CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Reflorestar a Terra Indígena Laklãnõ Xokleng com sua árvore sagrada, a araucária, é o objetivo de um projeto criado no oeste de Santa Catarina. O trabalho, segundo os indígenas que participam da iniciativa, já resultou em 50 mil mudas.
A araucária, que está ameaçada de extinção, é sagrada para a cultura xokleng. A árvore e suas sementes, os pinhões, integram a alimentação, os rituais e até os remédios produzidos pelos indígenas, que mantêm oito aldeias espalhadas por cerca de 14 mil hectares, nos arredores do rio Itajaí-Açu, entre os municípios de Ibirama, José Boiteux, Vitor Meireles e Doutor Pedrinho, a 260 quilômetros de Florianópolis.
A população de xoklengs em Santa Catarina está estimada em 2.200 pessoas. Essa área, reivindicada para demarcação, aliás, é a base para o julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a tese do marco temporal –critério segundo o qual indígenas só poderiam requerer terras já ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
“A araucária representa nossa vida, o ar que a gente respira, a árvore sagrada que nossos ancestrais deixaram para nós há mais de 2.000 anos”, diz Isabel Gakran, que em sua aldeia ocupa o cargo de kujá, uma jovem xamã.
Ela e o marido, Carl Gakran, são os idealizadores do Instituto Zág (araucária, na língua xokleng). O mesmo nome leva o projeto de reflorestamento, que envolve áreas alternadas do Alto Vale do Itajaí.
O pinhão, principal alimento para as aldeias, é que dá origem às mudas, que também integram o ritual sagrado chamado “ãggla”.
“Dançamos, cantamos e falamos com as sementes para que cresçam perfeitas e fortes”, explica Isabel, lembrando que as crianças participam da preparação. “Também recebemos crianças não indígenas e grupos de escolas.”
Para aumentar o número de mudas, há mutirões. “Já plantamos 50 mil mudas na Terra Indígena Laklãnõ Xokleng, mas também doamos mudas, pois queremos reflorestar a serra catarinense inteira”, afirma Isabel.
O projeto Zág já foi premiado pelo Fundo de Conservação de Espécies Mohamed bin Zayed, ONG que incentiva ações contra a extinção de espécies. Por outro lado, diz Isabel, há falta de apoio dos governos e dos órgãos públicos.
“Fazemos tudo por conta própria e temos os custos da compra dos saquinhos biodegradáveis para fazer as mudas”, conta. “Pagamos R$ 1 por saquinho, então precisamos fazer vaquinha e pedir ajuda.”
O botânico João de Deus Medeiros, docente da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), destaca que, além da relação prática de subsistência e o culto sagrado à árvore, há o resgate cultural da etnia. “Por isso o plantio, com uma dinâmica peculiar, envolve toda comunidade e precisa de apoio externo.”
As araucárias já chegaram a representar 45% de todo o território coberto por florestas em Santa Catarina. Hoje, no entanto, há apenas 2% de sua área original conservada no estado. A devastação foi intensificada no início do século 20, com a expansão do comércio.
“A região foi uma das que mais sofreram com a exploração madeireira, especialmente após a concessão para construção da ferrovia SP-RS”, diz Medeiros, citando a obra da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
Ele ressalta que, para a construção da estrada, entre 1911 e 1930, estima-se que foram derrubadas 15 milhões de araucárias. Calcula-se também uma perda de 48 milhões de espécimes de imbuias, canelas, cedros e pinheiros, entre outras árvores.
Medeiros critica ainda a falta de políticas púbicas para a proteção das florestas, algo que, na sua visão, ficou evidente no novo código ambiental de Santa Catarina. “Ele abre caminho para exploração madeireira da araucária e outras árvores ameaçadas de extinção”, avalia.
As mudanças entraram em vigor em janeiro de 2022 e, segundo o projeto, representam “avanço histórico para a proteção do meio ambiente e, ao mesmo tempo, diminuem os processos burocráticos”.
Entre as alterações, está a passagem da responsabilidade pelas autuações de infração e fiscalização da Polícia Ambiental para o órgão licenciador municipal. Além disso, a criação das Juntas Administrativas possibilita maior defesa aos infratores, e o novo código permite intervenções em áreas de conservação permanente, como a derrubada de árvores sem autorização prévia, amparada pelo que o texto chama de “exploração econômica sustentável”.