Transplantados alertam sobre a importância da doação de órgãos
Na quarta-feira, 27, o Brasil celebrou o Dia Nacional da Doação de órgãos. O país é referência mundial, possuindo o maior sistema público de transplantes do mundo. Em números absolutos de transplantados, o Brasil só fica atrás dos Estados Unidos. No Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS) gerencia a fila de espera para transplantes, incluindo tanto pacientes da rede pública quanto da rede privada.
Nilton José dos Santos, de 56 anos, morador do bairro São Braz, em União da Vitória, é um exemplo de paciente que recebeu uma segunda chance por causa da doação de órgãos. Hipertenso, a doença sobrecarregou seus rins, que com o tempo foram enfraquecendo sem que Nilton percebesse. Quando começou a sentir falta de ar com frequência e dificuldade para dormir, o comerciante acreditou se tratar de um problema em seu coração. Mas a realidade é que seus rins já estavam praticamente parados. “Acabei tendo que fazer hemodiálise às pressas para não ter um perigo de morte”, relata.
E assim se passaram quatro anos de sessões recorrentes de hemodiálise na clínica São Camilo. Até que, em maio de 2015, Nilton recebeu um novo rim no Hospital Evangélico de Curitiba. “O rim do meu doador é de Damião Ferreira. Veio de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul e depois do transplante voltei a viver uma vida nova, com mais valor à vida. Durante a hemodiálise quase não pude tomar água, então hoje eu dou muito valor pra tomar água”.
O nome do doador de Nilton só foi revelado meses após o transplante. A recuperação, segundo o comerciante, foi delicada, mas rápida. “Três meses tem que ter muito cuidado, que a medicação é bem forte. Fiquei internado acho que 15 dias depois do transplante, daí já fiquei mais um tempo na casa do meu filho, em Curitiba. Depois deu tudo certo, vim para casa. O rim foi 100% compatível, então eu tive sorte até nisso”, relembra.
Atualmente, Nilton vive uma vida normal, precisando apenas realizar consultas trimestrais de acompanhamento. Todo o processo do transplante e do tratamento foi custeado pelo SUS, incluindo o transporte para Campo Largo, onde o comerciante faz seu acompanhamento médico. Testemunha da importância da doação, Nilton era, antes mesmo de seu procedimento, um defensor do ato. “Eu era doador de órgãos. Sempre nos meus documentos constava que eu era doador de órgãos. Hoje, eu incentivo até meus amigos, sabe? Eles perguntam como que eu estou, assim, eu incentivo [dizendo] olha, vale a pena a doação. O meu irmão faleceu faz três meses e ele era doador. Ele tinha problema de hipertensão também, deu para usar as córneas dele. Acho que alguém deve estar enxergando com as córneas dele agora”.
Como funciona a lista de espera
O Ministério da Saúde atualiza diariamente o painel que mostra quantas pessoas esperam por um órgão no Brasil, e quantos transplantes foram feitos no ano. Segundo o sistema, na quinta-feira, 28, 40.543 brasileiros aguardavam por um transplante. Desses, 37.326 esperam por um novo rim; 2.207 pelo transplante de fígado; 395 pelo de coração; 387 por transplante combinado de pâncreas e rim; 174 por pulmão; 47 por pâncreas e sete pacientes pelo transplante multivisceral (transplante conjunto de estômago, complexo pancreatoduodenal, intestino delgado, fígado com ou sem cólon e baço). Neste ano, o país já realizou 6.524 transplantes de órgãos.
Para que um paciente receba um órgão, a doação deve ser feita respeitando a compatibilidade sanguínea, de peso e altura, genética e critérios de gravidade para cada órgão. Por essa razão, nem sempre os primeiros da fila receberão um órgão disponível, visto que é preciso que este seja compatível com o paciente. A ordem cronológica de inclusão na fila de espera, contudo, é um critério de desempate quando mais de um paciente é compatível com o órgão disponível. Pacientes em estado crítico são tidos como prioridade.
“Além disso, algumas situações de extrema gravidade com risco de morte e condições clínicas de um paciente aguardando transplante também são determinantes na organização da fila do transplante. São eventos determinantes de prioridade na fila de doação: a impossibilidade total de acesso para diálise (filtração do sangue), no caso de doentes renais; a insuficiência hepática aguda grave, para doentes do fígado; necessidade de assistência circulatória, para pacientes cardiopatas; e rejeição de órgãos recentes transplantados”, informa o Ministério da Saúde em seu portal.
Como ser um doador
Existem dois tipos de doadores: o vivo e o falecido. Pessoas em vida podem ser doadoras de um dos rins, de parte do fígado, de parte da medula ou de parte dos pulmões. O processo pode ser feito desde que a doação não prejudique a qualidade de vida do doador e que este concorde com o processo. A legislação permite que parentes até quarto grau e cônjuges possam ser doadores. A doação de órgãos em vida para pessoas que não sejam parentes próximos ou cônjuges só é permitida com autorização judicial.
No caso de doadores falecidos, é possível que seja feita a doação de rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino; e tecidos: córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias. O procedimento só é feito quando há atestado de morte encefálica ou morte causada por parada cardiorrespiratória, após autorização dos familiares. Mesmo que uma pessoa tenha manifestado em vida o desejo de ser doador, a doação só pode ser concretizada caso os familiares permitam. “A melhor maneira de garantir efetivamente que a vontade do doador seja respeitada, é fazer com que a família saiba sobre o desejo de doar do parente falecido. Na maioria das vezes os familiares atendem a esse desejo, por isso a informação e o diálogo são absolutamente fundamentais, essenciais e necessários. Não é preciso registrar a intenção de ser doador em cartórios, nem informar em documentos o desejo de doar, mas sua família precisa saber sobre o seu desejo de se tornar um doador após a morte, para que possa autorizar a efetivação da doação”, aponta o Ministério da Saúde.
Carta aberta ao meu Doador
“Escrevo a você que mudou a minha vida, e eu nem ao menos sei seu nome. Hoje, 27 de setembro, Dia nacional de Doação de órgãos, ossos e tecidos, venho através desta carta agradecer e honrar você e sua família, pois no momento mais difícil para eles, sua partida, foi permitido que você continuasse vivo em mim. Um pedacinho seu caminha comigo.
Quero te contar que eu não sabia sobre doação de ossos, de outros órgãos sim, mas de ossos só quando precisei mesmo. Vou te contar um pouco sobre essa história e como agora você parte dela.
Há 5 anos, em 2018, estava participando de um jogo de futsal em minha cidade, em Bituruna interior do Paraná, e sofri uma lesão. Nunca mais ficou normal o meu pé. Tinha dores, sempre inchado, mas estava seguindo normalmente. Dois anos depois as dores estavam insuportáveis, e estava ficando limitada. Muitas coisas que antes eu fazia normalmente, já não conseguia mais. Uma delas era momentos de brincadeiras e lazer com meus filhos. Sim, eu sou mãe de dois meninos. Os amores da minha vida. Praticante de esporte, pessoa ativa, digamos, sem sossego, mas eu estava parando.
Quando vejo meus filhos eu penso em você e sua família, em sua mãe. Em outubro vai fazer dois anos da cirurgia e penso como eles estão. Meu coração me diz que você é mulher. Um dia espero saber mais sobre você e sua história, por onde andou, e espero poder contar a sua família por onde eu ando e levo você comigo.
Voltando a história, fui ao médico, Doutor Rafael Mortati. Após muitos exames descobrimos o que havia acontecido: era o osso tálus, o osso que liga o pé à perna. Cartilagem toda comprometida. Ele me pediu alguns dias para estudar o caso, então pensei: o negócio é complicado. No retorno, tinha duas opções. Tentar o transplante, o primeiro dele neste local. Já havia feito outros mas não o tálus, e a maioria dos médicos optam pela prótese. Mas ele pensa diferente e tem coragem e nos dá coragem e segurança. E a segunda opção me deixaria limitada e sem o movimento circular. Eu não pensei duas vezes. Vamos tentar a primeira.
Conversamos. Ele me explicou toda a parte burocrática e documental, e fui para a fila de espera do Instituto INTO Rio de Janeiro, e após dois meses recebi a ligação que receberia a doação. Fiquei contente, mas também apreensiva. Tive alguns dias para realizar a cirurgia e também, depois da saída do instituto do Rio de Janeiro até União da Vitória, algumas horas para o procedimento ser feito, e enfim após quatro horas o transplante foi realizado.
A recuperação foi de quase cinco meses na cama, cadeira de rodas, andador, muleta. Bota imobilizadora, essa já era pertencente ao meu corpo, oito meses com ela. Muita gente me ajudou, me cuidou, me deu forças e, após um ano e cinco meses, a tão esperada alta.
Hoje consigo correr, jogar bola com meus filhos. Quase não tenho dor, só quando extrapolo mesmo. Este ano participei de uma caminhada na natureza de 10 km. Foi emocionante. Quando olho minha cicatriz penso em você e rezo por você e sua família. Todos deveriam saber o quanto uma doação, seja de sangue, órgãos, ossos, é a continuação da vida. Não sei se você contou para sua família que queria ser doadora, ou eles tomaram essa decisão, mas tenho que você é um ser luz, de vida. Espero um dia encontrar eles, caminhar com eles e saber de você. Mas, se isso não for possível, lhe escrevo com a maior emoção da minha vida e te agradeço para sempre. Me comprometo sempre me mobilizar para que mais pessoas saibam e queiram doar. Esse ato muda histórias. Gratidão eternamente. Escrevo esta carta a você meu doador para dizer MUITO OBRIGADO!
Carla Daniela Seccon Vacchi”
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