Julgamento de envolvidos com facção criminosa inicia nesta semana

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Atualizado há 7 meses

Em junho de 2023, como resultado da Operação Lockdown, 25 pessoas foram presas sob suspeita de se articularem enquanto organização criminosa para praticarem crimes como lavagem de dinheiro, promoção e participação de facção criminosa em Canoinhas, em outros cinco municípios catarinenses e nos estados de São Paulo e Minas Gerais.

De acordo com o inquérito policial, “o grupo, por meio de empresas fantasmas, teria lavado mais de R$ 3 milhões de dinheiro proveniente do tráfico de drogas”. O julgamento dos 24 réus tem início nesta segunda-feira, 22, no Fórum da Comarca de Canoinhas.

No documento da denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), é evidenciada a forma como a organização criminosa se articulava e se hierarquizava na região, seguindo inclusive um estatuto com dogmas e metas, além da cobrança de um “dízimo” para a manutenção da facção, cobrado mensalmente de todos os que dela fazem parte.

HIERARQUIA

O chamado Primeiro Grupo Catarinense, ou PGC, teria sido fundado em Florianópolis no ano de 2003 por um canoinhense, segundo as informações presentes na denúncia do MPSC. O objetivo inicial do grupo, ao que consta no documento da denúncia, seria obter melhorias e condições mais favoráveis aos detentos.

Em pouco tempo, o PGC se articulou e conseguiu estabelecer lideranças em diversos Municípios de Santa Catarina: Florianópolis, Palhoça e São José, além de Joinville, Tubarão, Itajaí, Lages, Blumenau, Camboriú, Criciúma, Porto Belo, Guaramirim, São Francisco do Sul, Luis Alves, Itapema, entre outros.

A hierarquia da facção se organiza de tal forma, que há inclusive um “alto comando”, dividido em duas células, denominadas de “Ministérios”, cujos integrantes são eleitos pelos próprios membros da organização.

O chamado “1º Ministério”, de acordo com o estatuto do PGC ao qual autoridades tiveram acesso, é composto por oito membros que desenvolvem suas funções de liderança onde quer que estejam.

Já o “2º Ministério” é composto por um grupo de membros que exercem as funções de liderança de dentro de unidades prisionais, e outro composto por “irmãos em liberdade, porém exercem seu cargo em qualquer lugar de SC”, segundo o estatuto.

O último exemplar do “estatuto” da organização criminosa de que se tem notícia, apesar de ser datado do ano de 2018, foi apreendido por policiais penais no mês de junho de 2021, no Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara e, ao que tudo indica, seus termos vigoram até a atualidade.

ORGANIZAÇÃO EM CANOINHAS

No que diz respeito à articulação do PGC na região de Canoinhas, para além da hierarquia, as informações levantadas a partir de investigação do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), e que consta na denúncia do MPSC, apontam que havia também uma preocupação com questões financeiras, sob a perspectiva de “lavar” o dinheiro proveniente do tráfico de drogas.

A principal acusada do processo consta no documento da denúncia como ocupante de diversos cargos dentro da organização criminosa do PGC. Ela teria sido uma das responsáveis pelo pleno funcionamento da facção na região de Canoinhas, principalmente sob o aspecto de controle contábil.

Informações presentes na denúncia apresentada pelo MPSC apontam que a mulher teria sido “batizada” como membro da organização ainda em 2015, quando tinha 16 anos de idade.

Ocupando o cargo de “Central de Crédito”, ela era responsável por administrar os valores devidos à facção, provenientes do “dízimo” e do cometimento de vários crimes. Em uma das anotações extraídas pelo Gaeco do celular da denunciada, datada do ano de 2020, constam valores que traficantes atuantes na região estariam devendo ao controle contábil: a soma do montante era superior a R$ 330 mil.

A denunciada ainda orientava os “irmãos” integrantes da facção a depositarem os valores provenientes do tráfico em contas bancárias específicas, cujas titulares também foram denunciadas pelo MPSC.

Dados obtidos pelo Gaeco em celulares dos denunciados também apontaram que o PGC mantinha um responsável pela administração da região em diferentes bairros dos Municípios de Canoinhas e Três Barras. Havia, por exemplo, um líder no distrito do São Cristóvão, além de um líder no Piedade e um no Campo d’Água Verde.

MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS E DISTRIBUIÇÃO DE ENTORPECENTES

Conforme o que consta no documento da denúncia, um dos acusados mantinha vínculo empregatício com a Prefeitura de Joinville, cujo salário era de R$ 2.299,16. No entanto, no período entre 2018 e 2023, movimentou mais de R$ 8 milhões em suas contas bancárias. Conforme o MPSC, esses valores são relativos ao tráfico de drogas.

Investigações do Gaeco apontam ainda que o rapaz teria utilizado um de seus imóveis como depósito de grande quantidade de drogas, a fim de posteriormente distribuí-la a vendedores na região, incluindo Canoinhas e outras cidades do Planalto Norte.

O denunciado foi preso em novembro de 2022, enquanto participava de uma reunião do PGC em Canoinhas, tido inclusive como presença ilustre no “evento”, visto que ocupava um cargo de especial relevância hierárquica na facção, de acordo com o MP.

Outro denunciado no processo teria sido o responsável pela logística de distribuição dos entorpecentes na região, recebendo-os de grandes fornecedores e os encaminhando a vendedores locais. Ele também adquiria móveis, veículos e fazia outras movimentações financeiras com o intuito de camuflar valores provenientes do tráfico de drogas.

Em imóveis deste acusado, especificamente, foram encontrados mais de R$ 1,3 milhão em espécie. Ele também possui, de acordo com informações levantadas pelas autoridades a partir de extração de conversas em aparelhos celulares, um cargo de alta relevância hierárquica na organização.

Por 52 vezes, conforme o levantamento que consta na denúncia, a jovem que ocupava o cargo de “Central de Crédito” teria orientado membros da facção a fazerem transferências para contas de outras Estados, com o objetivo de dissimular a real origem dos montantes.

Uma das denunciadas, que ocupava o papel de centralizar esses valores e depois repassá-los, chegou a abrir 25 contas bancárias para receber o dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Em uma destas contas, foi movimentado um valor superior a R$ 490 mil. Em outra conta, a movimentação chegou a R$ 407 mil.

EMPRESA FANTASMA

Outra ação descrita no processo que investiga a movimentação do PGC para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico é a abertura de empresa fantasma.

Uma das denunciadas presas, que é apontada como proprietária de uma empresa de tecnologia, teria aberto uma empresa no Estado de Minas Gerais para receber e redistribuir o dinheiro das atividades ilegais da facção que atua em Santa Catarina.

Conforme informações presentes na denúncia, no entanto, tal empresa não atua nas atividades discriminadas em seu objeto social, mas apenas serve de fachada para a realização de transações bancárias de alto valor referentes à atividade ilícita do tráfico de drogas. O MP aponta no documento da denúncia que foram movimentados cerca de R$ 78 milhões de contas bancárias relacionadas à empresa no período investigado.

Segundo o texto do próprio Ministério Público do Estado de Santa Catarina, “a denunciada recebia dinheiro de origem criminosa, depois o pulverizava por meio de diversas transferências entre vários beneficiários, tudo com vistas a impedir seu rastreamento e a identificação de sua natureza ilícita”.

Outros denunciados do processo teriam recebido e distribuído, a partir de contas bancárias próprias ou de empresas ligadas a eles, valores provenientes de atividades ilegais executadas pelo Primeiro Grupo Catarinense.

Houve casos em que tais transações aconteceram cinco, quatro, duas e até mesmo uma vez, mas ainda assim, pelo envolvimento com a facção criminosa, tais pessoas constam como réus no processo. Ao todo, são 25 acusados, por diferentes crimes.