Somos capazes de vencer a luta contra crimes digitais?

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Atualizado há 2 semanas

O Estado é capaz de mitigar crimes virtuais? Esse foi o questionamento apresentado pela aluna de direito da UGV, Maria Antônia Nhoatto, em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “A ineficácia das normas jurídicas no combate aos crimes digitais: uma análise crítica da inefetividade estatal”.

Orientado pela mestra Sabrina Bittey Cavallart de Carvalho, o trabalho abordou alguns dos crimes digitais mais frequentes no país, como o estelionato. Segundo Maria Antônia, leis como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) têm como intenção auxiliar no combate aos crimes digitais. Além disso, alterações no código penal, com pena triplicada em caso de estelionato ou furto com fraude cometido pela internet, já fazem parte do dia a dia. Porém, para ela, tais medidas nem sempre garantem que a justiça seja feita. “A gente ainda não consegue aplicar essas normas no dia a dia. É difícil descobrir onde as pessoas estão praticando os crimes, quem está praticando os crimes ”, explica.

Somos capazes de vencer a luta contra crimes digitais?
Maria Antônia (de branco) na apresentação de TCC. Foto: arquivo pessoal

A dificuldade para identificar o criminoso por trás das telas é um dos grandes fatores de impunidade. Até mesmo nas redes sociais, manter o anonimato não é um trabalho árduo, sendo necessária apenas a criação de um perfil falso. Existem propostas para que se atrele o CPF aos perfis, mas a pesquisadora questiona se uma lei desse tipo faria com que pessoas deixassem de criar perfis falsos, visto que existiria a possibilidade de usar CPFs de terceiros para a criação de contas nas redes sociais.

Maria Antônia também aponta a rapidez de evolução da tecnologia frente a morosidade de atualização das Leis no país como um grande empecilho para o combate aos crimes digitais. Atrelado a isso, a precariedade nas ferramentas de investigação em caso de crimes digitais também auxilia na propagação de golpes pela internet. Para a pesquisadora, o país não possui estrutura nem para investigar, nem para punir todos os casos de crimes virtuais.

Uma vez que as investigações nem sempre são eficazes, e as punições geralmente são brandas, cria-se uma espécie de bola de neve, em que as vítimas sentem desânimo em prestar queixa, e criminosos se sentem encorajados pela impunidade a continuar a cometer tais crimes.

Conscientização é um caminho

Segundo dados do Instituto DataSenado, divulgados em outubro deste ano, cerca de 24% da população brasileira foi vítima de golpes digitais nos 12 meses anteriores à realização da pesquisa. Parcela representa cerca de 40,85 milhões de pessoas que perderam dinheiro em função de golpes cibernéticos. E esse é apenas um dos tipos de crimes realizados no meio digital.

Com um número tão expressivo de vítimas, percebe-se que, de fato, a aplicação de tais crimes ocorre em uma velocidade muito maior do que a capacidade da Justiça de investigar. Maria Antônia inclusive destaca que o tempo na internet passa muito mais rápido do que na vida real. Para cair em um golpe, é preciso apenas clicar em um link.

E é dessa velocidade que os criminosos se aproveitam. Se antes, golpes eram aplicados pessoalmente e demandam que a vítima investisse tempo e atenção em uma conversa cara a cara com o golpista, hoje em dia as mesmas infrações são cometidas pela internet, muitas vezes utilizando a imagem de pessoas próximas a quem sofrerá o crime, como nos famosos golpes de WhatsApp. “É como dizem: todo dia um esperto em um bobo saem de casa. Mas hoje já não é mais preciso sair de casa”, comenta Maria Antônia.

Por essa razão, a pesquisadora cita a educação digital e a conscientização como uma grande ferramenta de prevenção. Se investigar e punir são ações trabalhosas e demoradas, cortar o mal pela raíz pode garantir maior segurança contra crimes virtuais. “Começa por nós, porque a partir do momento que as pessoas têm nossas informações, entende-se que elas podem fazer o que quiserem, mesmo que não possam. E se fizerem, elas não têm a devida punição.”

O fornecimento espontâneo de dados pelos usuários é uma forma de facilitar o trabalho de golpistas. E por dados, é importante que se entenda não apenas endereço, CPF, número de telefone, mas tudo o que compartilhamos nas redes sociais. Fotos, respostas a trends e compartilhamento de localização também são dados úteis para criminosos.

Maria Antônia cita as tão populares correntes dos stories do Instagram, em que usuários são instigados a compartilhar cor favorita, comida favorita, artista favorito, entre vários outros dados. Todas essas informações podem ser usadas para traçar um perfil e auxiliar na aplicação de golpes, visto que o criminoso terá informações muito específicas, capazes de permitir que o golpista se passe pelo dono das informações. “Você responderia para um criminoso na rua que te perguntasse qual a sua comida favorita?”, questiona.

Maria Antônia também alerta para o fornecimento de dados em sites, ao aceitar o compartilhamento de cookies, que permite que o site tenha acesso às suas informações de navegação. Outro fato também é a importância de ler os termos de sites e aplicativos antes de aceitá-los.

Mas a conscientização não deve partir apenas do usuário. É importante, também, que empresas cuidem dos dados recebidos, evitando o vazamento e uso indevido de tais informações. A pesquisadora cita, ainda, a necessidade de punições mais severas para empresas e instituições que não garantam a segurança das informações, à exemplo da multa de 1,2 bilhão de euros aplicada pela Comissão de Proteção de Dados, da Irlanda, por meio da lei de Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês) da União Europeia, à empresa Meta, dona do Facebook, Instagram e Whatsapp, por mau uso dos dados dos usuários.

A GDPR, inclusive, serviu de base para a criação da brasileira LGPD, mas possui punições mais severas do que a nossa lei. Por esse motivo, empresas que desejam utilizar bancos de dados na Europa, acabaram por adaptar seus sistemas de segurança a fim de evitar multas.

Por fim, existe também o perigo do uso de inteligência artificial para crimes digitais, o que tende a piorar a situação na visão de Maria Antônia. “Se com humanos não conseguimos conter, como vamos conter a tecnologia, que avança muito mais rápido?”.