Emílio recebeu seu diagnóstico.

Por ser uma doença debilitante devido aos seus sintomas, o atleta precisou se aposentar da vida esportiva. “Eu sempre fui jogador de tênis, adorava jogar tênis, é uma tristeza para mim não jogar mais tênis. Deixei de fazer isso, não pratico mais nenhum tipo de esporte. Volta e meia eu estou fazendo um ou outro movimento em casa, com neuro, com fisioterapeuta, e estou indo”, relata.


O que é a Doença de Parkinson?

Descrita pela primeira vez em 1817, a doença leva o sobrenome de James Parkinson, médico responsável por seu registro. É causada pela diminuição na produção de dopamina, substância que funciona como um mensageiro e tem a função de transmitir informações às células nervosas do cérebro. Sua falta resulta em dificuldade de movimento por parte do paciente, podendo causar tremores, o sintoma mais associado ao Parkinson pela população. Contudo, diferentemente da crença popular, o principal sinal do Parkinson é a lentidão de movimento, como a apresentada por Mário Emílio. “A pessoa começa a andar devagar. Muitas vezes arrasta o pé. Ela faz as coisas, mas com muita lentidão. Esse é o principal sintoma”, explica a neurologista porto-unionense Marina Farah.

Outro sintoma é a rigidez que, segundo Marina, pode ser descrita como a sensação de estar enrolado em fita adesiva. A falta de equilíbrio e tendência para queda também podem estar presentes. Além disso, a médica indica que a doença pode começar a dar pistas muito antes de manifestar seus sintomas ligados ao movimento, como a dificuldade em sentir cheiro, dificuldade para dormir, e até mesmo sintomas de cunho emocional. “Ansiedade e depressão, muito importantes, presentes antes mesmo do problema do movimento. Problemas intestinais de obstipação, dificuldade para evacuar. E problemas de sono também, então o paciente não consegue dormir, muitos deles gritam à noite, se  batem, caem da cama. Isso é um sinal que pode estar associado à doença também”.

É a partir da identificação dos sintomas e da cronologia de seu surgimento que o médico pode atestar a doença, visto que não existe uma exame específico para se constatar o Parkinson. Porém, mesmo com a presença dos sintomas, o diagnóstico não é simples. Segundo Marina, várias outras doenças podem ser confundidas com o Parkinson, por isso a neurologista destaca a importância de se receber um diagnóstico feito por um especialista em movimentos anormais. “Existem doenças muito parecidas que não são a doença de Parkinson. É um outro grupo que chamamos de parkinsonismo. Tem os mesmos sinais, mas eles não têm a cronologia da doença [de Parkinson], então eles vão afetar a vida desse paciente de forma diferente”, explica.

Cirurgia cerebral que ameniza sintomas do Parkinson é ofertada pelo SUS

Os sintomas da doença são mais comuns em pessoas com idade acima de 60 anos, sem haver predominância em um determinado sexo. Mas a manifestação em pessoas mais jovens não está descartada. Um exemplo é o ator Michael J. Fox, ícone dos anos 80, responsável por dar vida ao personagem Marty Mcfly na trilogia De Volta para o Futuro. Michael recebeu o diagnóstico de Parkinson em 1991. Na época, o ator possuía 29 anos. Segundo Marina, geralmente o Parkinson acomete pessoas mais jovens por questões genéticas, contudo, mesmo que haja outros casos de Parkinson na família, é impossível prever se ele irá se manifestar antes que os sintomas apareçam. Exames de mapeamento genético são capazes de mostrar uma propensão à doença, mas não existe forma de prevenir o Parkinson.

Uma vez identificada a doença, o tratamento é feito com o uso de medicamentos que visam aumentar a produção de dopamina no cérebro. Segundo Marina, a medicação é capaz de reduzir entre 60% a 80% dos sintomas. A melhora do paciente é, inclusive, um indicativo de que o diagnóstico de Parkinson foi assertivo, pois outras doenças do grupo de parkinsonismo não reagem tão bem a esse tratamento. “Mesmo assim eu ainda preciso acompanhar ele [o paciente] por uns dois anos para ver se não surgem novos sintomas ou se ele não deixa de responder a medicação”, completa. Como o Parkinson se manifesta de diferentes formas em cada organismo, o tratamento é feito de forma personalizada para cada paciente. Entretanto, nem todo paciente tolera o medicamento, e nesses casos o auxílio pode vir de forma cirúrgica.

Um dos tipos de cirurgia disponíveis é chamada de palidotomia. Nela, um local específico do cérebro passa por uma cauterização. O problema deste procedimento é que, caso seja feito de forma incorreta, pode causar sequelas. A outra cirurgia disponível atualmente é a que envolve o implante de um marcapasso cerebral. Esse procedimento pode ser revertido apenas desligando o aparelho.


Uso de marcapasso cerebral para o tratamento

À primeira vista, pode parecer algo vindo da ficção científica, mas a cirurgia cerebral para tratamento do Parkinson é realidade há muitos anos. A cirurgia em questão é chamada de DBS, sigla em inglês para Estimulação Cerebral Profunda (Deep Brain Stimulation).

Segundo artigo escrito por Vittorio A. Sironi, a estimulação cerebral foi utilizada, inicialmente, para tratar distúrbios comportamentais e dores crônicas. O neurocientista espanhol José M. Delgado, na década de 50, foi o primeiro a descrever a técnica de implante de eletrodos cerebrais. Seus estudos utilizavam diversos animais, como macacos, gatos, touros, e até mesmo humanos. Em uma de suas demonstrações, Delgado disse ser possível impedir que um touro atacasse utilizando sinais de rádio capazes de se comunicar com os eletrodos inseridos no cérebro do animal. Contudo, a primeira a utilizar a estimulação cerebral para tratar distúrbios de movimento foi a neurocientista russa Natalia Petrovna Bekthereva, em 1963.

Mas, assim como os experimentos com técnicas de estimulação cerebral avançavam, o uso de fármacos para o tratamento de Parkinson também era um desejo. Foi também nos anos 60, segundo Sironi, que o uso de medicamentos com a propriedade de estimular a produção de dopamina começaram a ser usados. Com isso, os tratamentos cirúrgicos de DBS foram colocados de lado durante algum tempo, retornando em 1987 com estudos publicados pelo neurocirurgião francês Alim-Louis Benabid.

Cirurgia cerebral que ameniza sintomas do Parkinson é ofertada pelo SUS

Natural do Vale do Iguaçu, a médica Marina Farah atende atualmente em Curitiba | Foto: Divulgação

Segundo Marina, que trabalha com a técnica de DBS, atualmente a cirurgia apresenta baixa morbimortalidade, o período de internação é de cerca de três dias, e o procedimento pode ser realizado sem que o paciente precise ser sedado. “Quando o paciente prefere fazer dormindo, a gente faz. Mas se ele puder ficar acordado a gente faz também para poder fazer o teste durante a cirurgia”.

Na cirurgia, um eletrodo é implantado em uma determinada área do cérebro, de acordo com os sintomas do paciente. Para tanto, não há necessidade de fazer grandes incisões na cabeça. A cirurgia é realizada por coordenadas e, uma vez traçado o ponto em que o eletrodo será implantado, um pequeno buraco é feito na cabeça do paciente, e é nele que o marcapasso é depositado. Durante o procedimento, também é colocado um gerador sob a pele, em uma região do tórax. Após ligado, um campo elétrico se forma no crânio do paciente, e será ele o responsável por estimular os neurônios a cumprirem sua função. O procedimento pode, inclusive, ser realizado por aqueles que já tenham passado pelo processo de palidotomia.

Em 2012, ano em que Mário Emílio foi diagnosticado com a doença, a cirurgia de DBS já havia sido realizada em mais de 40 mil pacientes mundialmente. Para ele, entretanto, o procedimento ainda não era indicado. Segundo Marina, a primeira indicação de tratamento é o medicamentoso. Para pacientes que estejam reagindo bem ao tratamento, a cirurgia só começa a ser cogitada após o quinto ano desde o diagnóstico. Esse período de bons resultados apenas com medicação é chamado de lua de mel. “A partir do quinto ano começam os problemas, em geral, se o paciente é bem manejado. Se não, ele já começa antes. O remédio começa a durar pouco tempo, ou ele melhora o tremor e o travamento, mas ele começa a dar um balanço. Ele pode dar alucinação. A dose do remédio vai ficando cada vez mais alta. Então a gente tem assim que cinco anos é possível melhorar bem [com uso de medicamento]. Depois disso vai de cada um”.

Realizar o procedimento no tempo certo é crucial para a eficácia e segurança da cirurgia, aponta Marina. “Se você esperar muito você perde a chance de operar. E se você for muito cedo você pode operar uma coisa que não tem indicação. Então você tem que ver bem, avaliar bem essa pessoa com esses sintomas para saber se ela é um candidato ou não para cirurgia”. O tempo de espera também é importante para que haja certeza de que o paciente realmente possui Parkinson. Caso o paciente que possui os sintomas tenha, na verdade, uma doença do grupo de parkinsonismo, a cirurgia pode causar uma piora do quadro.

Foi por indicação de Marina que Mário Emílio realizou uma bateria de exames para saber se estava apto a realizar o procedimento. Em um primeiro momento, constatou-se que para ele o tratamento medicamentoso ainda era benéfico. Tais exames são realizados, principalmente, para determinar se o paciente ainda é beneficiado pelo tratamento com remédios, como no caso de Mário Emílio. Além disso, visa-se descartar a possibilidade de haverem outros problemas de saúde, como demência e demais problemas cognitivos. “Nós vemos como é que está a parte de humor dessa pessoa, se ela tem uma depressão, se tem um transtorno bipolar que precisa ser tratado antes”, indica Marina.

Durante os exames também é realizada uma ressonância do crânio do paciente para identificar a anatomia do cérebro e garantir que o DBS seja implantado no local correto. Outro exame realizado é o teste de levodopa. Segundo Marina, neste procedimento o neurologista faz uma filmagem do paciente antes de receber substâncias que auxiliam na produção de dopamina, e outra filmagem após receber os medicamentos. “Essa resposta ao medicamento é um forte indicativo de que é a doença de Parkinson e de que eu posso realmente operar. Quando o paciente fica muito mal sem remédio mas muito bem com o remédio, isso é uma coisa muito indicativa de que o DBS vai funcionar”.

Cirurgia cerebral que ameniza sintomas do Parkinson é ofertada pelo SUS

Dois anos depois de realizar a primeira bateria de exames, Mário Emílio repetiu o processo e, desta vez, a cirurgia passou a ser uma possibilidade. Oito anos se passaram desde o diagnóstico de Mário Emílio até a realização do procedimento. “Eu fiz no dia 24 de outubro de 2020. Graças a Deus ocorreu tudo bem. A cabeça está boa, e estou indo, estou produzindo, estou na atividade ainda”, celebra.

Mário Emílio relata que não teve medo ou receio de realizar a cirurgia, pois confia no profissionalismo da medicina e, principalmente, na indicação médica que recebeu. Além disso, o apoio familiar e de amigos o fez ter mais confiança no tratamento. “O pessoal foi maravilhoso. Os meus filhos, a minha esposa, a minha ex-esposa também. Nunca tive problema de falta de apoio em casa. O pessoal sempre me ajudou. É incrível como as pessoas são solidárias. Os próprios médicos também tomam uma atitude diferente”, comenta.

Após a operação, Mário Emílio teve que aguardar 30 dias para que itens de segurança fossem analisados. Era importante garantir que o eletrodo estivesse no local correto, e que não houvesse sangramento ou infecção. Passado esse período, retornou ao consultório de Marina para que a médica realizasse a programação do aparelho. Com a regulagem do marcapasso, a neurologista consegue determinar qual tamanho e tensão de campo elétrico surte os melhores resultados quanto ao controle dos sintomas. Com o passar do tempo, após um período de adaptação, a doutora é capaz de liberar mais de uma programação para o paciente, que passa a ser capaz de controlá-las por meio de um controle. “Eu posso criar várias programações. Por exemplo, desse jeitinho aqui ele fica melhor para caminhar, desse aqui controla melhor o tremor, e ele pode ir ajustando. Ou eu posso deixar o intervalo da força do aparelho, que ele pode diminuir e voltar. Por exemplo, ele vai lá, regula comigo e não gostou. Ele pode voltar para a programação anterior que ele estava”.

Essa liberdade, contudo, não é total. O controle do paciente só é capaz de fazer o que Marina determinar ser seguro. A intenção é permitir autonomia para que a programação seja trocada de acordo com suas necessidades, mas nem todos são adeptos dessa pequena independência. “Eu tenho paciente que não gosta de mexer com controle, que tem medo. E tem paciente que mexe o tempo todo. Isso varia  da personalidade da pessoa”, relata Marina.

Mais de um ano após a cirurgia, Mário Emílio ainda se demonstra maravilhado pela técnica. “Coisa incrível esse aparelho. Ela fala ‘eu vou mexer na sua voz’, e mexe. ‘Vou mexer no seu cérebro e você vai ficar assim, assim e assim’. Fico assim, assim e assim. Na hora, NA HORA. É uma coisa fantástica”.


Cirurgia também é ofertada pelo SUS

Em convênios privados, a cirurgia pode custar cerca de R$ 100 mil. Porém, desde 2017, o procedimento é previsto no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Parkinson do Ministério da Saúde. Sendo assim, o processo é garantido pelo Sistema único de Saúde (SUS). No Brasil, a primeira cirurgia de DBS pelo SUS foi realizada em 2019, no Hospital PUC-Campinas, em uma mulher de 55 anos. A única diferença na cirurgia realizada pelo SUS é que o paciente não recebe o controle para alternar entre as programações realizadas pelo médico. Contudo, o aparelho pode ser adquirido posteriormente.

Atualmente, Marina responde pelo ambulatório de estimulação cerebral profunda do Hospital Universitário Cajuru (HUC), de Curitiba, único do Paraná que realiza o procedimento pelo SUS. Um problema, segundo a neurologista, é que mesmo existindo a possibilidade de realizar o tratamento via SUS, muitos pacientes não passam pelo processo por não saberem que ele é uma possibilidade. “A cada 100 pacientes que poderiam ser operados e se beneficiar pela cirurgia, 18 operam. Então ela é muito pouco indicada apesar de ter muita indicação, talvez porque as pessoas não conhecem, talvez porque o médico não saiba que dá pelo SUS”.

Marina relata já ter operado três pessoas da região, e ter pelo menos mais dez em acompanhamento. Para ser atendido pelo SUS, a médica indica que o caminho é conversar com o médico da unidade de saúde que o paciente frequenta para saber se a cirurgia já é uma opção para seu tratamento. Caso seja, o paciente deve ser encaminhado, via Secretaria da Saúde local, para o hospital de referência para realização da cirurgia. “Às vezes não é hospital Cajuru a referência dessa unidade [de saúde] e aí se não for, esse hospital encaminha para o hospital Cajuru. Mas se o médico especificar que é para avaliação de cirurgia e houver uma força para que seja encaminhado corretamente ele chega lá para mim. Várias vezes, nem os médicos sabem disso, eles acham que não existe pelo SUS e bloqueiam, então o  importante é encaminhar para avaliação de cirurgia independente do hospital de referência que seja por que no hospital de referência eles vão saber que lá [no Cajuru] tem. A gente acaba atendendo o Paraná inteiro porque não tem outro que faça [pelo SUS] então mesmo que não seja hospital de referência dele, muitas vezes a gente consegue fazer com que a autoridade local de Saúde faça contato com a regulação para que esse paciente tenha um encaminhamento certo, porque muitas vezes ele fica um tempão esperando e chega lá e não é, daí volta. Então eu acho que tem que ter um empenho nesse sentido, ver caso a caso para onde que tem que ir essa pessoa”.

Mário Emílio realizou a cirurgia por meio de convênio particular, porém indica que o paciente que não tenha condições, mas que tenha indicação para o DBS, procure tratamento pelo SUS. “Eu esperei dois anos depois do teste. Tinha condições de fazer a cirurgia no lado financeiro, mas não tinha no lado da saúde. Então, se você tem alguém na família que tem Parkinson, que foi constatado que tem Parkinson, independe do teu poder aquisitivo. Então essas coisas que tem que acontecer. Não só no Parkinson, mas em outros procedimentos. A falta de esclarecimento, a cultura nossa é muito pequena, nós não temos noção do que nós temos condição de exigir e de ser feito, que o próprio SUS nos fornece, não sabemos isso ainda. Tem muita coisa que poderia ser melhor aproveitada”.


Convivendo com o Parkinson

O Parkinson não tem cura, e todos os tratamentos disponíveis visam melhorar a qualidade de vida do paciente ao diminuir a intensidade dos sintomas. A doença afeta, principalmente, as questões  de movimento, dificultando que a pessoa realize funções do seu dia a dia, como abotoar uma camisa, cortar a refeição que está em seu prato, levantar da cadeira, e assim por diante. Além disso, por se tratarem de sintomas debilitantes, muitas vezes o portador de Parkinson deixa de frequentar ambientes públicos por vergonha.

Mário Emílio relata que no começo de sua doença, o Parkinson o atingiu aos poucos mas que, com o tempo, os sintomas foram se intensificando. Felizmente, diz nunca ter sido vítima de preconceito devido à sua condição, mas destaca a importância da inserção social de pessoas com algum tipo de debilitação. “No começo o Parkinson vai judiando aos pouquinhos. Ele vai te pegando aos pouquinhos, vai te minando. É difícil porque ele afeta o emocional da gente, então você tem que lutar com isso. Vem umas bobagens na cabeça, a minha vida não vale nada, esse tipo de coisa. Aí vem uma tal de paralimpíada e mata todas as minhas teorias. Eu vejo gente sem braço, sem perna sendo campeã de natação. Isso é uma coisa fantástica. Esse tipo de coisa eu não posso nem me queixar que eu estou com Parkinson. Na próxima paralimpíada, que é daqui a dois anos, na França, você vai ver o número de campeões que vai surgir, ou medalháveis, que nunca estiveram em competição. Isso vai dar ânimo para essas pessoas praticarem esse tipo de atividade. A pessoa se sente integrada ao processo social. Não se sentem discriminadas”.

O atleta ainda possui fortes dores nas costas, o que o prejudica na questão de locomoção. Mas, apesar desse sintoma, acredita ter melhorado consideravelmente após a cirurgia, principalmente mentalmente. “Estou cheio de caminhos no cérebro. E melhorou, a minha cabeça é outra. Hoje estou mais aberto a conversar tranquilo, não tenho nenhum tipo de restrição. É claro que estou mais lento, não posso sair correndo. Tenho que ter muito cuidado porque a sensação de desequilíbrio é muito acentuada. Já levei tombos, então tem que se cuidar, mas todo mundo tem que se cuidar”.

Por não ser uma cirurgia capaz de curar o paciente, mas sim feita para amenizar os sintomas, Marina relata ser importante que haja um alinhamento de expectativas antes da realização do procedimento. “Tem sintomas que vão melhorar, e tem sintomas que não vão melhorar. Isso tem que ser alinhado, porque às vezes o paciente quer melhorar a voz, e melhora o tremor, e ele continua insatisfeito porque não melhorou a voz dele, então isso aí é uma coisa que tem que ser bem alinhada”.

Segundo Marina, os principais sintomas que sofrem melhora com o DBS são o tremor, a lentidão e a rigidez. A voz pode sofrer melhora caso seu sintoma esteja ligado ao travamento. Por esse motivo, mesmo após a cirurgia, é necessário continuar um tratamento medicamentoso, pois sua retirada pode aumentar o risco de problemas depressivos. Contudo, após a cirurgia, o paciente consegue diminuir em até 50% a quantidade de remédios consumida. A médica relata, que de acordo com um estudo publicado pela revista americana Neurology, um grupo de 52 pacientes que foram submetidos ao procedimento mantiveram os benefícios da cirurgia 15 anos após sua realização. “O DBS é mais uma arma eficaz para controlar os sintomas. Ele não é a cura, mas ele dá uma possibilidade de controle de sintomas por um período muito maior do que a medicação sozinha. Então já é comprovado que os pacientes que têm DBS e medicação têm uma melhor qualidade de vida do que aqueles que têm só a medicação”, comenta.

Com o envelhecimento da população, o Parkinson será cada vez mais frequente. Dados não oficiais* apontam que atualmente, no Brasil, entre 200 e 250 mil pessoas convivem com a doença. Por causar certo estigma devido aos seus sintomas, Mário Emílio entende que em alguns casos ela pode levar o paciente a sentir vergonha de falar sobre o tema, mas o atleta acredita que o melhor a se fazer é não esconder a situação. “Se você tem problemas de doença, câncer, Parkinson, fale sobre isso. Não fique escondendo isso dos amigos, dos outros, por que ao falar isso você vai dar uma série de informações para terceiros que não tem. E você não é nada culpado. Não se sinta culpado por ser portador de doença. Isso faz parte da vida. Acontece, infelizmente. Então eu acho melhor você conversar  por que isso me ajuda a ajudar os outros, e me ajuda também. Eu me sinto bem falando sobre esse tipo de problema porque faz parte da vida. A pessoa tem que ter essa consciência de que não se deve mentir, esconder. Isso não traz benefício nenhum, com certeza não traz”, desabafa.

Mário Emílio também aponta a importância de realizar exames frequentemente para garantir que doenças sejam descobertas ainda em seu início. Para ele, essa é uma das melhores formas de amenizar problemas incuráveis e de tratar precocemente doenças que possam ser curadas. E, em caso da necessidade de cirurgia, Mário Emílio entende que o melhor é confiar no tratamento. “Não tenha medo porque é melhor você ir embora daqui lutando do que tendo chance de fazer uma coisa diferente e não fazê-la”, aconselha.

Cirurgia cerebral que ameniza sintomas do Parkinson é ofertada pelo SUS


Uma vida dedicada à profissão

Marina fala com naturalidade sobre o procedimento de DBS, mas tamanha segurança é resultado de anos de preparo. Durante a cirurgia são acionados neurocirurgiões e neurologistas. Para se tornar um neurologista, o médico precisa passar pelos seis anos da faculdade de medicina e, após, uma residência (espécie de especialização) de três ou quatro anos em treinamento de movimentos multifuncionais com um médico especialista em movimentos anormais. Já um neurocirurgião também realiza os seis anos da faculdade de medicina, faz mais cinco anos de residência em neurocirurgia e após, caso queira ser especializado em cirurgias neurofuncionais, passa entre um a três anos focado neste tipo de procedimento. “São, pelo menos, uns 12 anos de estudo”, aponta Marina.

Tantos anos dedicados ao aperfeiçoamento profissional visam garantir maior segurança no tratamento do paciente. No caso do DBS, por exemplo, Marina relata que ao se colocar o eletrodo milímetros fora do ponto indicado, já não é mais possível programá-lo. Segundo a médica, o sucesso da cirurgia depende de três fatores: indicação perfeita, implante perfeito e programação perfeita do marcapasso. Se qualquer um desses três pontos falhar, a cirurgia pode fracassar.

Para Marina, a opção pela neurologia foi praticamente um chamado. Foi logo no primeiro ano de faculdade que a paixão pela área despertou. “A questão do sistema nervoso sempre foi um fascínio. Outra coisa que me ajudou a gostar, é que eu sempre tive muita enxaqueca, minha vida inteira, muita enxaqueca, então eu me interessava por isso por causa da minha vivência”.

No momento de decidir sua especialidade, Marina só prestou provas para neurologia. A escolha pela subespecialidade em movimentos anormais veio, entre outros fatores, pela admiração ao seu professor durante a residência, Renato Puppi Munhoz. “Ele era fora de série como pessoa e como médico. Uma pessoa que estuda constantemente, uma pessoa que gosta de ensinar, uma pessoa que é muito evoluída, então eu acho que a minha admiração por ele me fez escolher a subespecialidade de movimentos anormais, eu acho não, eu tenho certeza. E o hospital que eu fiz residência é muito forte no tratamento disso, que é o Hospital Cajuru. Então lá eu tinha cirurgia DBS, eu tinha esse médico que hoje é chefe de estimulação cerebral profunda em Toronto e é um dos melhores nomes de DBS do mundo. Eu tive o privilégio de aprender com ele. Então eu tenho certeza que foi por isso que fui parar nesse canto e não foi em AVC, não foi em dor de cabeça. Foi pelos mestres que eu fui encontrando no caminho”, lembra.

A profissão exige muito de quem opta por ela, mas Marina se diz fascinada pela carreira e pela capacidade que a cirurgia de DBS tem de ajudar os pacientes. Para ela, um médico interessado e dedicado faz a diferença na vida de quem está tratando uma doença. “Por mais que seja muitas vezes penoso, doloroso e trabalhoso estudar, quando você faz o bem para quem está em volta de você é a razão da tua vida valer a pena, porque se você não conseguir melhorar a vida das pessoas que estão em volta de você o que que vai sobrar no final? Essa é a marca que você deixa no mundo, o resto vai embora. O resto evapora, mas o bem que você coloca no coração das pessoas, a melhora de uma pessoa que está sofrendo, o conforto do familiar de quem está vivendo aquela situação, se você consegue amenizar é isso, a sensação que eu tenho é de emoção. Ser médico é uma coisa que não tem explicação”.

*O Brasil não realizou estudos para estimar a quantidade exata de pacientes com Parkinson no país.


Para saber mais…

O assunto é complexo, por isso o Jornal O Comércio indica as fontes usadas nesta reportagem para aqueles que tenham interesse em se aprofundar no tema:

https://www.parkinson.org.br/

https://www.einstein.br/doencas-sintomas/parkinson

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3157831/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3785222/

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