O racismo nas redes sociais

O mundo virtual é feito por pessoas de carne e osso!

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Atualizado há 11 anos

Ilton Cesar Martins
Ilton Cesar Martins (Foto/Arquivo JOC)

Ilton Cesar Martins, doutor em História do Brasil e coordenador do projeto CAPES/PIBID História da África e da Cultura Afro-brasileira se manifesta sobre a questão que causou revolta entre internautas das Cidades Irmãs no final da tarde de ontem, 11. Na ocasião em uma página de uma rede social a qual é destinada para venda e compra de produtos, um perfil, falso, publicou a foto de duas crianças negras que estariam supostamente à venda. Publicações com esse teor infelizmente são recorrentes em todo o território nacional. Para tanto segue o artigo:

 

 

 

Racismo: decisões judiciais estabelecem parâmetros para repressão à intolerância.

Racismo é o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e etnias. É uma doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura ou superior) de dominar as outras. Por fim, é um preconceito extremado contra indivíduos pertencentes a uma raça ou etnia diferente, considerada inferior.

As leis e a sociedade mostram que o racismo é uma atitude que deve ser abolida por completo, mas, ainda hoje, muita gente não se deu conta disso. Os preconceitos e as discriminações continuam. E vale lembrar que, pela Constituição Brasileira, racismo é crime imprescritível e inafiançável.

No Brasil, país profundamente miscigenado e com uma população majoritariamente afrodescendente, o racismo não cala e não cede. É isso que temos visto do Brasil ao longo de muitos anos e que se pôs mais uma vez em nossos noticiários nas últimas semanas. Primeiro foi o jogador Tinga, atleta do Cruzeiro de Minas Gerais que foi ofendido com manifestações racistas num jogo da Copa Libertadores da América no Peru. Dias depois os casos foram dentro do Brasil. Primeiro um juiz que apitava um jogo na cidade Bento Gonçalves (RS), foi ofendido com palavras racistas durante o andamento da partida entre Esportivo e Veranópolis e, depois do jogo, encontrou seu veículo amassado e com bananas espalhadas por cima e no cano de escapamento. Logo em seguida foi a vez do volante Arouca, do Santos (justamente o Santos que teve em sua história aquele que é considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, Pelé) xingado de “macacão” pela torcida do Mogi Mirim.

Esses casos ganharam repercussão, entre outros motivos, por envolverem pessoas ligadas ao meio futebolístico justamente num ano que o Brasil vai sediar uma copa do mundo. Com certeza, impactam e causam profunda indignação na maioria absoluta dos brasileiros, descendentes que são, em sua maioria, de povos de origem africana. Mas ainda assim parecem nos atingir ainda pouco pois estão longe de nossa realidade, distante geograficamente de onde estamos. Mas esta semana a situação mudou.

Na rede social Facebook, numa página intitulada “Classificados Porto União”, alguém usando um perfil falso – fake – procurava negros para comprar para sua coleção. Logo após outro perfil fake respondia que vendia negros a R$ 1,00 e descrevia suas possíveis utilidades. As imagens e palavras usadas são chocantes, como a montagem feita com a foto de uma criança extremamente desnutrida posta diante de um pote de ração para cachorro e, na legenda, anunciava a “venda de um dog”. E as postagens vão se sucedendo com apologias a política eugênica de Adolf Hitler e menções associativas de negros e escravidão.

Todos sabemos que não é de hoje que as redes sociais têm servido de palanque para que pessoas vomitem preconceito e ódio. Igualmente sabemos que as denúncias e punições, no entanto, não parecem fazer frear a necessidade de muitos usuários das redes sociais de exporem os seus preconceitos, como demonstra mais este caso. O que antes era dito dentro de um circulo pessoal, ou entre familiares, agora é colocado na rede sem qualquer constrangimento, como se não fugisse da normalidade. Ou seja, nos últimos anos a internet tem constituído um espaço privilegiado para a prática de crimes de ódio, em especial o racismo.

Para combater isso a justiça tem dado sua resposta. Apenas a título de exemplo no último dia 10 de marco o Facebook foi obrigado a entregar informações de um perfil anônimo que fez postagem de cunho ofensivo a outro usuário. A decisão é do juiz Leonardo Cajueiro d’Azevedo, da 1ª Vara de São Fidélis (RJ), que deferiu liminar em ação cautelar de exibição de documentos. Pela liminar, a rede social deve fornecer os dados cadastrais do titular da conexão e seus registros de acesso, sob pena de busca e apreensão.

Mas as leis por si não bastam. Se assim o fosse o racismo e as formas de discriminação já teriam se extinguido face, por exemplo, a existência desde o ano de 1951 da Lei Afonso Arinos, primeiro código brasileiro a incluir entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça e cor de pele. Não só esta lei e outras que vieram ao logo de anos não foram suficientes, como o próprio tratamento dado pelas autoridades legais não se tornou adequado, muitas vezes, nem instalando inquéritos para averiguar crimes dessa natureza. Ou seja, revela-se como muitos operadores do direito não estão preparados ou sensibilizados efetivamente para lidar com casos de racismo. Como disse o advogado Antonio Leandro da Silva “talvez nem precisemos de mais leis, mas de uma interpretação mais humanista, mais clara e objetiva no que diz respeito ao crime de racismo”.

Outro caminho, e o mais importante deles é a educação. Uma educação que combata fortemente toda manifestação de racismo e preconceito. Que consiga explorar a beleza contida na miscigenação racial. Que consiga, desde muito cedo, inserir nossas crianças num mundo de respeito a diversidade, em que o convívio com a diferença seja parte essencial da formação do cidadão de amanhã e que, principalmente, consiga lidar com as diferenças sem hierarquizá-las.

Nossas cidades tem essa oportunidade através do Projeto CAPES/PIBID História da África e da cultura afro-brasileira. O projeto que já atuou em Porto União e agora atua apenas em União da Vitória é uma ferramenta importante que procura produzir e, refletir e divulgar no âmbito escolar os conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada.

Sabemos que a escola por vezes parece fragilizada diante de ferramentas tão poderosas como a internet e suas redes sociais. Mas a educação sozinha nunca quis e pôde mudar o mundo. Agora uma escola atenta e problematizadora das questões raciais somada a posição mais efetiva da sociedade – pais, autoridades, entre outros – pode sim constituir-se como uma chave fundamental para que o racismo e suas manifestações constituam-se apenas como uma página infeliz de nossa história e não batam à nossa porta um dia sim, outro também.