Dieta vegetariana é mais fácil e saudável do que você imagina
Um dia para refletir sobre o impacto dos alimentos que colocamos em nosso prato. Essa é a intenção do Dia Mundial Sem Carne, celebrado anualmente em 20 de março. A data foi criada em 1976, nos Estados Unidos, pela ONG Farm, uma organização que defende os direitos de animais e o fim de sua exploração para abate. No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) por encomenda da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), 14% da população se descreve como vegetariana.
A tradutora Bruna Carvalho faz parte da parcela de brasileiros que não consomem carne. Vegetariana há 16 anos, sua decisão de evitar proteína animal aconteceu ainda criança, quando descobriu como é gerado o alimento. “Como esperado, a minha família não reagiu bem de início, tentou me forçar a manter a carne na minha dieta. Eu entendo, porque é difícil entender como uma criança pode querer tomar uma decisão dessas. Mas, com o tempo, eles aprenderam a lidar e respeitar”, relata.
O desejo de defender a vida de animais é um pilar do vegetarianismo. Mas a preocupação vai além, passando também por questões ambientais. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), a produção de gado é responsável por 14,5% da emissão de gases de efeito estufa.
Já a Worldwatch Institute estima que 70% dos recursos de água potável do planeta são utilizados para a agricultura. Dessa parcela, um terço é destinado para o cultivo de ração animal. “A melhor parte [de não comer carne] é a consciência limpa de não estar contribuindo com a maior crise ambiental do planeta. Sabemos que a indústria da carne de gado, principalmente, é responsável pelo desmatamento em massa das nossas florestas. Criar gado é a coisa mais destrutiva que se pode fazer ao planeta, pois além de desmatar as florestas, emitir CO2 com a digestão das vacas e gastar muita água para cada bovino, ainda há a questão da soja. O cultivo excessivo de soja também é extremamente danoso para o meio ambiente, e a soja é quase inteiramente usada para a alimentação do gado. Portanto, não tem como distorcer essa responsabilidade”, comenta Bruna.
A administradora Sandy Samara Nunes conta que o principal motivo que a fez optar pelo vegetarianismo foi seu amor pelos animais. Após começar a pensar sobre o assunto, procurou informações sobre o tema em documentários e vídeos. Há dois anos ela tomou a decisão definitiva, mas o início do processo não foi fácil. “Me sentia um peixe fora d’água. Não tenho nenhum amigo ou conhecido que seja vegetariano e a cada churrasco’ era a mesma coisa, todos perguntando ‘mas então o que você come?’, ou falando que eu não ia conseguir aguentar por muito tempo. Confesso que nessa parte foi realmente mais difícil e o que me causou mais impacto”.
Carne não é obrigatoriedade para uma refeição balanceada
Um dos pontos destacados por Bruna Carvalho é a crença de que para se ter uma alimentação saudável a carne é indispensável. Relata que é comum ouvir de terceiros que é da natureza do ser humano comer carne, e que a falta dela é prejudicial. “Mitos, mitos, e mais mitos. Geralmente é porque as pessoas não entendem sobre o assunto. E quando não entendemos algo, o nosso primeiro instinto é sempre negar ou até abominar. Sempre tento responder com paciência e indicar as várias nutricionistas veganas que eu conheço”.
Caroline Vogel é nutricionista e vegetariana há 14 anos. Optou por deixar de consumir carnes após uma experiência que considera traumática. “Vi dois animais que eu tinha muito apego (uma ovelha e um boi) serem abatidos na minha frente e depois me ofereceram para comê-los. Ou seja, passei a ser vegetariana por amor aos animais. Vi que não poderia amar um e comer outro”.
De acordo com a profissional, a carne, além de fonte de proteína, é responsável também por fornecer ao corpo cinco importantes vitaminas: tiamina (auxilia na produção de energia, saúde dos nervos e função mental); niacina (melhora da circulação sanguínea); riboflavina (estimula a produção de sangue) e vitaminas B6 (produção de energia, proteção dos neurônios e produção de neurotransmissores) e B12 (formação de células sanguíneas e neurônios). Contém também minerais como o ferro e o zinco. Contudo, destaca que é possível manter uma alimentação balanceada sem carne, desde que os pratos sejam diversificados. “Eu sou a prova disso (risos). Nunca tive anemia e muito menos deficiência de vitaminas e minerais, os exames de sangue estão excelentes! A chave para ter uma alimentação balanceada sem consumir carne está em diversificar os alimentos, não se pode ter uma alimentação monótona. O prato vegetariano/vegano deve consistir em 50% de vegetais e legumes, 25% de proteínas vegetais advindas de leguminosas (feijões, lentilha, ervilha, grão de bico, soja) e 25% de cereais (arroz, batata, batata doce, mandioca, quinoa, etc)”.
O consumo de proteína animal, apesar de dispensável, deve ser cortado com cuidado e, de preferência, com ajuda profissional. A diminuição abrupta pode causar alguns problemas, como os experienciados por Sandy. “Eu parei de comer carne por conta própria e não tinha acompanhamento nutricional no início. Não foi o melhor caminho. Acabei exagerando nos carboidratos e ganhei peso, foi quando procurei ajuda profissional. E tenho acompanhamento até hoje, tanto em relação ao que comer como também as vitaminas que acabo suplementando por não comer carne”.
Acabar optando pelo consumo excessivo de massas e frituras ao adentrar no mundo do vegetarianismo é um dos erros mais comuns segundo a nutricionista e vegetariana há cinco anos, Bruna Maria Zortéa Paulek. O importante, segundo ela, é saber fazer boas escolhas. “A melhor forma é tirar [a carne] aos poucos. Tem mais chances do corpo se acostumar e conseguir manter isso lá pra frente. Querendo ou não, o consumo da carne é um hábito criado desde cedo, é preciso um cuidado na hora de mudar”, alerta.
A nossa clássica combinação do feijão com o arroz, segundo a nutricionista Bruna, é uma escolha segura e indicada para vegetarianos. “O arroz é rico nos aminoácidos metionina e cisteína, só que é pobre no aminoácido lisina. Já o feijão apresenta todos os aminoácidos essenciais, sendo inclusive rico em lisina, mas é pobre em metionina e cisteína. Então o arroz e o feijão, eles se completam, porque os dois juntos garantem que nosso corpo tenha todos os aminoácidos essenciais. Aminoácidos são moléculas que formam a proteína, e os aminoácidos essenciais são chamados assim porque nosso corpo não produz, então precisamos conseguir através da comida”, explica.
Mas a preocupação com uma alimentação balanceada não deve ser apenas dos vegetarianos. Carnívoros também precisam ficar atentos à quantidade de proteína animal que consomem para não cometerem excessos. “O ideal é ingerir entre 300g e 500g de carne vermelha por semana. Comer carne em excesso traz malefícios à saúde como: aumento do risco de desenvolvimento de doenças cardíacas, aumento do colesterol, aterosclerose e pressão alta, diabetes tipo 2, refluxo gastroesofágico, gastrite e duodenite, doença diverticular, pneumonia, câncer de intestino e pólipos colorretais”, alerta Caroline.
Dieta vegetariana pensada para atletas
Bruna Zortéa indica que proteínas são importantes para o organismo por ser o composto que mais aparece nas células e, por tanto, é considerada a matéria-prima do corpo, tendo função de construir e regenerar. Sua falta pode gerar fraqueza muscular e baixa imunidade.
No caso de atletas é fundamental justamente por sua função de regenerar, ou seja, ajudar na recuperação pós-treinos. A bailarina Eloisa Szyminovicz é vegetariana há dois anos, e precisou formular uma dieta específica para suas necessidades em conjunto com seu personal trainer e professor de ballet, Guilherme Nakalski. “No caso da bailarina Eloisa foi feita uma dieta rica em proteína com carboidrato e calorias contadas para o corpo dela. As proteínas também contadas em um alto nível para acelerar o metabolismo dela para manter a musculatura, porque no ballet é preciso ter musculatura muito firme, muito forte. Foi controlando essas calorias para ela conseguir o emagrecimento e para ela manter o corpo dela, a força dela, tudo para não perder esse revestimento do músculo nos ligamentos, dos tendões e também para ela não ficar fraca foi posto bastante alimentos. Então ela come praticamente de três em três horas, mas com alimentos regrados ricos em proteínas e com pouca caloria”, relata Guilherme.
No caso de Eloisa, a proteína necessária pode ser obtida com o consumo de oleaginosas (amêndoas, castanha-do-pará, nozes, por exemplo), frutas com baixa caloria e alto teor proteico, cogumelos e, até mesmo, carne vegetal.
Encontrando refeições fora de casa
A variedade de opções vegetarianas pode ser um problema quando a alimentação acontece fora de casa. Por muito tempo as opções mais comuns eram saladas e a tradicional batata frita. Caroline, contudo, atesta que essa realidade tem mudado. “Nos últimos anos, devido ao aumento de vegetarianos/veganos, percebi uma evolução em trazer para nós, consumidores, opções vegetarianas, principalmente na parte de lanches (pizzas, hambúrgueres, coxinhas). Para nós vegetarianos é uma vitória!”.
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Bruna Carvalho, entretanto, alerta que, em alguns casos, restaurantes podem anunciar pratos como vegetarianos sem se atentar à composição dos alimentos presentes. “Como consequência, aprendi a cozinhar, e muito bem, na minha opinião. Assim posso fazer as minhas próprias receitas e comer sem ter que me preocupar em achar carne escondida na minha comida”.
Segunda-feira sem carne
Pensando em diminuir o consumo mundial de carne, o ex-Beatle Paul McCartney e suas filhas Mary e Stella criaram, em 2009, a campanha Meat Free Monday (segunda-feira sem carne, na tradução). O intuito é incentivar a população a, pelo menos uma vez por semana, deixar de lado a proteína animal, inclusive peixes.
No site da campanha é possível descobrir um pouco mais sobre o impacto que o consumo de carnes pode gerar, por exemplo, no gasto de água: são utilizadas cerca de 16 piscinas olímpicas de água potável para produzir toda a carne que apenas uma pessoa consumirá em sua vida. Ao diminuir o consumo de carne para seis vezes na semana, durante um ano, seria possível economizar 789 banheiras de água potável.
A diminuição de consumo de carnes durante um dia na semana pode parecer pouco, mas é o primeiro passo e até mesmo indicado para quem gostaria de mudar sua dieta. “Cortar drasticamente qualquer alimento da sua dieta nunca dá certo. Restringir vai fazer com que você ache que aquele alimento é proibido, e não é. Sempre aconselho a ir reduzindo aos poucos, na medida do possível, seja diminuindo a ingestão diária ou ir intercalando dia sim, dia não. Reduzir aos poucos é uma maneira sutil de conseguir alcançar o objetivo”, aconselha Caroline.
Diferença entre vegetarianismos
Ovolactovegetarianos: não consomem carne mas consomem ovos e leite e seus derivados.
Lactovegetarianos: além de não consumirem carnes, não consomem ovos. Leite e derivados permanecem em sua dieta.
Vegetarianos estritos: não se alimentam com nenhum produto de origem animal.
Veganos: além de não consumirem produtos de origem animal em sua dieta, também excluem produtos de origem animal ou testados em animais de todos os outros aspectos de sua vida, seja em vestuário, cosméticos ou até mesmo espetáculos que envolvam animais.
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