Quais os exames preventivos indicados para cuidar da saúde do trato digestivo?

Durante sua participação no quadro Hábitos Saudáveis, no programa União é Notícia da FM Verde Vale – 94.1, o gastroenterologista, Dr. Ricardo Monte Junior, falou sobre os exames preventivos que auxiliam na manutenção da saúde do trato digestivo.

Quais os exames preventivos indicados para cuidar da saúde do trato digestivo?

Confira:

Rafael Peruzzo (RP): Hoje em dia, Doutor, muito se fala de medicina preventiva, de não deixar se chegar numa situação em que você precise de um tratamento mais agressivo, não deixar chegar no limite. Falando especificamente da gastroenterologia, quais são os principais exames preventivos?

Ricardo Monte Junior (RMJ): A gastroenterologia acaba, junto com a endoscopia, englobando os exames endoscópicos que acabam digestivo, em especial o estômago. A gente tem disponível para a visualização direta a endoscopia de alta, que acaba vendo o esôfago, estômago e o adeno. Ele é um exame, hoje em dia, que a gente faz com o paciente com sedação. A indicação, na maior parte das vezes, é quando tem algum sintoma. Pensando em prevenção, vamos prevenir um câncer, o aparecimento de câncer do esôfago, do estômago, aqui no Brasil a gente não tem nenhuma normativa de idade para começar a fazer exames pensando em prevenção nesse tipo de lesão, ao contrário de países do leste asiático, que está indicado em 45, 50 anos começar a fazer esses exames. Aqui no Brasil a gente não tem essa normativa, mas como sintomas do trato digestivo superior são muito frequentes, a gente acaba fazendo endoscopia em algum momento e já acaba avaliando se tem lesões ou alguma coisa que preocupa durante o próprio exame.

RP: Existem exames capazes de detectar se você é um potencial paciente de determinada doença? Através de algum exame eu posso saber se tenho propensão a desenvolver um câncer de estômago, um câncer de intestino, por exemplo? Existe esse tipo de rastreamento?

RMJ: Na realidade, a parte genética, que são as avaliações de genes e marcadores, está começando a entrar agora na nossa prática, não é uma coisa que a gente faz de rotina para todas as pessoas e todos os pacientes. Mas, possivelmente, nos próximos anos vão ser situações em que a gente vai acabar utilizando mais, que consiga triar um pouquinho melhor quem faz os exames mais invasivos. Mas não é uma coisa que a gente faz de rotina por enquanto. A gente gostaria que tivesse. A gente olha no sangue. Se tem algum marcador a gente fica mais atento. O que a gente faz na prática nos pacientes de alto risco, que tem algum fator de risco, tem algum histórico familiar, pacientes etilistas acima do peso, que tem fator de risco, para quem as lesões do trato digestivo acabam indicando um rastreamento com os exames endoscópicos. Mas, por enquanto, ainda não é a nossa rotina essa avaliação com, por exemplo, o exame laboratorial.

RP: Doutor, existe uma idade apropriada para começar a fazer esse tipo de exame de prevenção?

RMJ: Por que prevenção? A prevenção é a gente começar a fazer o exame antes da situação acontecer. A gente pensa em fazer o exame antes de ter sintoma. Se tem sintoma normalmente é um exame já que está avaliando a sintomatologia. No paciente que não tem sintoma é que a gente acaba usando os exames preventivos, endoscopia, colonoscopia. Pensando no trato digestivo, a gente diminui a idade 5, 10 anos antes do histórico familiar positivo. Por exemplo, eu tive um familiar que teve uma lesão, um câncer de estômago aí com 45, 50 anos. A gente diminui 10 anos e começa a fazer o rastreamento com uma idade um pouco mais jovem. Como eu falei, a ideia é a gente fazer os exames antes de aparecer sintoma, porque quando tem sintoma, pensando que o trato digestivo é um órgão tubular, para fazer algum sintoma tem que ter lesão grande, até porque a comida passa, a água passa, então se começa a ter algum sintoma como enjoo, empachamento, dor, a tendência é ter alguma coisa maior, aí acaba fugindo um pouco do exame preventivo, é muito mais um exame de diagnóstico do que uma prevenção. Então, na verdade, são situações que a gente tem que avaliar muito bem o que a gente está buscando, prevenção ou diagnóstico. Lembrando, prevenção é quando não tem sintoma.

RP: A endoscopia pode ser preventiva ou ela só é recomendada quando existe sintoma? E já vou engatar mais uma pergunta aqui. Muitas pessoas têm medo do exame, receiam que seja um processo invasivo. Isso é um mito?

RMJ: Ótimas perguntas. Respondendo a primeira, existem lesões precursoras de tumores, capazes de evoluir com câncer. O trato digestivo superior, no estômago em especial, existe uma evolução. Acaba fazendo uma gastrite, depois faz uma atrofia do órgão, para depois fazer metaplasia e displasia, depois o câncer. Existe uma evolução nessa mudança celular. O que a gente acaba avaliando, quando o paciente tem alguma dessas alterações na endoscopia. Uma atrofia é quando diminui o tamanho da célula, o revestimento fica mais fino. A gente consegue visualizar no exame. Então esse é um fator de risco, é um paciente que você tem que ter uma melhor atenção no exame e talvez manter uma rotina de acompanhamento. Pensando também na questão do receio do exame, isso acontece muito, até porque anos atrás não existia essa opção de sedação. O paciente fazia acordado o exame, muitas vezes passava um spray de anestésico na garganta e fazia o exame acordado. Era um exame que dava muitos sintomas. O paciente tinha muito desconforto, dava enjoo. Era um exame que muita gente tinha medo da realização. Mas, com o advento da sedação, da anestesia, ficou um exame muito confortável. É um exame que não é doloroso. O paciente dorme, fica confortável e vai embora já acordado para voltar às suas atividades. Muito se fala aí na questão até de receio, mas a maior parte das vezes são os pacientes que fizeram o exame anos atrás. Lembrando que hoje em dia os aparelhos têm alta definição, então melhorou muito a qualidade da imagem e do exame. A gente tem que estar com o paciente parado para fazer o exame. Se eu pego um paciente tendo enjoo, começa a ter contração de estômago e mexe, é muito fácil passar uma lesão e daí não ser um exame efetivo, então a ideia é fazer o exame com conforto.

RP: Doutor, para a gente detectar problemas de fígado e de rim, por exemplo, existem exames de sangue específicos. No caso do estômago e do intestino, existem também exames de sangue que podem detectar algum tipo de problema?

RMJ: Quanto ao estômago, o que a gente pode avaliar com a questão laboratorial? A gente pode avaliar a presença da bactéria do H. Pylori, que é uma bactéria que faz infecção no estômago e é um fator de risco para câncer e para úlcera. Já existe hoje em dia exames que a gente pode fazer no sangue para ver se teve contato com a bactéria e a gente consegue pesquisar o antígeno dela nas fezes. É um exame menos invasivo, um exame laboratorial.  Quanto à parte do trato digestivo inferior, a gente consegue pesquisar sangue nas fezes. Se tiver sangue nas fezes não quer dizer que tenha lesão, mas é um paciente que vale a pena buscar, procurar e ser avaliado, ser investigado. Por que, pensando que no trato digestivo várias coisas podem sangrar, pode ter uma hemorroida, pode ter um divertículo, mas pode ser um pólipo, pode ser uma lesão. Então o paciente que pesquisou sangue nas fezes e veio positivo é um paciente que deve ser investigado e avaliado com um exame complementar. Na parte laboratorial, existem marcadores tumorais. Então existem alguns tumores de trato digestivo, câncer de pâncreas, câncer de intestino, que podem positivar alguns marcadores no sangue, mas não são todos os tumores que positivam. A gente não gosta de utilizar esses marcadores como diagnóstico, sair pedindo para todo mundo, mas quando a gente faz diagnóstico de alguma lesão, a gente utiliza ele associado, até porque quando tem um marcador positivo, você vai lá e trata o paciente, esse marcador tem que permanecer negativo.

RP: Doutor Ricardo, em relação ao intestino, creio que a colonoscopia seja um fantasma ainda maior que a endoscopia no imaginário popular. Como funciona esse exame? Com qual idade eu devo procurar um médico para fazer a colonoscopia?

RMJ: A colonoscopia é um exame que já está um pouquinho mais em evidência, até porque é isso que está documentado na literatura quanto à prevenção. A colonoscopia acaba avaliando todo o trato digestivo inferior. Ele vê reto e todo o colo e acaba chegando até o íleo terminal, que é o final do intestino delgado. É um exame que a gente consegue avaliar pólipos e tumores do trato digestivo inferior. Na realidade, a colonoscopia acaba entrando nos exames preventivos, até porque o câncer do intestino é um dos tumores que a gente consegue fazer rastreamento. No homem tem dois tumores que a gente faz rastreamento na populacional, são próstata e intestino. Os dois geralmente começam com 45, 50 anos. Na mulher são três tumores que a gente faz rastreamento na populacional: mama, colo do útero e intestino. Então o intestino está na jogada. O câncer do intestino já é o segundo em incidência tanto no homem como na mulher, são cerca de 40 mil casos novos por ano e é o terceiro que mais mata. Mas qual é a ideia da colonoscopia? O câncer do intestino normalmente não aparece direto como um câncer. Normalmente ele parece um pólipo, que é uma alteração do revestimento, uma protuberância do revestimento, que normalmente é um tumor benigno, que com o passar do tempo vai acumulando mutações e vira um tumor maligno, vira um câncer. Qual é a ideia da colonoscopia? Se eu fizer uma colonoscopia e tiver um pólipo, que é um tumor benigno, ainda eu consigo, através de alguns acessórios, retirar, fazer a polipectomia e resolver o problema. Então, além de ser um diagnóstico, ele acaba sendo exame preventivo porque eu posso tirar uma lesão benigna e prevenir que ela vire uma lesão maligna. No Brasil, a orientação é começar a colonoscopia com 45 anos, se não tiver nenhum histórico familiar ou alguma peculiaridade.

RP: Todo pólipo é benigno?

RMJ: Na realidade, o termo pólipo se refere a uma alteração do revestimento, uma protuberância no revestimento. Existem algumas classificações. Ele pode ser um pólipozinho que é tipo um morro, uma montanha, uma árvore, que é um pólipo pediculado. Então, esse é o tipo de morfologia. Mas o que define se é o pólipo benigno ou maligno é a biópsia, a histologia, em que a gente tira essa lesão e manda para o patologista. Pode acontecer de um pólipo já ter algum componente tumoral maligno? Pode. Existem alguns critérios de invasão. Então, a polipectomia e o pólipo nem sempre é maligno e nem sempre é benigno. Vai depender do tamanho, do local, histologia, até para definir melhor o que está acontecendo.

RP: Doutor, recebemos uma pergunta a respeito do cigarro. O tabagismo tem alguma influência nos problemas estomacais?

RMJ: O tabagismo é um fator de risco bem importante para os tumores do trato digestivo superior, tanto do esôfago como do estômago. É muito comum o paciente, principalmente com câncer de esôfago, que é uma coisa que a gente vê aqui na região, o paciente tem esse histórico do tabagismo. Então, não tem dúvida que éuma coisa muito maléfica para a célula do trato digestivo superior.

RP: Doutor, para finalizar, tem um exame novo chegando na cidade. O doutor Ricardo deve ser o primeiro aqui na região a fazer esse exame, que consiste na ingestão de uma cápsula que tem uma câmera e que tira fotografias especificamente do intestino. Nos conte um pouco sobre esse exame.

RMJ: A endoscopia avalia a parte superior, esôfago, estômago e o adeno. A colonoscopia, a parte inferior, reto, colo e o íleo terminal. Então essa parte média, que a gente chama de intestino médio, é um local que a gente não conseguia avaliar muito bem. Em algumas situações podem aparecer lesões, podem aparecer sangramento e era uma coisa que ficava meio obscura, mas agora existe uma tecnologia que é a ingestão de uma cápsula endoscópica. É uma cápsula que parece um comprimido, que o paciente acaba deglutindo. Ela tem um receptor que vai tirando várias fotos e consegue documentar fotograficamente todo o trato digestivo médio, todo o intestino delgado. Então, possivelmente, nas próximas semanas a gente vai começar a realização desses exames aqui na cidade, até porque não tem ninguém aqui em toda a região fazendo. Tinha uma demanda para a realização, porque existem algumas situações em que a gente acabava tendo que ir para outros locais para fazer esse exame. Mas é uma ferramenta a mais que a gente vai ter aqui na nossa região, que é a cápsula endoscópica.

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