CASO DANIEL DIAS: Entenda como aconteceu o Júri Popular

Réu irá cumprir cinco anos e quatros meses de prisão em regime semiaberto

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Atualizado há 3 anos

Boa noite!
Estamos no ar!
Eu sou Daniel Dias, e te faço companhia nesta noite.
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Se você é do Vale do Iguaçu ou região já deve ter ouvido pelo menos uma vez o programa ‘Ligue Sucessos’, ou recebeu algum ‘toque’ especial durante uma de suas milhares de edições.

Meados dos anos 2000, a programação local do rádio no fazia sucesso entre os jovens, especialmente durante a noite. Um dos nomes mais conhecidos era do radialista Daniel Dias, que comandou por muitos anos o horário noturno da extinta TOP FM (atualmente Jovem Pan), e, em alguns dias da semana animava casas noturnas pela região.

A vida era boa, por muitas vezes tranquila. Sua voz era inconfundível onde quer que ele fosse.

Hoje o cenário é outro. Aquela voz aveludada do rádio se calou. Daniel não pode passar mais do que cinco minutos sozinho. Depois do dia 11 de setembro de 2015, a vida daquele que completaria mais de duas décadas de rádio nunca mais foi a mesma.


10 de setembro de 2015

Após finalizar o seu programa Ligue Sucessos, Daniel se despediu dos seus habituais ouvintes e seguiu para uma danceteria no Vale do Iguaçu, onde mais uma vez exerceria o papel de DJ em uma festa que acontecia na área central.

Do outro lado, o horário de aula das faculdades chegava ao fim, os alunos exaustos da rotina de estudo seguiam para os bares da região, a sensação era de liberdade, alegria, a pressa em colocar a conversa em dia, em comemorar a nota da prova. Era só mais um dia como outro qualquer.

Bruno Wollinger Júnior, ao lado de um amigo, assim como tantos outros colegas, seguiu para um bar. O álcool aos poucos foi entrando na corrente sanguínea e os sentidos foram ficando mais lentos.

A noite seguiria madrugada à dentro.

Sem saber, a vida de Daniel cruzaria o caminho de Bruno, e tudo iria mudar em questão de segundos.


11 de setembro de 2015

A Avenida Manoel Ribas fica localizada no coração de União da Vitória, ali se encontram farmácias, supermercados, lojas de confecções e prédios residenciais.

Em um desses prédios, Reginaldo havia encerrado mais um dia cansativo de trabalho. Ele é empresário e sua loja fica localizada embaixo do seu apartamento, também na avenida.

Por volta das 3 horas da manhã, ele acordou assustado. Um barulho de colisão, seguido por uma batida embaixo da janela do seu quarto fez a sua cama vibrar e danificar os encanamentos de água do local.
Ao descer para ver o que havia ocorrido, ele se deparou com a cena: um carro branco na calçada com o motorista desacordado no seu interior; além disso, a traseira do veículo estava destruída por conta da pancada. No outro carro, duas pessoas estavam desorientadas, parecendo embriagadas, tentando entender o que havia acontecido.

Carro onde o radialista Daniel Dias estava (Reprodução)

Logo, a Avenida se preencheu por luzes vermelhas e barulhos de sirenes.


Esperança

Maria Aparecida Dias, irmã de Daniel, estava em casa quando foi avisada sobre o acidente. Amigos próximos a levaram até o hospital onde Daniel recebia os primeiros socorros.

Já nos primeiros procedimentos ela soube que o irmão estava com um problema sério na cabeça, por conta da pancada. No hospital onde ele estava, foi chamado a UTI Móvel para removê-lo com segurança para a Associação de Proteção à Maternidade e a Infância (APMI) em União da Vitória, onde fizeram uma tomografia.

Na época, não havia um especialista em Neurologia que pudesse atender com precisão o caso de Daniel. Por conta disso, mais uma vez ele necessitou ser transferido, desta vez para Ponta Grossa, no Paraná.

Na saída da APMI, ocorreu o primeiro susto. Daniel teve uma parada cardíaca. Após a reanimação foi possível o seu deslocamento.

Em Ponta Grossa, ele foi submetido a várias cirurgias neurológicas, pelo fato de perda da massa encefálica (cérebro) e as calotas do crânio (que envolvem o cérebro, os órgãos do olfato, da visão o ouvido interno e serve de suporte aos órgãos externos dos aparelhos digestivo e respiratório). Enquanto estava na Unidade de Terapia Intensiva, os médicos desacreditavam que ele iria se recuperar, mas Cidacomo é carinhosamente chamada pela família e amigos – nunca perdeu a esperança e a fé de que teria o irmão de volta em casa.

“Eu vi o cérebro dele oco; você sabe o que é isso? Você tem noção?”, questiona a irmã.

Daniel, mesmo no seu estado de coma vigil (Estado Vegetativo Persistente), não desistiu de lutar pela vida. Entre idas e vindas para tratamento em União da Vitória e Ponta Grossa, ele também apresentou o quadro de hidrocefalia (que é um acúmulo de líquido excedente nos espaços normais dentro do cérebro) e teve infecção.


“Cida dedica a sua vida para cuidar de Daniel”

Na época do acidente Cida, mesmo já sendo aposentada, ainda continuava trabalhando. Após o acidente, abriu mão da sua rotina e a adaptou para dar o suporte que o irmão iria precisar daquele momento em diante.

“Minha vida mudou completamente. Eu vivo em função dele. Minha cama é ao lado da cama de Daniel, sendo 24 horas por dia.” diz Cida.

A garagem da casa dela foi adaptada para atender todas as necessidades de Daniel, com cama de hospital, nebulizador e aspirador pulmonar.

“Fazemos aspiração nele até seis vezes ao dia por conta do pulmão.”

Como consequência da tragédia, Daniel segue em estado vegetativo, se alimenta com ajuda de sonda, usa fraldas, não fala e a cada duas horas precisa fazer decúbito (que é mudança da posição do corpo para evitar pressão prolongada na face que fica contra a superfície do leito) por conta da criação de escaras (feridas que podem surgir em áreas da pele que ficam muito tempo sob pressão). O intestino de Daniel também está comprometido, necessitando de medicamentos para evacuar.

Para dar conta da rotina e dos cuidados com Daniel, Maria Aparecida conta com a ajuda de quatro técnicos de enfermagem, divididos em turnos durante o dia e a noite. Daniel tem acompanhamento de fisioterapeuta duas vezes ao dia, psicóloga uma vez na semana, nutricionista, clínico geral uma vez ao mês e neurologista a cada seis meses.

Ainda, com ajuda de fonoaudiólogos, três vezes por semana, ele já consegue engolir um pouco da saliva.

“Com a fono ele foi melhorando, hoje ele já consegue engolir um pouquinho. Ele ouve, consegue enxergar, até se emociona, só não sabemos até que ponto ele consegue entender”, conta Cida.

Para quem tinha uma rotina agitada e totalmente independente, Daniel hoje, em hipótese alguma, fica sozinho, pois ele pode convulsionar a qualquer momento.

“Teve um dia, em junho, que ele convulsionou mais de 21 vezes! Tudo isso em um único dia”, disse a irmã.

Daniel está com 54 anos e é aposentado. A sua renda ficou comprometida com o tratamento e a sua irmã Cida custeia a outra parte dos gastos.


Audi A3

Bruno W. Júnior voltou a morar em União da Vitória em 2010. Foi nas ruas da cidade que ele aprendeu a dirigir quando tirou sua carteira de habilitação.

Em 2015, aos 20 anos, ele trabalhava em uma loja de materiais elétricos durante o dia e estudava a noite.

No dia do acidente, próximo da 0h do dia 11 de setembro, após alguns copos de bebida alcoólica, ele e o amigo decidiram dar algumas voltas de carro pelo centro da cidade. Dali, seguiram para uma casa de shows. Lá festejaram, brindaram a vida e comemoraram.

Na volta para casa Bruno, percebendo que o amigo estaria mais embriagado do que ele, decidiu assumir a direção do veículo.

Ao entrar na Avenida Manoel Ribas, avenida cuja velocidade máxima permitida é de 40km/h, ele chegou a alcançar mais de 130km/h, sem saber que alguns metros a frente, o carro do radialista Daniel Dias entraria em sua rota.

Em segundos o impacto aconteceu.

Ainda confuso com o que havia acontecido, Bruno desceu do carro em que estava e se direcionou para o carro em que acabou de colidir.

“Desci do carro e fui até o outro veículo, eu vi que tinha uma pessoa caída ali dentro, para o lado direito. Na hora fiquei desesperado, meu celular estava sem bateria e não consegui chamar o socorro. Não sabia o que fazer. Aconteceu tudo muito rápido.”

Carro que Bruno Wollinger Júnior conduzia no momento do acidente. (Reprodução)

Pouco depois da colisão, algumas pessoas começaram a chegar no local junto com a Polícia Militar. Bruno se apresentou como condutor do veículo. O teste de bafômetro realizado registrou 0,85mg de álcool por litro de ar expelido. Segundo a Polícia Militar, ele foi preso em flagrante por crime de embriaguez ao volante e levado à 4ª Subdivisão Policial de União da Vitória (4ª SDP).


Bahia

A comoção pelo acidente que envolveu Daniel Dias tomou conta do Vale do Iguaçu. Pelas redes sociais na época, inúmeros comentários pediam por justiça para o radialista e condenavam o condutor do Audi A3.

Com medo de represália, Bruno nunca entrou em contato com a família de Daniel, nem mesmo depois que a poeira já havia baixado.

“Por questões de medo e situação financeira, não procurei ninguém, pois eu não sabia qual seria a reação. Eu me recordo que trabalhava e ganhava 700 reais. Quando aconteceu o acidente, a primeira coisa que eu tive que fazer foi procurar um advogado, isso já tomava mais de 70% da renda. Seria complicado eu me apresentar aos familiares e amigos, eu não sabia qual seria a reação deles. Reconheço meu erro, sei que o que eu estava fazendo na hora não era algo correto, nunca foi intencional, porque eu acredito que nenhuma pessoa, apesar de cometer um erro que seria dirigir após ingerir bebida alcoólica, ela não tem intenção nenhuma de prejudicar ou outros. Se eu pudesse fazer diferente é claro que eu faria, com o decorrer do tempo você começa a entender que algumas coisas que você fez no passado é complicado, na época eu tinha 20 anos de idade”, disse Bruno perante o Júri Popular.

Bruno Wollinger Júnior, participou de forma remota no Júri Popular que aconteceu no dia 03 (Reprodução)

Atualmente, ele trabalha com carteira assinada e não havia respondido por outros crimes. Bruno mora no estado da Bahia, é casado e tem uma filha.

A primeira vez que a família de Daniel conseguiu contato com ele, foi durante o Júri Popular, que aconteceu no dia 03 de setembro, em União da Vitória, quase seis anos após o ocorrido.


Júri Popular

Aconteceu no Tribunal do Júri da Comarca de União da Vitória, no dia 03, com início às 9h38, com a formação do conselho de sentença dos sete jurados. O público não pode se fazer presente por conta das medidas sanitárias de combate a Covid-19. No entanto, foi possível acompanhar a transmissão do Júri Popular no formato online pelo canal do youtube do TJ/PR. Em rotatividade, a transmissão atingiu durante o dia mais de 700 pessoas assistindo simultaneamente o julgamento.

A primeira testemunha do caso a ser ouvida foi Douglas de Possebon e Freitas, na época Delegado Chefe da Comarca da Subdivisão da 4ª SDP. Durante o depoimento ele explicou como aconteceu a investigação sobre o acidente.

Em sequência foi ouvido o Policial Militar Orlando José dos Santos. Na época, ele foi o responsável por atender a ocorrência e encaminhar o réu para a delegacia. Também, na ocasião, o PM assinalou os danos nos veículos envolvidos no acidente, percebendo que em um deles havia uma vítima desacordada e no outro os dois ocupantes que já se encontravam fora do veículo. Disse perante os jurados que os dois apresentavam andar cambaleante, sinal de embriaguez e odor etílico.

Também foram ouvidas duas irmãs de Daniel, Cida e Marli Dias. Elas apresentaram o quadro atual de saúde de Daniel.

Também depôs o proprietário da loja Mais Econômica de União da Vitória, Reginaldo Rodrigues, como testemunha do acidente. A loja fica localizada na área central, e no dia do acidente, foi atingida pelo carro de Daniel Dias.

O ápice da transmissão da Audiência do Tribunal do Júri foi quando o réu, Bruno Wollinger Júnior, participou de uma transmissão online. Pela primeira vez, ele falou a sua versão sobre o acidente. Durante o depoimento ele disse estar arrependido pelo ocorrido e assumiu que naquele dia havia ingerido bebida alcoólica.

O Júri teve uma pausa para o almoço, com retorno às 13h30. No retorno, com a participação da promotoria foram apresentados os autos do processo, a gravação das câmeras de segurança que captaram o momento do acidente. O primeiro vídeo registrou a velocidade do Audi A3; o segundo, mostrou o momento da colisão dos veículos em frente a Loja Mais Econômica.

De acordo com o vídeo apresentado pela promotoria, com o impacto o carro de Daniel bateu em um poste e foi lançado na direção da Loja Mais Econômica. Também, a lateral do veículo bateu em outros dois carros que estavam estacionados na via. O carro de Daniel foi atingido na parte traseira pelo Audi A3.

Também foi apresentado o laudo das imagens da Polícia Civil do Paraná que serviram como base para análise de local, para que desta forma fosse possível o cálculo do valor da velocidade alcançada por Bruno.

Vale lembrar que o primeiro laudo do acidente apresentado em 2016, exclusivamente com as imagens das câmeras de vídeo, foi inconclusivo. Em 2017, a perícia veio à União da Vitória para a realização do laudo no local do acidente. A perícia constatou que foi perda total o veículo de Daniel.

A Promotoria apresentou ainda o Boletim da Ocorrência confeccionado no dia 11, a certidão do Corpo de Bombeiros, extrato do teste de bafômetro realizado em Bruno e o certificado de verificação de etilômetro. Também incluíram os laudos médicos e lesões corporais de Daniel. Os presentes também conferiram em vídeo a real situação do estado de saúde de Daniel Dias.

Em seguida, ainda no Júri Popular, participaram do debate os advogados de defesa, Élio Moreira Santos e Davi Sizanoski Filho, designados pelo juiz e o advogado de acusação, Fioravante Buch Neto.

“Desde o acidente ocorreram duas audiências sobre o caso. Na primeira ele (o motorista do Audi A3) não compareceu e seu advogado renunciou. Foi marcada outra audiência onde foi nomeado um advogado dativo para ele”, diz.

Segundo Buch, caso o acusado não se manifestasse no dia 03, o júri popular aconteceria normalmente, desde que o advogado de defesa se fizesse presente.

Após dez horas de julgamento, a sentença foi declarada por volta de 19h40. Bruno foi condenado há cinco anos e quatro meses, em regime semiaberto, podendo recorrer em liberdade. Além da pena, o acusado vai pagar dez salários mínimos, além das custas processuais.

Até o dia do julgamento, a família de Daniel não havia recebido nenhum valor de indenização por parte do réu.

“A pena ficou dentro do cálculo que tínhamos previsto, apesar de um crime tão bárbaro. O réu foi confesso, ou seja, confirmou que estava na direção do veículo e que havia ingerido bebida alcoólica. A confissão do réu e o fato de Daniel Dias estar vivo, ajudou a reduzir a pena de Bruno de sete para cinco anos e quatro meses. Ele vai começar pelo regime semiaberto, ou seja, irá dormir em reclusão. O trabalho todo foi realizado dentro da legalidade e dentro do que era possível para uma pena justa”, acrescenta o advogado Fioravante.


Nota da redação

A narrativa desta reportagem foi toda baseada
nos depoimentos perante a realização do Júri Popular que aconteceu no dia 03.