A pandemia do coronavírus me faz lembrar de uma outra pandemia, esta nos vinhedos, a filoxera (Phylloxera vastatrix).
Esta praga foi uma pandemia que marcou a história do vinho na segunda metade do século XIX. Um capítulo à parte desse período de terror foram as curiosas tentativas de aniquilá-la. Na Itália, chegaram a atribuir o problema às estradas de ferro (uma novidade na época), que poderiam trazer doenças, e trilhos foram destruídos. Alguns pesticidas químicos funcionavam, mas o sucesso era relativo, custavam caro, eram altamente tóxicos e exigiam uso constante.
O governo francês, desesperado, chegou a oferecer uma recompensa de 30 mil francos em ouro a quem descobrisse um remédio. Depois, aumentou o valor para 300 mil. Milhares de ideias surgiram. Uma delas foi afogar a praga. Ferdinand de Lesseps, empresário francês responsável pela construção do canal de Suez, afirmou que poderiam ser projetados ductos para passar pelos vinhedos e levar a infestação com a água.
Outras ideia esdrúxulas pipocaram, como inundar as vinhas com vinho branco; enterrar sapos vivos nas videiras, para drenar os venenos; plantar espécies carnívoras entre as plantas, para que comessem o inseto; pulverizar as parreiras com água benta do santuário de Lourdes; cercar as vinhas com plantas de cheiro forte que repeliriam o pulgão e até irrigar a plantação com caldo de camarão!
A mandinga que mais a sério foi levada, no entanto, foi o uso da urina. Inicialmente, foi testada a de bode, de cavalo e de outros animais. Os “especialistas” chegaram à conclusão (como?) de que a melhor urina seria a dos machos da espécie humana. Contam que os meninos de colégios, todos os dias, depois das aulas, tinham a missão de urinar nas vinhas. As estações de trem transformaram a descoberta em negócio e vendiam o valioso resíduo dos seus banheiros. O exercito também entrou na luta, fornecendo o produto dos sanitários dos quartéis. Nada disso deu certo, evidentemente.
Mais de 150 anos depois, ainda não há cura ou método de exterminação eficaz da filoxera. Em 1872, Leo Laliman, produtor de Bordeaux, descobriu que o enxerto da raiz das videiras americanas, que evoluíram na presença da filoxera, com a parte aérea da vitis vinifera seria a solução, embora paliativa e mais cara. Até hoje, o método é largamente usado em todo o mundo, inclusive em regiões nunca atingidas pela praga, como o Chile.